ALFABETISMO CIENTÍFICO: NOVOS DESAFIOS NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO
 

Sibele Cazelli
Creso Franco
Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST)

Resumo

    Para lidar com a transição do século XX para o século XXI, com a contínua e acelerada mudança tecnológica que provoca efeitos expressivos em inúmeros campos da experiência humana, Nicolau Sevcenko usa a imagem de uma viagem de montanha-russa para indicar algumas das tendências mais marcantes desse período. Na primeira fase da viagem, o ritmo de subida é tranquilo, seguro e agradável. Na segunda ocorre uma queda vertiginosa. Há, então, uma interrupção repentina da descida e o início de uma nova subida, diferente da primeira, tanto em relação ao ritmo, quanto ao tempo. Uma espécie de preparação para a fase subseqüente – a terceira – um mergulho rápido e oscilante para a direita e a esquerda, culminando com o loop – uma volta completa em forma de laço.

    Nosso intuito é o de tomar emprestada essa imagem de Sevcenko para esboçar uma visão geral das questões históricas e conceituais que cercam o conceito de globalização, tal qual aparece nos trabalhos dos sociólogos Anthony Guiddens e David Held & Anthony McGrew, e suas implicações sobre os padrões de relação da sociedade com a ciência. A partir dessas reflexões sobre modernidade, globalização e relação entre ciência e sociedade, examinamos o tema dos níveis de cultura e de alfabetismo científico demandados para a inserção na sociedade contemporânea.

    Nossas considerações indicam que no cenário internacional, a relevância da educação pública para todos está presente desde a Revolução Francesa. No século XIX, a centralidade da idéia de progresso e o otimismo em relação à ciência e a tecnologia impulsionaram a educação em ciências, inclusive em espaços não formais, como exemplificam as Grandes Exposições Internacionais da Indústria. No entanto, a ênfase da educação em ciências para todos esteve centrada na divulgação do otimismo em relação à ciência e em proposta de ensino que visavam mais a introjeção da confiança em sistemas especialistas do que no domínio efetivo da ciência e seus processos.

    Nas últimas décadas o mundo vem experimentando diversas transformações. O sentido dessas modificações, relacionadas com a modernidade radicalizada e com a globalização, ainda é incerto. Ao longo deste trabalho, exemplificamos como muitas possibilidades são abertas mas também como novos riscos e problemas se colocam. No que se refere à educação em ciências, o cenário contemporâneo comporta múltiplas possibilidades de desenvolvimento. O ponto de partida dessas possibilidades está centrado na noção de que a sociedade não mais pode avançar a partir da confiança incondicional nos sistemas especialistas, o que redunda na superação da "eficácia" dos processos dogmáticos de ensino de ciências que limitam-se a ensinar a confiança em sistemas especialistas. Em domínios crescentes da vida social cidadãos serão chamados a intervir em decisões sobre as quais os especialistas não têm a "resposta certa". Nesse contexto, passa a ser crescentemente mais relevante cidadãos preparados para, na incerteza, decidir de modo fundamentado. Além disso, independentemente da avaliação que se faça dos prós e contras da globalização, será necessário que o país tenha condições de competir em um mundo cada vez mais conectado, o que redunda na necessidade de compatibilizar demandas globais, como as exemplificadas pelo quadro conceitual de ciências do Programme for International Student Assessment (PISA), com as demandas locais.