A LINGUAGEM NO LIVRO DIDÁTICO DE CIÊNCIAS: UM EXERCÍCIO DE ANÁLISE



Mariana Cassab
Isabel Martins
(NUTES/ UFRJ)[1]

Resumo

    Pesquisas recentes no campo da Educação em Ciências sugerem que livro didático de ciências é um texto híbrido, uma vez que encontramos neste material educativo uma pluralidade de linguagens (verbal, visual, matemática), como também uma variedade de gêneros de textos (explicativos, procedurais, informativos). A análise de textos didáticos constitui-se, portanto, numa tarefa não trivial dada a complexidade da linguagem que os caracteriza. Este estudo tem como objetivo analisar um livro didático de ciências a partir do trabalho de Michael Halliday (1993), que identifica nos textos científicos as seguintes características: presença de definições encadeadas; taxionomias técnicas e expressões especiais; alta densidade léxica; ambigüidades sintáticas; metáforas gramaticais e descontinuidades semânticas. Assumindo que estas caracterizam de forma pertinente a linguagem científica procuramos compreender em que medida a linguagem do LD se aproxima ou não desta. O livro selecionado para a análise foi Terra e Vida – a Água, o ar e o solo formando uma só natureza. Neste trabalho discutimos um exemplo de análise do capítulo que trata do tema Ar. Dentre as características que Halliday (1993) destaca as que mais chamaram atenção foram a alta densidade léxica e a freqüente presença de descontinuidades semânticas. A densidade léxica é definida como a medida da densidade de informações em uma determinada passagem do texto de acordo com o quão firme os itens léxicos estão agrupados na estrutura gramatical. Tal característica está diretamente relacionada ao processo de nominalização característico da linguagem científica. Este permite que muitas informações sejam ditas em poucas sentenças, todavia torna a leitura do texto mais complexa, principalmente para um público de não especialistas. A alta densidade léxica aparece, principalmente, em trechos em que discutem assuntos mais abstratos como, por exemplo, pressão do ar. Observa-se descontinuidade semântica, quando ficam implícitas ou ausentes referências a mecanismos, relações ou fatos necessários para se chegar a conclusões. Assim, pressupõe-se que o leitor detenha determinados conteúdos e competências de leitura, das quais a compreensão do texto passa a depender. Foram identificados poucos exemplos de taxionomia técnica, ambigüidades sintáticas, metáforas gramaticais e expressões especiais e nenhum exemplo de definição interligada. A narrativa é extremamente linear e as sentenças são normalmente mais afirmativas do que argumentativas. Tais características do texto podem indicar uma preocupação do autor de não empregar termos técnicos e de construir sentenças menos ambíguas no sentido de auxiliar na sua melhor compreensão. Concluímos que, sob a perspectiva de Halliday (1993), a linguagem do livro didático analisado difere da linguagem científica no que diz respeito a pouca referência a vocabulário especializado, explicitação de relações de causa e conseqüência entre eventos e ausência de redes ou relações hierárquicas que se estabelecem entre conceitos. No entanto, a presença de descontinuidades semânticas e a alta densidade léxica caracterizam uma necessidade de leitura intertextual e uma apresentação do conteúdo que privilegia conceitos e não processos ou ações. Estes resultados reforçam a visão de que o livro didático não é a expressão literal da linguagem científica e sim um texto onde informações de diferentes campos do conhecimento foram re-elaborados. Compreender como e quando estas aproximações e distanciamentos se dão parece-nos essencial para que, como educadores, possamos ajudar nossos alunos ao longo do processo de escolarização básica, a transitar entre diferentes campos discursivos.

Bibliografia:

FONTINHA, P. Terra e Vida – a Água, o ar e o solo formando uma só natureza. Volume 01. Editora Nacional.

HALLIDAY, M. & MARTIN, J. (1993). Writing Science. London: The Falmer Press.

[1]   Trabalho originalmente apresentado no I EREBIO realizado na Universidade Federal Fluminense em agosto de 2001