Temos nos dedicado a investigar aspectos ligados ao ensino do corpo humano e, neste trabalho, apresentaremos uma síntese dos resultados obtidos nestas pesquisas que envolveram estudantes de diferentes faixas etárias e professores das séries iniciais, dentro de três eixos teóricos principais: i) as idéias de professores e alunos sobre nutrição humana; ii) modelos pedagógicos presentes em livros didáticos no tópico referente à circulação sanguínea e, iii) a formação de professores. A análise dos dados resultantes destas pesquisas tornou possível a proposição de um conjunto de eixos norteadores para o ensino do corpo humano e, conseqüentemente, para a formação de professores que são objeto deste presente trabalho. Em um amplo estudo exploratório envolvendo 260 participantes cuja faixa etária variou de 5 a 20 anos (Cecchetti & Selles, 2000) apresentamos um mapeamento das idéias de crianças e jovens a respeito destas temáticas. Igualmente, desenvolvemos um estudo com professores, cujos resultados foram reveladores, uma vez que são raras as referências a pesquisas envolvendo estes sujeitos. Em outro estudo foram analisados 14 livros (do ensino fundamental e médio), no capítulo destinado à circulação sanguínea. Nossos estudos mostraram, entre outros aspectos que, em geral, tanto alunos quanto professores não são capazes de inte-relacionar os diferentes fenômenos envolvidos no processo de nutrição (respiração, circulação e digestão); o entendimento da respiração não atinge o nível celular; a digestão como quebra de moléculas grandes em menores também não é percebida; o papel do sangue no transporte de gases e nutrientes, só é entendido por um número pequeno de estudantes de idade mais avançada. Já no estudo com os livros didáticos buscamos identificar as analogias utilizadas e se nelas estavam presentes os três componentes do modelo mental - estrutura, comportamento e funcionamento – segundo os trabalhos de Buckley e Boulter (1997). O estudo mostrou que, as analogias empregadas nas ilustrações dos livros didáticos, raramente, conseguem integrar os três componentes, seja pela desarticulação com o texto, ou porque carecem de uma linguagem pictórica, ou ainda devido a limitações de sua natureza bidimensional. Como conseqüência, podemos dizer que os livros didáticos analisados não permitem o entendimento da dinâmica do processo circulatório, em toda a sua complexidade (Ayres, Selles & Reznik, 2000). Tomando estes dados como ponto de partida e associando-os a uma experiência desenvolvida na formação de professores em nível médio e superior (Selles & Ayres, 1999) elencamos um conjunto de princípios - divididos em dois eixos - que deveriam nortear o ensino de ciências em geral e, particularmente, o tratamento do tema corpo humano. No primeiro eixo, teórico, consideramos que é preciso ampliar o enfoque do ensino deste tema para que inclua sua dimensão epistemológica, incorporando aspectos históricos da construção dos conceitos científicos, bem como os aspectos evolutivos e sua dimensão social. Com isto pretendemos romper com uma visão mecanicista e fragmentada do corpo e perseguir a construção de uma idéia de ser humano integrado, tanto do ponto de vista biológico quanto social. No eixo metodológico, é preciso alterações que diversifiquem as estratégias e recursos didáticos utilizados nas escolas. Neste sentido, gostaríamos de enfatizar a necessidade de romper com uma visão de formação de professores baseada apenas no ensino. É necessário que os formadores de professores articulem o ensino e a pesquisa, particularmente, no caso do ensino de ciências, instrumentalizando os futuros professores não só com os resultados das pesquisas já existentes como também com as ferramentas necessárias para a incorporação de uma postura investigativa em sua prática docente futura. Para isto é importante que as pesquisas, além de sua relevância acadêmica, tenham um compromisso com a intervenção no universo escolar.

(1) Trabalho apresentado no I EREBIO