ENSINO DE CIÊNCIAS EM AMBIENTES VIRTUAIS: A PERCEPÇÃO DO PROFESSOR SOBRE AS DIFERENÇAS NA SUA PRÁTICA INTRODUZIDAS PELO USO DAS NOVAS TECNOLOGIAS



Margareth Mayer
Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da UFRPE
iemayer@uol.com.br

Heloisa Bastos
Departamento de Educação da UFRPE
heloisa_bastos@email.com

Sílvio Costa
Departamento de Ciências Administrativas da UFPE

Jeane Numeriano
Aluna do Curso de Especialização em Metodologia do Ensino e Práticas Pedagógicas/UFRPE



Resumo

    Este trabalho apresenta parte dos resultados de uma pesquisa realizada com um grupo de seis professores do Ensino Superior, que participaram da equipe de Ciências do Curso a Distância de Formação Continuada de Multiplicadores e Novos Multiplicadores, organizado pelo Proinfo, no ano 2000. O objetivo da pesquisa foi investigar a percepção desses docentes sobre as diferenças entre suas atuações no ensino presencial e no ensino a distância. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, gravadas e transcritas, sendo analisadas neste trabalho as respostas relativas à percepção dos professores sobre a interação professor-aluno, as características das formas de ensino e o desenvolvimento de competências, nos dois modos de ensino.




Abstract

    This work presents partial results of a research conducted with a group of six higher education teachers, who participated in the science team of the Distance Course of Continuing Education of Multipliers and new Multipliers, organized by Proinfo, in year 2000. The objective of this research was to investigate the perceptions held by these teachers about the differences between their performances in live teaching and teaching at distance. The data were collected through semi-structured interviews, recorded and transcribed, and the answers related to teachers’ perceptions about teacher-student interaction, characteristics of teaching formats and development of competences, in these two ways of teaching, were analyzed.


1. Introdução

    A idéia de utilizar as novas tecnologias da comunicação para socializar o acesso à educação, sugerido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), toma corpo em iniciativas diversas, dentre as quais insere-se o Proinfo – Programa Nacional de Informática na Educação, que, no ano 2000, reuniu uma equipe de professores das Universidades Federais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pernambuco e Rural de Pernambuco, para ministrar um curso em nível de pós-graduação "lato sensu" exclusivamente a distância, com o objetivo de capacitar professores de nível médio, para atuarem como multiplicadores, na utilização do computador como ferramenta de sala de aula.

    A experiência de uma das professoras orientadoras com este curso levou-a a se questionar sobre a adequação de sua formação e prática em cursos presenciais para instrumentalizá-la como professora no ensino a distância (EAD). A partir daí, surgiu a idéia de investigar a percepção dos outros docentes, que formavam a equipe de ciências, sobre as diferenças entre suas atuações no ensino presencial e no ensino a distância. A relevância do assunto foi reconhecida pelos demais membros da equipe deste trabalho (que incluía essa professora), quando participavam de um curso de especialização e a pesquisa foi realizada durante o trabalho final (monografia) deste curso.

    Neste artigo apresentaremos parte dos resultados dessa pesquisa, realizada com professores orientadores do Curso a Distância de Formação Continuada de Multiplicadores e Novos Multiplicadores, com o objetivo de contribuir para o debate sobre a formação de professores de ciências para o novo milênio.


2. Novas tecnologias e prática pedagógica

    Com a introdução de novas tecnologias no ensino de ciências, o impacto causado na prática pedagógica dos professores tem sido analisado principalmente sob a ótica do aumento do número de alunos que podem participar dos cursos e um maior acesso àqueles que se encontram em regiões afastadas dos centros de conhecimento. Neste momento, a principal preocupação dos planejadores desses cursos tem sido com a capacitação de professores e alunos, para dominar a tecnologia utilizada nos mesmos.

    Consideramos, porém, que alguns aspectos precisam ser analisados cuidadosamente neste momento, porque, conforme colocado por Lévy (1993), o uso de novas tecnologias de comunicação implica em novas formas de pensar. Contextualizando para a educação, as novas tecnologias requerem novas visões sobre o processo de ensino-aprendizagem, especialmente com relação aos aspectos mais diretamente ligados à comunicação professor-aluno e aluno-aluno. Bastos (2001) discute a necessidade de rever as bases teóricas da formação docente e sua compatibilidade com as novas teorias da comunicação, especialmente quando se trata de ensino a distância. Nesse caso, "... não é mais possível tratar a educação desconectada da comunicação, e esta imbricada com a informação, uma vez que o uso de novas tecnologias implica em ver os fenômenos da educação/comunicação em ambientes comunicacionais nos quais lida-se com fenômenos como a imaterialidade, desterritorialidade, restrições nas formas de comunicação, que não se observam nas situações do ensino presencial." (p. 7).

    Além disso, os conceitos de interdisciplinaridade e contextualização, enfatizados pelos PCNs, fazem parte de um paradigma que busca superar uma visão mecanicista do mundo, isto é, uma percepção da realidade como sendo composta por fragmentos que se justapõem, formando um todo. Nesta nova visão, a realidade é reconhecida como algo complexo, cheio de interrelações e envolvendo diversos níveis de organização. Assim, a maneira tradicional de analisar essa realidade, separando-a em campos isolados do conhecimento, através da definição de disciplinas com conteúdos e metodologias independentes, revela-se incompetente e vem sendo questionada pelos filósofos da ciência. Uma solução para esse problema tem sido a adoção de uma perspectiva interdisciplinar que, segundo Lenoir (1995), foi organizada a partir de três eixos principais: a) a definição das fronteiras das disciplinas científicas e das zonas intermediárias entre elas, com o objetivo de organizar os saberes trabalhados nas mesmas, evitando que eles sejam desmembrados; b) a organização dos estudos para permitir a compreensão da presença do ser humano no mundo; c) a atividade profissional e as necessidades do trabalho prático.

    Com relação a este último aspecto, temos a introdução dos conceitos de habilidades e competências, que deslocam o foco do "saber" para o "saber fazer". Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem, que sempre foi organizado para desenvolver o saber dos alunos, dentro de uma visão que privilegiava a teoria em detrimento da prática, passa a enfatizar resultados práticos, resultantes do desenvolvimento de processos cognitivos. Nesse momento, surge a necessidade de rever a prática avaliativa, desde os seus objetivos, sem esquecer das teorias de aprendizagem que dão suporte a essa prática.

    É importante ressaltar que, atualmente, encontramos várias visões sobre a interdisciplinaridade. Dentre elas, temos o modelo de interdisciplinaridade didática proposto por Lenoir e Pellerin (1994), que se baseia em três fundamentos: a hipótese construtivista, as disciplinas como base da estrutura curricular e uma abordagem interativa da intervenção educativa. Através desse modelo, explicita-se uma relação direta entre interdisciplinaridade e construtivismo, que aponta para uma impossibilidade de se implementar a interdisciplinaridade num sistema escolar que utilize o modo tradicional de ensino.

    No caso do ensino a distância, que também deve ser organizado de acordo com os PCNs, é preciso rever as teorias de comunicação que dão sustentação ao seu funcionamento. Nesta área, "a passagem de uma visão linear do processo de comunicação restrito apenas à emissão e recepção de mensagens, onde o receptor exerce um papel passivo, para uma visão que considera comunicar como "entrar na orquestra", como foi proposta por Gregory Bateson (Bougnoux, 1999), implica em considerar o papel ativo do receptor, com todos os seus desdobramentos, o que muda completamente o foco de análise dos problemas de comunicação. Assim, as maneiras de usar e receber as mensagens passam a ser consideradas a partir das características do receptor e não mais como apenas decorrentes da boa ou má recepção da mensagem, devido a problemas com ruídos." (Bastos, 2001, p.8).

    Essa mudança de paradigma na comunicação é inteiramente compatível com a visão dos PCNs e incorpora a idéia de complexidade, que implica em considerar o receptor como um sistema complexo, com funcionamentos imprevisíveis e com uma participação ativa na relação com o emissor. Dessa forma, o receptor atua sobre a mensagem recebida, dando-lhe novos significados, de acordo com suas características pessoais e sócio-culturais, requerendo do professor (que está atuando como emissor) a consciência de que "a relação pedagógica mediada pelas novas tecnologias é impossível de ser separada do conteúdo da mensagem transmitida." (Bastos, 2001, p.8).

    A introdução das novas tecnologias de comunicação no ensino a distância, especialmente a internet, que possibilita contatos síncronos e assíncronos, pessoais (um a um, através do e-mail) ou grupais (chat, fórum), cria alterações nas relações professor-aluno e aluno-aluno, porque muda as percepções dos participantes sobre vários aspectos dessas relações, dentre os quais podemos ressaltar a acessibilidade às pessoas e os espaços público e privado de cada um. Essa quebra nas estruturas é analisada por Martín-Barbero (1997), que afirma: "Antes, para a maioria dos homens, as coisas, e não só as de arte, por próximas que estivessem, ficavam sempre longe, porque um modo de relação social lhes fazia parecer distantes. Agora, as massas sentem próximas, com a ajuda das técnicas, até as coisas mais longínquas e mais sagradas." (p. 74). Desse modo, o distanciamento mantido na escola entre professor e aluno, que dá suporte a uma relação vertical, com o professor controlando a emissão das mensagens e a participação dos alunos, deixa de existir, dificultando mais ainda a manutenção de uma metodologia tradicional no ensino a distância.

    Com a introdução das novas tecnologias, portanto, surge a necessidade de rever toda a estrutura do ensino presencial e desenvolver um referencial teórico mais amplo, baseado nos conhecimentos das áreas da educação e comunicação, para dar suporte à atuação do professor.


3. Metodologia

    Nesta pesquisa foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com seis docentes, que constituíam a equipe de ciências do Curso a Distância de Formação Continuada de Multiplicadores e Novos Multiplicadores, cujas formações são nas áreas de Biologia, Química, Física, Matemática e Informática, e Pedagogia. Esses docentes atuam no ensino superior, tendo todos uma experiência anterior em formação continuada de professores.

    As entrevistas foram gravadas e transcritas, sendo analisadas neste trabalho apenas as respostas às questões relativas à percepção dos professores sobre a interação professor-aluno, as características das formas de ensino e o desenvolvimento de competências, no ensino presencial e a distância.

    As questões selecionadas foram:


1-O que é ensinar e aprender para você ?

2-Existe alguma diferença entre ensinar e aprender presencial e no computador?

3-Como você percebe quando o aluno não entende alguma coisa, num modo e no outro ?

4-Você consegue perceber quando o seu ensino, tanto no modo presencial quanto a distância, desenvolve saberes e competências ? Se positivo, que formas costuma utilizar ?

5-Quais as estratégias que você utiliza para estimular as interações aluno/professor e aluno/aluno, nos modos presencial e a distância ?

6-Em qual dos modos você percebe que existe mais interação professor/aluno ?

7-A via afetiva ao aluno é mais eficaz em qual tipo de ensino?

8-Você acha que na educação a distância os alunos se ressentem de uma maior interação entre eles?

9-Você é requisitado, com freqüência, por seus alunos para orientá-los "extra-classe" ou fora do sistema?

10-Onde você acha que o aluno aproveita mais (tem melhor desempenho): no modo presencial ou no modo virtual ?

11-Onde você se sente melhor como professor: no modo presencial ou a distância ? Por que ?

12-Você acha que o que lhe instrumentalizou como professor na sala de aula presencial serve para o ensino à distância?


4. Análise dos resultados

    Durante o processo de análise, as questões foram agrupadas da seguinte forma: Características das formas de ensino: 1, 2, 11 e 12; Interação professor-aluno: 3, 5, 6, 7, 8 e 9; Desenvolvimento de competências: 4 e 10.


Características das formas de ensino

    As visões sobre ensinar e aprender variam muito entre os membros do grupo pesquisado, desde uma visão do tipo transmissão-recepção, até uma visão interacionista entre professor e aluno.

    Com relação a ensinar, quatro acham que existem diferenças entre os dois modos de ensino. As diferenças citadas estão ligadas à comunicação entre os participantes. Assim, no EAD você ganha em termos de recursos tecnológicos mas perde em termos sensoriais; no presencial há vários canais de comunicação, de duas vias. No EAD você se limita à escrita, que restringe a comunicação. No EAD pode haver comunicação síncrona e assíncrona. No primeiro caso, existe a interação simultânea de várias pessoas, o que dificulta o aprofundamento das discussões, especialmente devido à velocidade das comunicações. Na comunicação assíncrona, você tem tempo para pensar e refletir, o que pode ser positivo ou negativo, dependendo das características da pessoa. Como exemplo, o aluno pode pensar mais e escolher seu momento de melhor inspiração para se comunicar. Por outro lado, o professor perde o controle sobre o aluno, que participa se quiser.

    Dois professores não perceberam diferença entre os dois modos de ensino, considerando que ocorre interação nas duas situações e que a idéia de ensinar independe do meio.

    Com relação a aprender, três não viram diferenças, sendo que um deles ressalta que no EAD o aluno precisa controlar melhor o seu tempo, uma vez que sofre menos influência do professor. Para os que percebem diferenças, um deles considera que a aprendizagem para os alunos que se interessam pode ser muito mais profunda no EAD, enquanto outro considera que o ensino presencial pode ser favorecido pela relação afetiva, enquanto o EAD favorece o desempenho no momento em que cobra a existência de um produto final. Neste caso, é importante considerar a metodologia utilizada em cada modo de ensino.

    Quanto ao modo de ensino em que se sentiam melhor, quatro preferiram o modo presencial e dois não fizeram distinção. É interessante notar que os professores da área de informática foram aqueles que não fizeram distinção, enquanto dentre os demais, três alegaram a familiaridade com o modo presencial como justificativa pela escolha. O único respondente que não se referiu à familiaridade com a forma de ensino presencial, citou a possibilidade de usar melhor os sentidos e controlar melhor a situação como justificativas para sua escolha.

    Todos os professores declararam necessitar de uma preparação específica para atuar no EAD. Há o reconhecimento de que as novas ferramentas tecnológicas precisam ser dominadas. Outros aspectos, porém, como a necessidade de dominar a escrita e o medo de escrever, preparo para lidar com um grupo mais amplo e com a nova forma de interação, dificuldade de implementar uma metodologia construtivista, também foram citados.

    Em resumo, os professores perceberam características distintas nos dois modos de ensino. Como o curso adotou uma metodologia construtivista orientada por projetos, as características percebidas no EAD foram muito ligadas ao aspecto metodológico, que se constituiu numa novidade para a maioria do grupo.


Interação professor-aluno

    Com relação à interação professor-aluno, para acompanhar a aprendizagem, os professores identificam uma diferença, que é percebida como vantajosa (a favor do EAD) somente por dois dos professores pesquisados, sendo que um deles ressalta as vantagens próprias da tecnologia, enquanto o outro coloca a questão metodológica do curso a distância como sendo a principal vantagem. Os demais consideram a interação face a face como sendo mais rica e propiciando um melhor acompanhamento do aluno. As limitações da comunicação por escrito foram ressaltadas, tendo um professor declarado não poder confiar no que estava escrito, porque o aluno poderia se esconder atrás do texto, enquanto no ensino presencial sua expressão denuncia os seus pensamentos. Um outro ressaltou a dificuldade de se expressar na forma escrita.

    Dentre as estratégias utilizadas para estimular as interações aluno/professor e aluno/aluno, destaca-se o questionamento, utilizado por todos no curso a distância, devido à orientação metodológica dada pelos planejadores do curso. Observou-se, também que, para os professores que têm uma prática tradicional no ensino presencial, o questionamento é associado com o EAD de modo geral, enquanto a ênfase na exposição do conteúdo e uso de questões eventuais, com respostas individuais aos alunos, são associados ao ensino presencial. Assim, a desvantagem do ensino presencial, para esses professores, tem ligação direta com sua postura metodológica, como pode ser percebido na fala seguinte: "...no modo presencial termina havendo um diálogo de professor para o aluno. O debate na classe tem que ser motivado, estimulado, porque senão não acontece normalmente." É interessante notar a idéia de diálogo "de professor para o aluno".

    Com relação à existência de mais interação, os professores que possuem uma prática mais tradicional no ensino presencial consideram que no EAD existe mais interação. Os demais professores oscilam entre considerar a mesma coisa, não ter certeza, ou achar que no ensino presencial existe mais interação. No primeiro caso, percebe-se que a justificativa está ligada à metodologia utilizada no curso e não às características do EAD. No segundo, nota-se uma posição pouco definida, devido aos aparentes paradoxos percebidos no EAD, como por exemplo: "No chat há a preocupação de corrigir o que se escreve errado, o que pode atrapalhar, porque você pode estar privilegiando a gramática em detrimento da elaboração do conceito. Por outro lado, quando você escreve você tem que arrumar a cabeça para poder escrever e talvez isso force uma elaboração maior do conceito, o que a longo prazo pode favorecer uma aprendizagem mais significativa.".

    A questão da afetividade é percebida por todos como sendo mais rica no modo presencial de ensino. Porém, ela não deixa de existir no EAD. As pessoas tentam criar formas de expressar essa afetividade por escrito. Um professor ressaltou que a afetividade também pode atrapalhar, quando houver antipatia entre professor e aluno.

    Com relação à interação entre os alunos, como a metodologia vivenciada no curso a distância foi construtivista, os professores que possuem uma prática tradicional no ensino virtual, consideram que a interação no EAD é maior. Os demais acham que os alunos se ressentem de uma maior interação e um deles considera que a interação depende da metodologia. É interessante notar que vários professores pensam na interação dos alunos com eles (professores), e não entre eles (alunos). Esse tipo de preocupação, porém, apareceu na fala de um dos professores: "Uma turma no presencial tem uma unidade. Já no virtual eu não sei se eles têm uma unidade. Eu percebi que eles buscam se comunicar entre eles. Eles gostariam que fosse diferente. Eles tentam conversar de assuntos além curso, buscando um padrão de realidade física".

    Em termos de interação professor-aluno, além daquelas realizadas no ambiente virtual do curso, os professores declararam ter interagido com os alunos através do correio eletrônico pessoal e, até, de forma presencial, para atender às dúvidas dos mesmos. Tal fato, quando comparado com o atendimento que existe além da sala de aula presencial, foi considerado diferentemente pelos professores. Alguns consideraram que o atendimento individual, através do e-mail pessoal do professor, mesmo não sendo computado em termos de carga horária de atividades, constituía-se em atividade do curso, uma vez que os endereços eletrônicos dos professores eram disponibilizados no próprio "site" do curso. Outros reclamaram que essa prática implicava num aumento considerável de carga de trabalho no curso, e a consideraram como atividade extra, uma vez que não era registrada como atividade do curso, não sendo, portanto, remunerada. De qualquer forma, os professores constatatram que, no ensino virtual, atendiam mais porque, como a comunicação não dependia da disponibilidade do professor, o aluno podia mandar a mensagem em qualquer momento, enquanto no presencial ele precisava encontrar um momento em que o professor pudesse dialogar. Além disso, os alunos costumam utilizar o e-mail particular pelos seguintes motivos: 1- porque estão sentindo alguma dificuldade e querem se colocar; 2- porque não confiam nas mensagens que mandam; 3- o peso de escrever algo que fica registrado e é visto por todos, leva alguns a terem que encontrar uma situação menos estressante e comprometedora para se expressarem: "é difícil ter tudo o que você diz registrado. Mexe com sua auto-estima".

    Este tipo de resultado se contrapõe ao mito de que, através do EAD é possível atender a um número muito maior de alunos do que no modo de ensino presencial. Isso pode ser obtido apenas quando se utiliza uma metodologia de ensino tradicional no EAD, o que compromete todas as vantagens até aqui colocadas.


Desenvolvimento de competências

    Na comparação entre os dois modos de ensino, no que concerne ao desenvolvimento de habilidades e competências, observou-se que a metodologia do curso favoreceu a avaliação de competências, uma vez que os alunos deveriam produzir uma página, no ambiente do curso, onde apresentariam todos os resultados do seu projeto didático. Mais uma vez, a metodologia do curso levou a resultados que foram associados às características do modo de ensino utilizado, que nos indica a necessidade de investigar melhor a influência da tecnologia nesse aspecto, analisando um curso a distância que adotasse uma metodologia tradicional. Essa influência pode ser percebida, quando um dos professores coloca que, no EAD você ensina o aluno a aprender e vê se o aluno aprendeu através das tarefas que ele faz. Essa perspectiva não é adotada por este professor, quando ele se refere à sua prática no ensino presencial.

    Outro aspecto interessante, são os instrumentos de controle das atividades docentes no ensino a distância, que implicaram, no caso deste curso, na realização de atividades docentes de acordo com uma metodologia previamente estabelecida pelos planejadores do curso, mesmo quando o professor adota uma prática docente, no ensino presencial, de acordo com uma outra linha teórica. Tal situação se distingue muito claramente do que ocorre em cursos presenciais, quando, após um planejamento detalhado, cada professor vai para sua sala de aula e conduz as atividades, esquecendo-se do que ficou combinado. Tal aspecto pode se constituir numa vantagem, ou desvantagem, dependendo do planejamento adotado. No caso deste curso, os professores participantes consideraram como uma vantagem.

    A avaliação do curso a distância foi feita através de tarefas específicas que deviam ser apresentadas aos professores. A existência de um produto facilitou o acompanhamento do desenvolvimento de habilidades, o que nem sempre ocorre no modo presencial: "No presencial eu não tenho como ver o crescimento dele e porisso não dá para comparar com o virtual". Por outro lado, como num curso presencial você tem um produto final, isso obriga o aluno a tomar uma posição ou sair do curso. Isso também provoca uma evasão enorme.

    Outro professor considerou que o aluno tem melhor desempenho no modo presencial. Os demais professores consideraram que o desempenho é o mesmo nos dois modos, dependendo da metodologia utilizada ou do estudante, de sua capacidade e sua mobilização.


5. Conclusões

    De um modo geral, os resultados desta pesquisa permitiram compreender um pouco as percepções de um grupo de professores do ensino superior, sobre suas atuações em um curso de formação continuada a distância. Neste caso, três aspectos foram ressaltados: características das formas de ensino; interação professor-aluno e desenvolvimento de competências.

    Com relação ao primeiro, observamos que o uso do computador não muda a postura do professor com relação ao processo de ensino-aprendizagem. Mudam as ferramentas e alguns procedimentos, mas a atitude com relação ao aluno é a mesma. Por outro lado, a participação dos docentes num curso organizado segundo uma concepção pré-determinada, com uma metodologia estabelecida, pode se constituir numa forma de capacitação em serviço, com reflexos sobre a prática docente, uma vez que a metodologia parece influenciar muito as percepções do professor sobre o processo de ensino-aprendizagem.

    Com relação à questão afetiva, todos reconheceram a necessidade de estabelecer um clima de satisfação entre os alunos e na relação professor-aluno. Todos também consideraram que isso é mais fácil e rápido de fazer no modo presencial, utilizando os diversos canais de comunicação. Por outro lado, alguns reconheceram que, mesmo com as limitações impostas pelo uso exclusivo da comunicação escrita, é possível desenvolver esse clima afetivo, que pode ser aprofundado durante as comunicações, especialmente aquelas mantidas através do e-mail particular do professor, onde o aluno se sente mais protegido do julgamento dos demais membros do curso (professores e alunos). O estresse causado pela exposição dos participantes durante os chats e fóruns acarreta problemas na relação afetiva e pode influenciar na evasão dos alunos. Isso pode ser equilibrado pela relação pessoal e não registrada pelo sistema, que ocorre via e-mail.

    No modo presencial, apesar da facilidade de estabelecer uma empatia inicial, a grande maioria das interações professor-aluno e aluno-aluno são públicas, acarretando uma exposição das pessoas às críticas feitas pelos demais, o que pode elevar muito o nível de estresse dos participantes. Neste caso, o único fator atenuante é a provisoriedade da comunicação oral, que permite um reposicionamento das pessoas durante o processo de interação, o que não ocorre no EAD durante as atividades públicas (fórum e chat) que registram, de forma irreversível, todas as intervenções por cada participante. Como o atendimento extra-classe, no modo presencial, depende da disponibilidade de tempo do professor e dos alunos, este elemento de compensação está em desvantagem em comparação ao EAD. Uma alternativa para minimizar o estresse, no modo presencial, seria estabelecer um contrato didático que permitisse a manifestação dos participantes com um mínimo de julgamento, enfatizando atitudes de cooperação e solidariedade, na busca de uma construção coletiva do conhecimento. Nesse sentido, o modelo de avaliação utilizado deveria privilegiar os produtos da aprendizagem, resultantes do desenvolvimento de habilidades e competências, como indicadores de resultados, ao invés de se preocupar apenas com os erros que ocorrem durante cada etapa do processo.
 
    Talvez o uso do EAD implique na necessidade de adotar uma metodologia de ensino construtivista, uma vez que, para desenvolver habilidades e competências é preciso interagir com o aluno, fazendo com que ele "cresça". Para isso, não basta passar informações para o aluno, é preciso criar situações em que ele faça algo, podendo ser auxiliado pelo professor.

    Pelas novas teorias de comunicação, nos estudos de recepção, o receptor vai dar novos significados às mensagens, dependendo de vários fatores, entre os quais sua cultura, aspectos econômicos e sociais. Esses aspectos não foram citados por esses professores.


Referências

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