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A Máquina do Tempo
por Renato Pugliese

 

Para abrir a seção de resenhas do Eppur si muove!, escolhemos discutir duas obras – um livro e um filme – que podem ser utilizadas para identificar a ligação entre a cultura artística e a cultura científica, auxiliar o professor a apresentar e construir conceitos científicos com seus alunos, trabalhar com a história da ciência e, por último, levar à tão necessária interdisciplinaridade.

Originalmente lançado em 1894, o livro A Máquina do Tempo (fig. 1), escrito por Herbert George Wells (fig. 2), serviu de roteiro para que dois filmes homônimos fossem produzidos, o primeiro em 1960, dirigido por George Pal (fig. 3), e o segundo em 2002, dirigido por Simon Wells (fig. 4), bisneto de H. G. Wells. Analisamos brevemente o livro (nota 1) e a versão cinematográfica de 2002 (nota 2), procurando destacar elementos úteis para alcançarmos os objetivos propostos no parágrafo anterior.

Como início da nossa discussão, gostaríamos de apresentar o escritor. Wells nasceu em 1866 em Bromley, na Inglaterra. Estudou, sob concessão de uma bolsa, na Escola Normal de Ciência, em Londres, e trabalhou como Contador até que se tornou escritor. É considerado um dos pioneiros da ficção científica, mas também escreveu romances cômicos socialmente conscientes, além de uma grande obra sobre a história universal. Faleceu em Londres no ano de 1946. Assim, percebemos que o escritor Wells possuía uma grande ligação com a ciência, o que nos leva a compreender o por quê de suas obras literárias estarem recheadas de temas científicos.

Partindo, neste momento, para um olhar sobre o livro, temos que o Viajante do Tempo, como é chamado o protagonista, um renomado professor de mecânica em Londres, determinado a provar que a viagem no tempo era possível (nota 3), passa longos períodos no laboratório até que constrói uma máquina que o satisfaz e o leva ao ano de 802.701 (!), período em que a espécie humana sofreu diversas adaptações genéticas e gerou duas raças, uma que reside na superfície da Terra, os Elois, e outra no subterrâneo, os Morlocks.

Logo nas primeiras páginas, o Viajante do Tempo convida algumas pessoas para apresentar um protótipo de sua máquina e, nesta apresentação, discute o Tempo como sendo uma quarta dimensão do Espaço (nota 4). Interroga os espectadores sobre a possibilidade de existência de um cubo instantâneo – que existisse sem a dependência do tempo – e esta questão gera polêmica no auditório. Em duas ou três páginas, que poderiam ser lidas por alunos do ensino médio, Wells introduz através de seu protagonista elementos de uma Geometria Quadridimensional. A seguir, o Viajante coloca em funcionamento seu pequeno aparelho, que imediatamente desaparece. Após um pequeno instante de susto, é dito que a maquininha está viajando no tempo e, por essa razão, desapareceu.

Como esta primeira apresentação gerou uma grande polêmica, o Viajante convida a todos para um jantar numa próxima semana, onde apresentaria a máquina final. Neste jantar, e um pouco atrasado, surge o Viajante, muito machucado, cansado e com fome, e diz que acabou de chegar de uma longa viagem no tempo, e então, começa a descrevê-la.

Além da discussão sobre tempo e espaço, o narrador levanta a questão da possibilidade de dois corpos ocuparem o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, o que é mais um exemplo de discussão possível de ser apresentada em sala de aula. Ainda no decorrer da narração, são interessantes as observações do Viajante sobre o movimento dos astros celestes quando se viaja no tempo em alta velocidade, como o movimento da trajetória do Sol ao passar das estações do ano, ou a alteração dos desenhos das constelações, ocorrida pelo movimento de precessão terrestre.

O narrador ainda discute, de uma maneira filosófica, a utilidade da ciência atual, pois na época em que ele está (século 8028) não existem mais livros, pesquisadores ou escolas, o que destrói o sonho da inteligência humana – já que aquele povo vive aparentemente bem –, além do que os seres com quem ele convive não possuem dúvidas ou questões sobre nenhum assunto (não são interessados por nada), e como o conhecimento nasce das dúvidas, eles não precisam do mesmo.

Ainda nesse futuro distante, é notável a influência das teorias de Charles Darwin sobre a adaptação de humanos, por exemplo, à natureza em longo prazo. O escritor descreve as duas raças descendentes do homem moderno adaptadas à luz (no caso dos moradores subterrâneos, que possuem pele branca e olhos enormes), ao clima, às necessidades digestivas, entre outras (nota 5).

Depois de recuperar a sua máquina, o narrador avança mais no tempo, chegando a uma época em que a Terra cessou seu movimento de rotação em relação ao Sol (nota 6), e este apenas sobe e desce (mas não se põe) no oeste, uma época onde não há mais vestígios de vida humana e, pela baixa intensidade de luz do Sol – o qual se encontra sempre próximo do horizonte – é possível ver eclipses solares causados, supostamente, por Mercúrio ou Vênus. Este livro ainda nos permite discutir questões sociais e econômicas, como a evolução da diferença entre as classes rica e pobre, o que nos faz incluir professores de geografia e história no trabalho.

Contudo, olhemos agora para o filme lançado em 2002 para que possamos ampliar nossa proposta de pesquisa. Esta adaptação, feita como dito anteriormente, pelo bisneto de H. G. Wells, Simon Wells, não é fiel ao livro. Ela é baseada no mesmo, porém, as principais cenas do filme não constam na ficção original, a não ser a grande viagem por 800 mil anos. No entanto, o filme não deixa de ser interessante e nos dá a possibilidade, como o livro, de alcançarmos os objetivos mencionados no primeiro parágrafo deste texto.

Alguns detalhes iniciais, que diferenciam o filme do livro, não podem deixar de ser citados. Por exemplo, no filme o Viajante do Tempo possui um nome, Alexandre Hartdegen (Guy Pierce), e mora em Nova Iorque, contrariando a residência londrina do original (coisas de Hollywood). Além disto, antes de alcançar o século 8028, o viajante passa pelo ano de 2030, época em que a Lua está colonizada e que, alguns anos depois, é destruída por fatores de influência humana (nota 7).

Durante sua viagem para o distante futuro, os efeitos especiais – de altíssima qualidade – nos permitem ver a dinâmica do planeta ao passar dos anos, os rios alterando seus caminhos, as estações de frio e calor, a trajetória do Sol no céu de Solstício a Solstício, entre outros, os quais nos dão a chance de discutir conceitos de física e geografia, por exemplo.

Outra questão fundamental do filme, mas que o livro não cita, é uma referência a um jovem pesquisador, no final do século XIX, chamado Einstein. Esta citação dá ao professor, no caso do ensino, a oportunidade de trabalhar com a história da ciência e de inserir a física moderna no ensino médio, pois já estamos no século XXI e a população só tem a chance de conhecer, através da escola básica, a física clássica.

Para concluirmos a comparação das edições, não podemos deixar de dizer que, na versão original (livro), o motivo pelo qual o Viajante constrói a máquina é puramente científico, pois almejava ser possível viajar no tempo. Já na adaptação para o cinema, Alexander Hartdegen perde sua amada Emma (Sienna Guillory) e por isso deseja voltar no tempo para não deixá-la morrer, e percebe que não adianta pois, mesmo voltando ao passado, ela falece novamente. Assim, decide ir ao futuro para encontrar suas respostas – agora por motivos científicos – e acaba, no século 8028, se relacionando com uma Eloi, chamada Mara (Samantha Mumba), por quem destrói sua máquina do tempo e por lá fica, contrariando a estória original, na qual o Viajante volta para sua época natural.

Enfim, tanto com o livro quanto com o filme, temos inúmeras possibilidades de identificar a ligação entre a cultura artística e a cultura científica, auxiliar o professor a apresentar e construir conceitos científicos com seus alunos, trabalhar com a história da ciência e, por último, levar à tão necessária interdisciplinaridade.

    Notas_________________

  1. Wells, H. G., A Máquina do Tempo (The Time Machine – 1894), tradução de Fausto Cunha, Ed. Francisco Alves, 4ª Edição, SP, 1991.
  2. Wells, S. (dir), The Time Machine, 2002, EUA, Warner (distrib).
  3. Este é um interessante aspecto a ser discutido com os alunos, por um professor de Ensino Médio, por exemplo: Será mesmo possível viajar no tempo?
  4. Percebam que o livro foi publicado originalmente em 1894, poucos anos antes de Einstein publicar sua teoria da Relatividade, o que já nos permite a inserir a história da ciência.
  5. Estas observações nos permitem produzir um trabalho interdisciplinar com professores de biologia, física, história e química, por exemplo.
  6. Neste caso a Terra sempre tem a mesma face virada para o Sol, é como se ela realizasse um movimento com relação ao Sol como a Lua faz hoje em relação à Terra.
  7. Em alguns trechos do filme é mostrada a Lua em pedaços ainda em órbita em torno da Terra, o que permite abrir discussões sobre Gravitação, por exemplo.

 


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