CONSTRUÇÃO DE UM INSTRUMENTO DE ANÁLISE PARA A AVALIAÇÃO DE "PERFIS CONCEITUAIS" RELATIVOS AO CONCEITO DE TEMPO*



André Ferrer P. Martins
(Doutorando – FEUSP / bolsista da Fapesp)

Jesuína L. de A. Pacca
(IFUSP / Bolsista do CNPq)

Resumo

    Apesar de sua fundamental importância na Ciência, em geral, e na Física, em particular, há relativamente poucos estudos, na área de pesquisa em educação científica, sobre a construção e compreensão do conceito de tempo por parte dos estudantes. Pretendemos analisar esse tema a partir da noção de "perfil epistemológico" inaugurada por Gaston Bachelard. Adotando o referencial oferecido por ele, consideramos a existência de certas "fases" atravessadas durante a evolução histórico-filosófica de um conhecimento científico particular. Essa idéia seria também válida para cada indivíduo, com relação a um conceito determinado. No momento buscamos a construção de um instrumento de análise que nos permita caracterizar estas "fases".

    Especificamente, a intenção deste trabalho é apresentar alguns resultados parciais de um conjunto de entrevistas realizadas com indivíduos de diversas idades, no que se refere ao conceito de tempo. Três dessas entrevistas (com duração média de cerca de 20 minutos cada) foram realizadas com alunos do ensino médio de um curso supletivo (privado) noturno da cidade de São Paulo, os quais haviam passado por uma seqüência instrucional contendo uma série de atividades sobre o tema em questão. Diferentemente dessas, uma única entrevista (com uma duração maior, de cerca de 45 minutos) foi realizada com uma aluna do terceiro ano do ensino médio regular de escola particular da mesma cidade, não sujeita àquela seqüência. A seqüência instrucional contou com seis atividades bastante diversificadas, desenvolvidas após a familiarização dos alunos do curso com a noção de "velocidade média", tanto no plano qualitativo como no quantitativo. A problematização do conceito de tempo se deu por meio da audição de músicas, leitura de poesias, debates coletivos em torno de questões específicas (como estimativas de duração de eventos e problemas envolvendo a marcação do tempo) trabalhadas em pequenos grupos, e redações individuais.

    As entrevistas, que tiveram como ponto de partida o próprio texto do aluno (redação), objetivaram aprofundar nossa compreensão e esclarecer ainda mais as visões pessoais sobre o conceito de tempo. No caso da estudante que não vivenciou a seqüência de atividades, a entrevista partiu de uma lista de termos e expressões associados espontaneamente por ela à palavra "tempo". A análise das transcrições das entrevistas levou à elaboração de categorias organizadas numa estrutura ("quadro") que procura dar conta dos diferentes modos de conceber o tempo. Assim, consideramos que a passagem do tempo possa estar referenciada inicialmente, na fala dos estudantes, a duas "esferas" distintas: uma "subjetiva" e outra "objetiva". Do ponto de vista subjetivo, o tempo é associado preferencialmente às mudanças ou fenômenos vivenciados pelo indivíduo, enquanto que do ponto de vista objetivo ele tanto pode estar associado às mudanças ou fenômenos do mundo físico (reversíveis ou irreversíveis), como também "descolado" de qualquer mudança ou fenômeno.

    A adequação ou não dessas categorias, bem como a possibilidade do aprimoramento desse quadro, são colocadas em questão, sendo esse o foco principal deste pôster. Alguns trechos foram retirados das entrevistas, ilustrando as categorias do quadro. Surgem a partir disto alguns questionamentos, tais como: é possível construir um instrumento de análise capaz de caracterizar "perfis conceituais" (inspirados em Gaston Bachelard) relativos ao conceito de tempo? Em que medida as categorias por nós elaboradas relacionam-se às "hierarquias filosóficas" propostas por Bachelard em seu "perfil epistemológico"?

(*) Este trabalho foi originalmente apresentado, na forma de pôster, no XIV SNEF (Simpósio Nacional de Ensino de Física), realizado na cidade de Natal entre os dias 02 e 06 de julho de 2001.