A PARTE DIVERSIFICADA DO CURRÍCULO E A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
 

Elio Carlos Ricardo*
Programa de Pós-Graduação em Educação – Ensino de Ciências/UFSC

Resumo

    Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, especialmente para o Ensino Médio, apresentam várias modificações para o sistema de ensino atual. Uma delas é a divisão do currículo em duas áreas: núcleo comum e parte diversificada. O núcleo comum conterá as disciplinas tradicionais, tais como a Biologia, a Física, a Química e outras. A parte diversificada constitui importante novidade e pode ocupar até 25% do total da grade curricular. Seu principal objetivo é articular os conhecimentos das áreas dos saberes às atividades sociais e produtivas, já que os PCNs entendem que os principais contextos são o ambiente do trabalho e a cidadania e seus eixos norteadores são a interdisciplinaridade e a contextualização. Além disso, procura reorientar a concepção de currículo e possibilita às escolas manifestarem sua "identidade vocacional" que atenda às demandas de seu meio sócio-econômico. Isso implica uma elaboração coletiva das atividades escolares representadas em seus projetos político-pedagógicos, articuladas ao núcleo comum do currículo e que procure responder a situações-problema através da elaboração e execução de projetos. Desse modo, o professor encontra uma dificuldade: qual estratégia didática utilizar para trabalhar a parte diversificada na área das Ciências através de projetos em uma perspectiva interdisciplinar?

    Uma das possibilidades pode ser pela Alfabetização Científica e Tecnológica – ACT, proposta por Gérard Fourez. A ACT promove no indivíduo a apropriação de saberes e linguagens pertinentes ao grupo com o qual precisa dialogar e tomar decisões diante de determinadas situações. Para que ocorra essa negociação, é necessária uma comunicação articulada à construção de teorias que funcionem como mediações e conduzam a uma certa autonomia. Além disso, é necessário o domínio do meio social e histórico do indivíduo para levá-lo ao saber fazer e poder fazer. Assim, Fourez propõe a idéia de Ilha de Racionalidade, que é a teorização de uma situação específica, expressa por um contexto e definida por um projeto interdisciplinar. A construção dessa representação se insere em um espaço de racionalidade, cercado por um "mar de ignorância".

    O autor diferencia ainda uma abordagem interdisciplinar de uma prática interdisciplinar. Esta está relacionada à transferência de métodos e saberes de uma disciplina à outra e aquela recorre a várias disciplinas para a construção de um saber precisamente definido por um projeto e um contexto. Essa abordagem não descarta o trabalho disciplinar, pois apoia-se nas diversas disciplinas diante de situações singulares. Nesse caso, enquanto que a disciplina tem um compromisso maior com sua comunidade e suas normas, a abordagem interdisciplinar, a partir de um projeto, busca soluções para uma situação-problema definida a priori. Se, de um lado, limita a ação, de outro, capacita à tomada de decisões, de escolha e avaliação coletivas. O importante é a participação nas relações sociais de elaboração e execução do projeto, pois a ACT tem um caráter sociológico, e o resultado não é o principal, ao menos enquanto escola. Dois ou mais grupos trabalhando um mesmo tema por meio de projetos interdisciplinares podem percorrer caminhos diferentes, ou seja, chegar a ilhas de racionalidade distintas, pois estas são frutos dos projetos. Isso possibilita ainda uma gestão interdisciplinar que transcenda o sujeito.
 

*bolsista CAPES