SE A PRATICA DOCENTE É UM CAMINHO PARA A FORMAÇÃO INICIAL DOS
PROFESSORES, PODERIA O DIÁRIO DE AULAS SER UM DOS SEUS ATALHOS?
 

Cristiane Dias e Sarmento(1)

Luciana Resende Aliam(2)
 

Resumo

    Este estudo provém de uma monografia desenvolvida na disciplina "Prática de Ensino de Ciências Biológicas", da Universidade Federal de Minas Gerais, e tem como objetivo legitimar a importância do diário de aulas, tomando como objeto os primeiros meses de docência da autora nos ensinos fundamental e médio. Os diários de aula são citados na literatura como instrumentos de auxilio na reflexão sobre a prática dos professores que os escrevem, Para atingir tal finalidade, o professor deve realizar uma leitura crítica de seu conteúdo, com olhos de pesquisador, de modo a produzir um olhar diferente daquele do da sala de aula. Com estes pressupostos, o diário de aulas utilizado neste trabalho teve suas anotações feitas em dois momentos: o primeiro deles anteriormente à realização de cada aula (contendo o seu planejamento) e o segundo após o decorrer das mesmas (contendo as experiências vivenciadas). A análise do conteúdo do diário revelou três fases distintas vivenciadas pela autora no período analisado. Na primeira fase os dois momentos de anotações eram rigorosamente respeitados e, no entanto, a leitura crítica do diário não era realizada, o que refletiu bem a ansiedade da professora e sua necessidade de falar sobre o que acontecia em sala de aula. O planejamento das aulas continha todo o tema a ser trabalhado e a maneira como a professora desejava fazê-lo - inclusive com especificações do tempo de cada atividade e da seqüência das mesmas - e o relato era uma síntese fiel do decorrer das aulas, contendo trechos de diálogos entre a professora e os alunos, acrescido de algumas impressões por estes manifestas sobre seu interesse e a aceitação das aulas. Por vezes, a professora escrevia sobre as competências que estava interessada em desenvolver nos alumos (abstração, raciocínios dedutivo e indutivo, interpretação, escrita, reações causais). O seu principal interesse, no entanto, estava voltado para a forma de transmissão do conteúdo científico e para a maneira como cada aluno demonstrava absorvê-lo. Em geral, as reflexões feitas nesta fase pouco se relacionavam ao conteúdo do diário, e, portanto, o redirecionamcnto das aulas era feito de maneira bastante intuitiva. Durante a transição desta fase para a Segunda, a professora percebeu uma grande distância entre o planejamento e a realidade da aula, principalmente no que se refere à construção pelos alunos de modelos alternativos ao conhecimento científico. Este fato a fez utilizar o diário como instrumento de redirecionamento de suas aulas, dando mais atenção aos mecanismos individuais da aprendizagem do conteúdo científico. No entanto, o início da prática da leitura do diário provocou na professora um grande desconforto em relação à sua não capacidade de perceber a aprendizagem da turma como um todo. O desafio de redirecionar sua aula para a totalidade da turma proporcionou um processo de transformação que caracterizou a terceira fase identificada neste trabalho. Nela, as anotações do diário se referiam ao aproveitamento da aula pela turma e às idéias que a professora tinha para ações futuras, embasadas nas críticas de sua própria prática, realizadas tanto no momento da redação do diário (ou de sua leitura) como também durante as aulas. Além disso, o diário passou a funcionar como fonte de consulta tanto nos momentos de planejamentos futuros quanto nos de angústia. Neste ponto, os tipos de reflexão desenvolvidos pela professora, bem como sua atuação prática, passaram a se modificar com bastante rapidez, o que só foi possível devido ao aparecimento no diário de questões que a incomodavam. E possível inferir que o uso do diário acelerou o processo descrito na literatura como "tateamento" da profissão docente. Argumenta-se que o uso de instrumentos como os diários de aulas possa ser valioso para a construção da identidade do professor iniciante com a sua profissão, uma vez que permite sistematizar os desafios, avanços, retrocessos, expectativas, descobertas etc. e lançar um olhar critico sobre os mesmos.
 

(1) Bióloga, ex-aluna da disciplina Prática de Ensino de Ciências Biológicas da UFMG
(2) Professora da disciplina Prática de Ensino de Ciências Biológicas da UFMG (e-mail: luallain@bol.com.br)