O foco do presente trabalho está na divulgação científica para crianças, tendo como meio o estudo das formas de elaboração de artigos apresentados na revista Ciência Hoje das Crianças, publicação de divulgação científica da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Com a pesquisa esperava-se identificar os processos de transformação do texto científico em texto de divulgação que têm como objetivo tornar esses textos acessíveis às crianças .

    As matérias publicadas na revista foram trabalhadas pelos editores de texto, a partir dos artigos enviados por pesquisadores ou produzidos por jornalistas. Assim, para estudar o processo de transformação de matérias científicas em matérias de divulgação foi necessário investigar que tipos de transformações ocorrem nos artigos enviados. Para tanto, foram escolhidos textos-fonte-originais (9) escritos por pesquisadores. O critério de escolha baseou-se nas diferenças dos padrões de discursos (narrativo, dissertativo, explicativo etc.). O estudo das estratégias de edição dos artigos foi realizado a partir da adoção das categorias: reordenação, substituição, eliminação e acréscimo de parágrafos em níveis sintáticos, léxicos e informacionais . Desta forma, cada texto selecionado foi comparado com o texto-fonte, primeiro globalmente, para verificar a mudança ou não da natureza do discurso, depois comparavam-se as partes indicando as operações lingüísticas realizadas. O objetivo foi caracterizar o processo de transformação e identificar em que medida o processo de edição altera ou não a intenção do autor, expressa no texto-fonte.

    Uma das indicações que se pode tirar de nosso trabalho é que ocorrem diferentes níveis de intervenção durante o processo de transformação do texto científico em texto de divulgação. Os textos encaminhados espontaneamente ou por encomenda apresentam edição que conserva, em sua maioria, a natureza do texto e a ordem interna da exposição dos conteúdos pensada pelo pesquisador/autor. Nesse caso, mesmo quando são retiradas informações e muitas operações realizadas, por diferentes motivos, a intenção do autor é preservada. Nesse sentido, aspectos da cultura científica apresentados nos textos são preservados, e o diálogo da criança é com o leitor virtual pensado pela formação discursiva da ciência. Quando o artigo é elaborado diretamente por jornalistas a formação discursiva do jornalismo sobrepõe-se à da ciência, a intenção do editor de texto não contempla aspectos da cultura científica, nem os referentes aos conteúdos científicos apresentados. O critério de relevância é dado pela formação discursiva do jornalismo. Observa-se, ainda que, a criança dialoga exclusivamente com o leitor virtual pensado pelo editor de texto na abertura das matérias, onde a ilustração também tem um papel fundamental.

    Como a Ciência Hoje das Crianças apresenta outras matérias que abordam outras formas de discursos expressos em linguagens diferentes da científica, os espaços dedicados à ciência deveriam ser preservados como tal, pois neles é que a criança vai se aproximar da linguagem científica.Nesse sentido, as estratégias para seduzir a criança para a leitura devem levar isso em conta. Deseja-se que ela crie formas de se apropriar da linguagem científica, pois uma das dificuldades encontradas para o entendimento da ciência é a especificidade de sua linguagem, e, para compreendê-la, é preciso estar apto para lê-la. Isso requer um aprendizado que necessita contato com essa forma de linguagem.Desta forma, estamos considerando que a formação discursiva da ciência deva ser a orientadora da produção da revista, pois são os parâmetros da ciência que irão determinar uma certa forma de olhar o mundo, expressa, entre outros elementos, pela linguagem científica. O editor de texto deve realizar a mediação entre a criança e o pesquisador, tentando colocar-se dentro da formação discursiva da ciência, garantindo a presença da linguagem científica na revista. Para tanto, a comunidade científica deve acompanhar o processo de edição, não somente porque ela é fonte de informação, mas porque é a produtora por excelência da cultura científica e participar das ações de divulgação é inerente a sua função social.