O CIENTISTA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS*

R. V. M. Silveira
Instituto de Biociências da USP

L. C. B. Tolentino Neto
Faculdade de Educação da USP


 
Resumo

    A aprendizagem significativa demanda que o estudante relacione conscientemente a nova informação a algum elemento de sua estrutura cognitiva (AUSUBEL et al., 1980). Assim. a aprendizagem é constituída a partir do conhecimento prévio do aluno em um processo de hierarquização, diferenciação progressiva e reconciliação integradora. Ponanto, o primeiro e mais importante fator cognitivo a ser considerado no processo instrucional é a estrutura cognitiva do aprendiz no momento da aprendizagem (MOREIRA, 1999).

    No ensino de Ciências, o professor espera que seus alunos compartilhem significados já compartilhados pela comunidade científica. No entanto, muitas vezes os professores ignoram a visão que estes alunos possuem da Ciência e das pessoas que a praticam. De cena forma, esta visão pode influenciar os processos de aprendizagem ao distanciar o aluno da Ciência. tomando-a inatingível. Assim, o aluno começa a desenvolver uma rede conceitual para a Ciência paralela a que utiliza em seu cotidiano.

    De Meis (1998) buscou identificar as concepções de Ciência de jovens que cursavam ou não a carreira científica e observou uma visão estereotipada diferente da encontrada em cientistas mais experientes. Em outro trabalho, De Meis e colaboradores (1993) procuraram identificar quando a imagem estereotipada de cientista surgia na população. Seus resultados mostram que alunos que ainda não tiveram contato com a disciplina de Ciências já possuem um estereótipo de cientista e este seria conservado durante todo o período escolar.

    Nesse período, o livro didático oferece ao aluno uma série de imagens que irão compor o seu repertório de representações do conceito de cientista. Buscando identificar esse repertório e verificando se existe nele um estereótipo é que realizamos este projeto. Observamos as imagens encontradas nos livros recomendados com ressalvas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/2002), pois, através desse programa, o Ministério da Educação (MEC) compra e distribui os livros didáticos de 5° a 8° série para cerca de 19 milhões de alunos do ensino público e tais livros serão utilizados nos três próximos anos.

    As 35 imagens retratam 41 pessoas trabalhando como cientistas, destas 66% são homens, 87% são brancos, 74,5% trajam jaleco e 60% estão em um laboratório. Outras 76 imagens apresentam personagens históricos da Ciência. Outros critérios também foram observados, no entanto, suas respectivas ocorrências não ultrapassam 40% (uso de óculos - 34%; microscópio - 34,3%; tubos de ensaio - 31,5%).

    Mesmo sabendo que o livro utilizado em sala de aula não é a única fonte de informação dos alunos, não sendo portanto o único responsável pela formação de valores (FREITAG et. al., 1989), a constatação da presença de estereótipos de cientistas nos livros didático, de certa forma transfere ao professor a responsabilidade de discutir o "fazer ciência" com seus alunos. A própria ilustração do livro didático pode servir de base a essa discussão, uma vez que o estereótipo está presente. o professor pode propor uma nova visão de cientista e uma análise da ciência que é realizada em sua realidade.


Bibliografia

AUSUBEL, D. P., NOVAR, J. D. & HANESIAN, H. Psicologia Educacional. Ed. Interamericana, Rio de Janeiro. 625p., 1980.

DE MEIS, L. Ciência e Educação: o conflito humano-tecnológico. Rio de Janeiro, Ed. do autor. 1998.

DE MEIS, L.; MACHADO, R.C.P.; LUSTOSA, P.: CALDEIRA, M. T.; SOARES. V. & FONSECA, L. The stereotyped image of scientist among students of different countries: Evoking the alchemist? Biochemical Education, v.21, 75-81, 1993.

FREITAG, B., COSTA, W.F., MOTTA, V.R. O Livro Didático em Questão. Editora Cortez, São Paulo, 1989.

MOREIRA, M. A. Teorias de Aprendizagem. Ed. Pedagógica e Universitária, São Paulo. 195p., 1999.

  * Primeiros apontamentos deste projeto foram apresentados no 13° Congresso de Leitura do Brasil, UNICAMP, SP.