PORQUE NÃO ESTUDAR ENTALPIA DO ENSINO MÉDIO(#)



José Luis P. B. Silva
joseluis@ufba.br
Instituto de Química da UFBA
Campus de Ondina
40.170-290 Salvador BA



Resumo

    O papel do ensino da termoquímica no ensino médio é explicar como se dá a produção de energia — calor — por reações químicas, de modo eminentemente qualitativo, restringindo-se os cálculos ao mínimo necessário para apoiar a discussão conceitual. Tal explicação deve abarcar tanto os aspectos macroscópicos dos fenômenos quanto sua interpretação microscópica.

    Essa finalidade pode ser alcançada empregando-se os conceitos termodinâmicos de calor, trabalho e energia interna e um modelo microscópico da matéria. A entalpia — que é uma função auxiliar dos cálculos termodinâmicos — em nada contribui para a compreensão dos processos termoquímicos, porém, é costumeiramente estudada no ensino médio.

    De fato, nos livros didáticos de química para o ensino médio utilizados no país, a entalpia é identificada com energia ou calor ou ambos. Expressões tais como: conteúdo de energia, conteúdo de calor, calor de reação, calor liberado ou absorvido, são freqüentes nos textos examinados. Nesses livros, a entalpia é importante apenas por seu emprego nos cálculos termoquímicos. Os textos didáticos reservam grande espaço para exercícios numéricos em detrimento da discussão qualitativa das transformações materiais e energéticas que ocorrem simultaneamente.

    A confusão entre os significados de calor e entalpia avança pelo nível superior de ensino: vários livros-textos de química geral de circulação nacional e internacional conceituam entalpia através da igualdade de sua variação com o calor transferido em processos a pressão constante.

    Essas concepções de entalpia veiculadas pelos livros didáticos, são coerentes com o conhecimento termodinâmico exibido por alunos mais avançados nos cursos de química: verifica-se que a entalpia é majoritariamente identificada com energia/calor liberada(o)/absorvida(o) nas reações químicas. Com menor freqüência, comparece a idéia de energia/calor de um corpo/sistema/substância.

    As pessoas aprendem por incorporação de novos significados às suas estruturas cognitivas. A aprendizagem de conceitos científicos requer a aquisição de muitas informações pois, não basta conhecer os resultados das pesquisas, mas também, os problemas no seio dos quais os conceitos foram construídos. A entalpia foi originalmente proposta por Gibbs como uma função de estado adequada para o cálculo do calor em processos isobáricos. Portanto, a aprendizagem do conceito de entalpia passa pelo entendimento: (a) do calor como grandeza de interação e do problema do seu cálculo após a derrocada da teoria do calórico, (b) do que sejam processos isobáricos, o que inclui os procedimentos para sua realização, além (c) da compreensão dos conceitos relacionados à equação da conservação da energia em sistemas fechados, D U = Q + W. Uma conceituação precisa de entalpia deve incluir a definição do que seja uma função termodinâmica de estado, exigindo conhecimentos matemáticos que vão além do ensino médio.

    Pelo exposto, constata-se a impropriedade do estudo da entalpia no ensino médio por ser avançado demais e não contribuir para o entendimento do papel da energia nas transformações da matéria. O conceito de entalpia não deve ser estudado no ensino médio, sob pena de ser apenas mais uma designação para calor ou energia, o que não acrescenta nada de significativo aos conhecimentos dos alunos.

(#) Trabalho aceito para apresentação na 24a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, Poços de Caldas-MG, maio/2001.