Resumo
Certamente inúmeras vezes já nos debruçamos sobre as complexas questões acerca dos fundamentos filosóficos abordados pela primeira parte do questionamento proposto pelo título assim como adentramo-nos em um verdadeiro labirinto em busca de subsídios, crenças, fatos e conhecimentos sobre o ensino de ciências. Foi a partir das minhas incursões a esse complexo labirinto que comecei a preocupar-me com as possíveis relações entre ambas as questões.
Mas, qual a diferença entre sermos ou tornarmo-nos humanos?
Um dos atributos fundamentais da espécie humana relaciona-se à inerente interação entre as suas ações e reflexões. Embora essa constatação nem sempre tenha sido tranqüilamente aceita e validada no transcorrer da história, constitui-se em uma das características que permitiu à espécie humana atingir o atual estágio evolutivo, qual seja, a conexão e a dependência entre a execução da ação e a reflexão de seu planejamento.
Outro atributo essencial para a discussão do significado da essência humana repousa na inerente e inextricável associação do binômio ação/reflexão aos interesses, valores, crenças e ideologias que o norteia. Assim, qualquer ação/reflexão humana, incluindo a construção e invenção do conhecimento científico, é inerentemente relativa, não sendo possível, por mais que já tenha sido tentado, transformá-la em absoluta, neutra, verdadeira e eterna.
Um terceiro atributo, igualmente indispensável a essa discussão, é a inextricabilidade e dependência dessas ações/reflexões a um incrível emaranhado celular denominado, genericamente, de corpo humano. A nossa altura, a constituição de nossos membros, a fragilidade metabólica de nosso organismo, além de dezenas de outras características genéticas da espécie humana são fundamentais para que possamos controlar o fogo, extrairmos minerais, construirmos e inventarmos artefatos dos mais diversos tamanhos, desde as colossais estações espaciais até os pertencentes à nanotecnologia, entre tantas outras ações/reflexões.
Portanto, todas as ações/reflexões humanas são guiadas e fundamentadas por um complexo de interferentes e condicionantes que considera tanto as seqüências das bases nitrogenadas do organismo humano quanto as dimensões históricas, culturais, econômicas, políticas, éticas e psicológicas. A vivência histórica, as lembranças, as dúvidas, as ambições e expectativas, os sentimentos, as relações com outros seres vivos e com os materiais inanimados, conjuntamente a todas as sensações, percepções, concepções e significações construídas e inventadas, constituem a complexa teia que vai transformando, processualmente, os "simples" seres biológicos em seres humanos, constituindo-se na essência humana.
Proponho, a partir dessas considerações, algumas questões que tentam integrar tais premissas acerca das especificidades da essência humana à abordagem ambiental do ensino de ciências. 1) apesar da espécie humana ser inerentemente dependente e integrada ao ambiente da Terra, a dinâmica terrestre não está sujeita exclusivamente a essa espécie para manter-se. 2) o processo através do qual os seres "orgânicos" vão se transformando em seres humanos só ocorre com a apropriação deliberada dos componentes do ambiente, que causa impactos das mais diversas intensidades e abrangências. Portanto, enquanto existir ser humano, existirá impactos decorrentes de ações/reflexões humanas nas diversas dimensões do ambiente. 3) como essa apropriação é guiada e fundamentada por interesses, valores, crenças e ideologias, os controles dos impactos decorrentes dessa apropriação é igualmente relativo, não possuindo sentido em considerar ações/reflexões humanas que são exclusivamente destruidoras ou conservadoras dos componentes do ambiente.
Acredito ser papel fundamental do ensino de ciências,
em qualquer instância, propor tais considerações e
mostrar a impossibilidade de pararmos de transformar o planeta com nossas
ações/reflexões. A discussão dessas premissas
é imprescindível, nem que seja simplesmente para discordar
totalmente delas. O que não podemos mais é omiti-las do processo
de ensino-aprendizagem do conhecimento científico.