A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NA PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL

Cláudia Piccinini
Isabel Martins
NUTES-UFRJ

Resumo

    Neste trabalho analisamos e discutimos pressupostos teórico-metodológicos e os principais resultados de pesquisas que, a partir de uma abordagem sociocultural, compreendem o cotidiano escolar como espaço de negociações e de construção de sentidos, destacando o papel da linguagem no ensino e na aprendizagem de ciências. No salto entre a análise de conteúdos - semântica dos textos - para a análise da linguagem como um recurso intrasubjetivo simbólico (Hicks, 1995), mediadora do processo de ensino-aprendizagem, imerso em ideologia, sistemas de valores e crenças, muito se modificou na forma de se olhar e repensar a sala de aula. Da análise de fragmentos textuais, passando pela análise do discurso educacional, ou seja, a fala de professores e alunos na direção de se entender como se ensina e como se aprende, até a incorporação dos estudos da semiótica e da retórica em sala de aula, construíram-se bases significativas para as pesquisas na área, que hoje concebem a linguagem como instrumento fundamental para o entendimento da construção de significados e da construção dos próprios sujeitos sociais. De forma geral, estes estudos descrevem as interações discursivas na sala de aula em termos de conceitos relacionados, que guardam no entanto especificidades entre si, tais como: conhecimento compartilhado, resignificação, dialogia, polifonia, recontextualização, etc. Em nossas análises interrogamos um conjunto de estudos (Edwards & Mercer, 1987; Lemke , 2000, 2001); Ogborn et al, 1996; Machado, 1999; Mortimer & Scott, 2000; Kress et al. 2000) discutindo em que medida estes fazem uso, compartilham ou divergem na utilização destes conceitos, ampliam ou recorrem aos mesmos temas. Um ponto de convergência das pesquisas é a opção preferencial por métodos etnográficos de observação, análise e descrição da sala de aula, o que permite documentar, analisar e compreender o discurso escolar em um contexto pedagógico imediato, real e também tentar alcançar as influências dos fatores socioculturais externos correspondentes. Entre os aspectos coincidentes das pesquisas, destacamos ainda: o entendimento da linguagem como uma construção social, com aspectos subjetivos, relacionados ao sujeito e ao contexto; a sala de aula vista como espaço de trocas, de interações; o caráter ideológico do discurso, refletindo as práticas dos sujeitos, os seus lugares sociais, as suas crenças, os seus valores, etc.. No entanto, enquanto alguns estudos trabalham com uma noção ampliada de linguagem (incluindo fala, imagens, gestos, etc.) outros questinam a diversidade sociolinguística. Poucos fazem referência às situações de pesquisa enquanto interações discursivas e deixam de problematizar o papel do investigador. Aspectos relacionados à pluralidade cultural também não se apresentam como centrais nas análises. Outro aspecto pouco explorado pelas pesquisas diz respeito à construção de diferentes subjetividades, atitudes e relações entre sujeitos sociais e conhecimento científico. Nossas análises elaboram e expandem estas reflexões em termos dos referenciais teóricos que fundamentam as pesquisas, seus desenhos metodológicos e principais resultados alcançados.

Referências

EDWARD, D. & MERCER, N. Common Knowledge - The development of Understanding in the Classroom. Londres: Methuen / Routledge,1987. 193 p.

HICKS, D. Discourse, Learning and Teaching. Review of Research in Education, 21, 49-95,1995.

KRESS, G. et al. The Rhetorics in the Classroom: A Multimodal Approach. London: Institute of Education/ University of London,2000. 19 p. ESRC end of award report.

LEMKE, J.L. Articulating Communities: Sociocultural Perspectives on Science Education. Brooklyn College, City University of New York. Disponível em: http://academic.brooklyn.cuny.education/jlemke/papers/jrst2000.h Acesso em 20 de dez. 2000.

LEMKE, J.L. Multimedia Literacy demands of the Scientific Curriculum. In: CUMMING,J. & WYATT-SMITH,C (org). Literacy and the Curriculum: Success in Senior Secondary Schooling. Melborne: ACER Press., 2001

MACHADO, A. H. Aula de Química: Discurso e Conhecimento. In: Coleção Educação em Química. Editora UNIJUÍ: Ijuí, 1999. 200 p.

MORTIMER, E. & SCOTT, P. Analysing discourse in the Science Classroom. In: MILLAR, R.; LEACH, J. & OSBORNE, J. (eds.). Improving Science Education: the Contribution of Research.. Buckingham: Open University Press, 2000.

OGBORN, J.; KRESS, G.; MARTINS, I. & McGUILLICUDDY, K. Explaining Science in the Classroom. Milton Keynes: Open University Press, 1996. 152 p.