A PERTURBAÇÃO DO CONTRATO DIDÁTICO E O GERENCIAMENTO DOS PARADOXOS*



Elio Carlos Ricardo
Iône Inês Pinsson Slongo
Programa de Pós-Graduação em Educação – CED/UFSC
ione@unoesc.rct-sc.br

Maurício Pietrocola
Departamento de Física – UFSC
pietro@fsc.ufsc.br



Resumo

    Neste trabalho enfocamos o Contrato Didático e o paradoxo nele presente relativo à questão da "devolution des contenus en classe". Partimos da noção de Contrato Didático proposta por Brousseau (1986) que o compreende como um conjunto de regras que normatizam o sistema de obrigações que professor e aluno devem desempenhar numa situação de ensino. Mesmo considerando que esse Contrato comporta certa dinâmica, podendo adequar-se às demandas cognitivas dos alunos, bem como aos fatores internos e externos que influenciam o processo de ensino, fica evidente que ele apresenta também uma espécie de "núcleo duro", que tende a permanecer inalterado na relação didática. Essa permanência deve-se (1) às diferentes posições ocupadas por professor e alunos diante do saber e (2) à assimetria de caráter quantitativo e qualitativo existente numa relação didática. Nesse sentido, Brousseau (op. cit.) faz alusão à dimensão paradoxal que permeia o Contrato Didático, principalmente em função dos distintos papéis atribuídos ao professor e ao aluno no processo de apropriação do conhecimento. A situação paradoxal reside, de um lado, no fato de que tudo o que o professor ensina ou explicita ao aluno, tira dele a oportunidade de aprender, de outro, que o aluno, ao aceitar situações facilitadoras propostas pelo professor, não cumpre seu papel de aprendiz e, muito provavelmente não se apropria do conhecimento.

    Especialmente no ensino das Ciências, é muito comum a manifestação desse paradoxo nas atividades de resolução de problemas fechados. Muitas propostas que avançam soluções para esse paradoxo, têm como conseqüência a ruptura do contrato. Em lugar da ruptura, postulamos em favor da intervenção consciente do professor, a fim de provocar "perturbações" no Contrato Didático. Tais perturbações poderão ser promovidas na resolução de problemas fechados, mediante a introdução, em seus enunciados, de inovações inesperadas pelos alunos, como por exemplo, um número excedente de dados, a supressão de dados já conhecidos ou a proposição de atividades integradoras que solicitam a articulação de conhecimentos que o aluno já domina. Essas situações podem ser consideradas o motor da situação didática, porque caracterizam uma tensão positiva e intencional que leva o aluno a uma reflexão qualitativa, evitando automatismos, uma vez que nesses casos será difícil antecipar soluções já conhecidas.

    Desse modo, o papel do aluno será desestabilizado com certa freqüência, o que o levará a manter-se atento e aberto a avanços sem, contudo, promover uma ruptura no Contrato Didático. Por sua vez, também o papel do professor é desestabilizado, pois novas formas necessitarão ser encontradas para que os problemas assumam esse novo perfil e garantam a não automatização das soluções. Essa iniciativa dialetiza os papéis de professor e aluno no Contrato Didático, mesmo sabendo da existência de uma assimetria inerente a esses papéis.

* Trabalho apresentado originalmente na XXIIIes Journées Internationales sur la Communication, l’Éducation et la Culture Scientifiques et Industrielles – Chamonix – França, em março 2001.