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Primeira Jornada de Galileu
Parte I
por Radoico Guimarães
Galileu
Galilei nasceu em 1564, na cidade de Pisa, Itália. Lá iniciou
seus estudos em medicina e matemática, conheceu e se apaixonou pela
filosofia natural. Aos 19 anos de idade descobriu a lei do pêndulo.
Aos 25 anos passou a lecionar matemática na Universidade de Pisa.
Ele era um experimentador
por excelência, cedo inventou a balança hidrostática.
Gostava de criar mecanismos e métodos para avaliar as teorias que formulava
e procurava interpretar essas teorias em linguagem matemática. Devido
a essas atitudes anacrônicas, começou a incomodar os sábios
de formação aristotélica.
Em 1592 foi lecionar
em Pádua, necessitado que estava de um salário maior, por ter
se tornado arrimo da família com a morte de seu pai. Nesta cidade uniu-se,
sem se casar, provavelmente devido aos problemas financeiros, a Maria Gamba,
com quem teve diversos filhos. Ensinava em suas aulas o sistema ptolomaico
(geocêntrico), mas a cada dia ficava mais convencido de que Copérnico
tinha razão, a Terra devia girar em torno do Sol e em torno de si mesma.
Em Roma, em 1610,
entra para a Academia do Lince, cujos membros consideravam-se “discípulos
da Natureza, com a finalidade de admirar os fenômenos e procurar suas
causas”. Orgulhoso do convite, passa a assinar Galileu Galilei Linceo.
A Academia publica sua primeira obra, sobre as manchas solares, e a Inquisição
começa a se preocupar com Galileu: escrevendo em italiano e não
em latim, ele colocava mais um problema, pois assim suas idéias heréticas
podiam se espalhar mais facilmente entre o povo.
Em
1616 a obra de Copérnico foi proibida e Galileu “convidado”
a não mais divulgar suas idéias de heliocentrismo, sob pena
de prisão. Manteve-se silencioso até a eleição
do papa Urbano VIII lhe trazer certo alívio, pois, além do papa
ser seu amigo e protetor, seu neto era membro da Academia. Encorajado pela
nova situação, Galileu publicou o “Diálogo”,
mas foi surpreendido pela reação papal: inicialmente autorizado,
o livro acabou por ser apreendido e Galileu julgado e condenado a abjurar
suas afirmações e à prisão domiciliar. Se não
o fizesse, poderia ser condenado à morte.
Galileu morreu
nove anos depois, em 1642, numa vila toscana. Temendo a Igreja, sua família
não o enterrou junto a seus antepassados, na Basílica da Santa
Cruz. Em 1737, ainda contra a opinião eclesiástica, seus restos
foram lá depositados por ordem das autoridades civis. O processo contra
Galileu somente foi encerrado em 1992, 350 anos depois de sua morte, pelo
papa João Paulo II, sem, porém, perdoá-lo da acusação
de heresia.
O DIÁLOGO SOBRE OS DOIS MÁXIMOS SISTEMAS DO MUNDO
Nessa obra (nota
1), Galileu procura contrapor duas teses diferentes, o sistema heliocêntrico
articulado por Copérnico (teoria condenada pelas autoridades eclesiais)
e o sistema geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu, considerado
pela sociedade da época como verdadeiro e de acordo com as Sagradas
Escrituras.
Ela
é dividida em quatro “jornadas”, em que três amigos
se reúnem para discutir os temas, num diálogo amigável
e, não por isso, sério e profundo. Um deles, Salviati, defende
o ponto de vista de Galileu, que aparece na obra citado por eles como um amigo
acadêmico, autor de polêmicos trabalhos. Outro, Simplício,
representa o defensor das teorias aristotélico-ptolomaicas e o terceiro,
Sagredo, um amigo pretensamente neutro e interessado em aprender, mas que
atua como apoio a Salviati no desenvolvimento das suas idéias, ou seja,
das teses que Galileu defendia.
Trazemos aqui em
três partes o ponto de vista da época (aristotélico),
a tese defendida por Galileu, e o que se conhece nos dias de hoje. Ao final,
destacamos algumas frases pitorescas que Galileu usou nesta primeira jornada
do “Diálogo”.
A PRIMEIRA
JORNADA
A primeira jornada
se dedica à natureza da Terra e dos corpos celestes, estudando sua
estrutura e movimentos.
A tese fundamental
da obra é a seguinte (Galileu procura demonstrá-la por meio
de outras análises que serão apresentadas a seguir):
Na época:
A Terra e o Céu são de naturezas diferentes. A Terra é
esférica, fica no centro do universo e é feita de material que
pode se modificar e ser modificado, que pode envelhecer e se degradar. O Céu
é composto de material constante e eterno e os corpos celestes giram
em torno da Terra.
Tese de Galileu:
Baseando-se na obra de Copérnico e em suas próprias observações
e experiências, Galileu defende que a Terra é um globo similar
a um planeta e se move, como os demais corpos celestes, em torno de um ponto
próximo ao Sol, que é fixo. A Lua é o único corpo
celeste que gira em torno da Terra. Os corpos celestes não são
perfeitos e também são alteráveis.
O que sabemos:
A Terra é um planeta que tem a Lua como satélite natural e executa
movimentos diversos e complexos. Nem o Sol nem a Terra estão no centro
do Universo e tanto a Terra como os corpos celestes são constituídos
de materiais que se transformam e podem ser transformados.
Discussões
na Primeira Jornada:
1. As dimensões
do Universo e as demonstrações matemáticas
Na época: O mundo tem três dimensões porque o número
3 é perfeito. Não se deve procurar demonstrar matematicamente
as coisas naturais, que são assim por terem sido assim criadas.
Tese de Galileu:
O mundo tem três dimensões: comprimento, largura e altura, que
formam ângulos retos entre si. Se for possível demonstrar as
coisas naturais matematicamente, isso deve ser feito.
O que sabemos:
Existem mais dimensões físicas do que as três primeiras:
há o tempo, como quarta dimensão e pode haver mais dimensões.
Toda teoria que procura explicar a natureza deve ser demonstrada a partir
de leis fundamentais não demonstráveis, porém confirmadas
pela experiência.
2. Os movimentos
dos corpos
Na época:
Os movimentos simples são o retilíneo e o circular uniforme.
Os demais movimentos são mistos destes dois. Os corpos se movem de
acordo com sua tendência natural e todos os movimentos simples se restringem
a três espécies: reto para o meio (como o dos objetos pesados,
acelerados na queda), reto a partir do meio (como os do fogo e da fumaça,
acelerados na subida) e circular uniforme em torno do meio (como os dos corpos
celestes em torno da Terra).
Tese de Galileu:Todo
corpo que tenha sido formado em repouso, mas que tenha por natureza uma tendência
ao movimento, irá se mover inicialmente em movimento retilíneo
e irá se acelerar continuamente, passando por vários graus de
velocidade. Um corpo formado em repouso e que não tenha tendência
ao movimento permanecerá em repouso.
O que sabemos:
O movimento não é intrínseco ao corpo e sim determinado
pelas forças que atuam sobre ele, gravitacionais ou eletromagnéticas.
No interior dos átomos existem ainda, além destas, as forças
fraca e forte. Um corpo isolado (no qual não atuam forças),
ou em que a soma das forças atuantes é nula, permanece em repouso
ou em movimento retilíneo uniforme (lei da inércia).
3. Mudanças
de velocidade
Na época:
Um corpo pode mudar de velocidade instantaneamente, passando do repouso ao
movimento e vice-versa.
Tese de Galileu:
Um corpo passa por “infinitos graus de lentidão” que existem
entre qualquer grau de repouso e de velocidade, “sem demorar em nenhum”.
O que sabemos:
Num movimento acelerado, o corpo passa por graus infinitesimais de velocidade.
4. Velocidades
iguais
Na época:
Dois corpos têm velocidades iguais quando percorrem espaços iguais
em tempos iguais.
Tese de Galileu:
“Dois corpos têm velocidades iguais quando os espaços percorridos
têm a mesma proporção que os tempos nos quais são
percorridos” (nota 2).
O que sabemos:
Dois corpos têm velocidades médias iguais quando os espaços
percorridos têm a mesma proporção que os tempos nos quais
são percorridos.
5. A constituição
do Universo e o movimento dos graves
Na época:
Os graves (corpos pesados) têm a tendência de cair para o centro
do mundo (universo), pois é este é seu lugar natural. Do mesmo
modo, os leves (fogo e fumaça), tendem a subir, pois seu lugar natural
é o céu. “Os corpos celestes são impassíveis,
impenetráveis, invioláveis” e “não são
nem graves, nem leves”.
Tese de Galileu:
Os graves tendem a ir para o centro do corpo a que pertencem, por isso os
corpos celestes, assim como a Terra, são redondos. Uma pedra na Lua
tende a ir para o centro da Lua, uma pedra na Terra tende a ir para o centro
da Terra (nota 3).
O que sabemos:
Corpos materiais sofrem uma força de atração mútua,
na razão direta das massas e inversa do quadrado das distâncias (nota
4).
Continua ...