A PRODUÇÃO TEXTUAL EM EDUCAÇÃO NA BIOQUÍMICA



Rochele Q. Loguercio
José C. Del Pino
Diogo de Souza
Departamento de Química Inorgânica, Instituto de Química
Instituto de Ciências Básicas e da Saúde – Bioquímica, UFRGS*



Resumo

    Na década de 80, centros de pesquisa em bioquímica começam a direcionar uma parte de suas atividades para a produção de conhecimento em educação em ciências. Os primeiros trabalhos são apresentados em congressos específicos, como os encontros anuais da FESBE e da SBBQ, e sua inserção sistemática culmina por definir na SBBQ uma seção especial para o que passa a ser conhecido como educação bioquímica. Esse é o começo de uma produção discursiva em educação em ciências realizada nos centros de bioquímica. Produção esta que organiza um modo de falar em educação em ciências e um número de objetos possíveis de serem discutidos. Em trabalhos anteriores aproprio-me da analítica foucaultiana para desenhar os contornos desse campo discursivo que entendo como uma nova disciplina. A disciplina, para Foucault (1998), é um princípio de controle da produção do discurso. Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regras. A fundação de uma disciplina, portanto, é a abertura de um novo campo discursivo, com novas possibilidades de assertivas e proposições, mas é, também, através da disciplina que se restringe e coercitiva um discurso.

    A análise dessa formação disciplinar é nosso objeto de pesquisa sendo uma parte importante da mesma a análise hipercrítica da produção textual desses pesquisadores, em especial os trabalhos que chegam a comunidade científica de diversos outros centros que não os núcleos bioquímicos. O trabalho que ora apresentamos é a problematização de dois livros produzidos no CCS/UFRJ, assinados pelos pesquisadores Leopoldo de Meis e Diucênio Rangel.

    Esses textos foram selecionados para investigação porque apesar de existirem inúmeros trabalhos sendo produzidos nesta área do saber, poucos saem dos limites destes centros bioquímicos. Estes livros, diferentemente, são conhecidos fora destes limites; possuem uma produtividade dirigida para a educação em ciência e destinam-se a um público variado, e, ainda, pela sua beleza plástica, qualidade gráfica, retomada da leitura e história da ciência se tornaram objeto de interesse de algumas faculdades de educação, como da UFRGS.

    Nossa análise não ignora a força dos aspectos gráficos e a importância dos mesmos como produtores de verdades e de fascínio estético, mas se detém no que nos pareceu o aspecto mais problematizável dos livros analisados, qual seja: sua vontade de verdade e de saber. Para os autores existe na natureza uma lógica, uma razão e um método capaz de nos levar até ela. A ciência é entendida como um gradual aproximar-se da verdade. Se esta verdade é móvel no tempo, não é por entendê-la como um construto sócio -histórico e sim como uma somatização contextual que impede ou dificulta ao homem o entendimento correto. Este é um modo de olhar para a história, ou a história do presente em a idéia de continuidade está associada à idéia de progresso e evolução. A noção de que talvez não tenhamos continuado, mas sim rompido com conhecimentos estabelecidos anteriormente é uma idéia custosa. Estes livros reatualizam este enunciado de que há um progresso, de que houve revoluções contínuas nos trabalhos dos cientistas que fizeram com que se purificasse uma antiga magia ou crença (a alquimia) transformando-a no que hoje conhecemos por ciência.

    Em função de utilizarmos como ferramenta de análise a arqueologia de Michel Foucault, não fazemos uma crítica a esse entendimento de ciência. Acreditamos que muito já foi feito nesse sentido por filósofos da ciência como Popper, Feyerabend, dentre outros. De certa forma a academia há muito conhece e discute tais embates filosóficos. Nossa análise quer enfatizar a construção de um modo de falar nesse centro de bioquímica que ainda defende tal entendimento de ciência e o quanto a partir desse saber se produz, se institui e se faz uma educação em ciência nestes locais. A produtividade desse trabalho se justifica por pelo menos três motivos: os textos referidos são de um grupo que fala sobre ciência e educação: é importante saber o que dizem sobre ambas; a vontade de verdade dessas proposições excluem outras possibilidades de verdade: o que está sendo e não sendo dito precisa ser observado e, por fim, existe apoio institucional e financeiro para essa produção, é importante analisá-la.

(*) Este trabalho foi apresentado na forma de pôster no XII Salão de Iniciação Científica da UFRGS em setembro de 2000.