OS DIFERENTES SABERES NA AÇÃO DE MONITORES EM ATIVIDADE DE CONSTRUÇÃO DE OBJETOS TÉCNICOS 



Silvania Sousa do Nascimento
(Faculdade de Educação, UFMG, Brasil)
Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
Av. Antônio Calos, 6627 Campus Pampulha
CEP 31270-901 Fone 499-6207
silsousa@fae.ufmg.br

Dominique Davous
(Groupe de Recherche en Didactique de la Chimie-GREDIC,
Université Pierre et Marie Curie, Paris 6, França)

Annick Weil-Barais
(Laboratoire Déterminants Culturels et Sociaux des Conduites, Université d'Angers, França)
 

Resumo

    Este artigo discute a metodologia utilizada para caracterizar os saberes procedurais e teóricos de um monitor numa seqüência de construção de um micro foguete durante uma colônia de férias. São propostos dois tipos de análise: uma global da seqüência que visa o estabelecimento de sua cronologia e outra proposicional para a categorização do discurso do monitor em dois episódios. Da primeira análise, as ações e tarefas enunciadas pelo monitor constituem o protocolo efetivo da seqüência e evidencia sua organização no tempo e no espaço assim como a gestão de diferentes "fazeres" do monitor. Da segunda, encontramos indicações de uma estratégia de engajamento dos participantes centrada na gestão de configurações espaciais múltiplas, na nominação e na qualificação dos elementos constitutivos do objeto técnico. Paralelamente a caracterização do saber teórico utilizado pelo monitor mostra sua contextualização na ação e no contrato de manipulação do objeto técnico.
 

1. Introdução

    As práticas educativas que ocorrem em espaços não escolares são constituídas por sistemas de interação complexos. A animação científica, uma dessas práticas particularmente atuante no contexto francês, é considerada como um sistema mediador da apropriação da cultura científica e tecnológica (Giordan et al., 1993) ocorrendo sobretudo em espaços não escolares como os museus e parques de ciências, os clubes de ciências, as associações de bairro, etc. Enquanto prática educativa, podemos dizer que ela utiliza modelos pedagógicos freqüentemente pertencentes à educação não formal. Tais sistemas são, em geral, descritos por seus aspectos institucionais, objetivos declarados, conteúdos propostos sem serem tomados como práticas discursivas.

    Neste artigo, propomos estudar o discurso do monitor sob os aspectos da organização da ação e da prática discursiva propostas em uma seqüência de construção de um objeto técnico. A hipótese que norteia nossa análise é que o discurso do monitor, durante a seqüência, é um indicador de um saber profissional caracterizado por Raisky (1996: 52) como um saber[1] inscrito dentro de uma lógica de ação e orientado por valores e finalidades explícitos de uma realidade sociocultural. Esse saber profissional realiza a integração de saberes de naturezas diferentes: teórico, procedural e experiencial, ligados por inter-relações específicas que definem o ofício ou a profissão. Em vista de um modelo analítico, colocaremos de um lado saberes teóricos definidores do quadro de referência tecnológico e científico da prática, e de outro lado saberes procedurais que, por sua vez, definem o quadro de coordenação da ação. Além desses, existem saberes experienciais adquiridos ao longo da história socio-profissional do indivíduo que não serão analisados neste artigo. Este último coordena a prática profissional do indivíduo. Ao analisarmos uma prática social, as profissionais em particular, podemos dizer que existem práticas sociais de referencia[2] reguladoras das relações de força entre esses diferentes saberes (Cf figura 1).

    Figura 1: Diferentes Saberes que constituem um saber profissional segundo Raisky (1996)

    O objetivo deste trabalho é, primeiramente, discutir a metodologia utilizada para descrever e caracterizar a prática do monitor centrada na análise de saberes procedurais, isto é, saberes que organizam seus procedimentos como suas ações sobre os objetos, o tempo e o espaço. Em segundo plano tentaremos identificar a natureza do saber teórico em jogo no discurso do monitor durante a seqüência.


2. Metodologia de análise da seqüência

    Nossa pesquisa foi realizada segundo um quadro teórico etnográfico (Plety, 1993) implicando um longo trabalho de campo e de construção dos instrumentos de análise. O estudo que apresentamos foram conduzidos em uma associação[3] de cultura científica e tecnológica francesa, a Association Nationale Sciences Techniques Jeunesse, ANSTJ (Gautier, 1989). O monitor observado recebeu uma formação específica isomorfa, isto é, resumidamente, baseada em um protocolo prescrito da configuração espacial e temporal de possíveis cenários característicos da associação. Nossos dados indicam que o monitor desenvolve em sua prática discursiva uma estratégia de engajamento dos participantes de modo a desenvolver este protocolo. Definiremos tal estratégia como a margem de manobra do monitor para aplicar, dentro do cenário proposto, o protocolo prescrito pela associação.

    A seqüência analisada foi conduzida por dois monitores durante uma colônia de férias de uma semana em Franclens (Haute-Savoie, França) no verão de 1997. Uma dezena de crianças de 9 à 11 anos elaboraram o projeto, construíram e lançaram um micro foguete em uma seqüência de 8 horas dividida em quatro seções de trabalho. O corpus analisado foi composto dos dados recolhidos pela observação direta do pesquisador (caderno de notas), da transcrição do registro de áudio e vídeo e das produções escritas dos participantes.

     
    2.1 O estabelecimento de uma cronologia da seqüência
    A primeira fase de análise da seqüência procurou definir a cronologia estabelecida pelo monitor. Nós utilizamos dois critérios para a decomposição da seqüência: a configuração espacial das interações e a atividade de referência conduzida a partir da enunciação de tarefas.
      2.1.1 A configuração espacial das interações
    Nós definimos a configuração espacial como a ocupação do espaço físico e a utilização ou não pelo monitor de elementos do cenário tais como postos de trabalhos, maquetes, etc. Estas configurações podem evoluir no tempo e elas nos informam da estruturação espacial das interações pretendidas pelo monitor: exposição, discussão em pequenos grupos, discussão em dupla, etc. Nós observamos em espaços não escolares cinco tipos de configurações: Configuração Livre (CL), Organização Linear (OL), Organização Circular (OC), Organização centrada em uma pessoa ou objeto (OU) e Organização em duplas de participantes (DE).
      2.1.2 A atividade de referência conduzida pelo monitor
    Nossa atividade de referência é a construção e o lançamento do micro foguete. Assim, uma análise preliminar da atividade de referência nos permitiu identificar quatro etapas da seqüência: apresentação, construção, lançamento e conclusão (Cf. quadro 1).
 
 

Quadro 1 : Etapas da seqüência

A. Apresentação® Introdução da seqüência a partir da apresentação dos atores até a enunciação da construção. 

B. Construção ® Elaboração do projeto de construção até a finalização do objeto a ser construído. 

C. Lançamento ® Verificação e teste do objeto.

D. Conclusão ® Discussão final da seqüência.

    No interior das etapas, a seqüência foi dividida em episódios tomando como referência o processo de transformação do objeto técnico (propulsor, lançamento do propulsor, projeto de construção, ogiva...). Nesta seqüência dezesseis episódios foram identificados através da análise das tarefas enunciadas nos turnos de fala ou nos atos comunicativos (gestos, manipulação de objetos...) do monitor e/ou dos participantes que indicavam a evolução do processo de transformação do objeto.
 

2.2. Diferentes Fazeres presentes no discurso do monitor     Nós utilizamos um quadro de referência da lingüística dentro da análise da finalidade do discurso especializado (Charaudeau, 1994) para definir a atividade predominante de cada episódio. Neste artigo, apresentamos somente as atividades socio-cognitivas. Elas são definidas como a intenção presente no discurso do monitor para que os participantes executem uma tarefa enunciada. Estas atividades são agrupadas em três categorias de "fazeres" listadas a seguir.
a) Fazer Saber (FS), atividades consistindo em engajar os participantes na reflexão sobre os acontecimentos observados ou a compreendê-los propondo questões ou explicações (Cf. quadro 2).
     

    Quadro 2 : Fazer Saber (explicação do sistema de propulsão)

     
77.A : Aí, a pólvora de canhão como disse/como disse Bernard isto queima e, depois ao mesmo tempo, faz uma explosão e aí ela empurra a bala. Aí o que acontece é que efetivamente tem uma pequena pressão criada porque a bala está no fundo do canhão/ et queimando/ a pólvora/ela precisa de espaço/ela tem vontade de tomar o espaço/e então ela vai empurrar/ela vai empurrar a bala da frente dela. Aí/quando vocês pensam isto/Vocês podem pensar que tem qualquer coisa no outro sentido/ ao invés de empurrar a bala/ a gente empurra o canhão (risos) Não! 

78.E : Não o canhão, ele vai cair na água depois/

79.A : Sim se ele está sobre um barco !

80.E : Sim.

81.A : E/ Eu tenho certeza que os pesquisadores dizem: Ah, sim !


    Nesta passagem (turnos 77 à 81) o monitor retoma o discurso do participante (Bernard) para em seguida introduzir uma explicação empregando a palavra pressão: Como disse Bernard isto (a pólvora) queima e, depois, ao mesmo tempo, faz uma explosão e aí ela empurra a bala. Aí o que acontece efetivamente é que existe uma pequena pressão... (77). A intenção do monitor é explicar o sistema de propulsão do micro foguete baseando-se no Princípio da ação e reação. Os participantes estão assentados em um círculo (OC) e o monitor não utiliza nenhum elemento do cenário para manipulação.

b) Fazer Fazer (FF), atividades consistindo em engajar os participantes a manipular os objetos por exemplo para cortar, colar, pintar... (Cf. quadro 3). Nesta passagem (turnos 423 à 428) o monitor incentiva Bernard a instalar o sistema de disparo cedendo-lhe o espaço de ação.

423-A: Bom isto/ eu posso conectar em qualquer lugar ?

424-Bernard: Não, não tem um jeito mais fácil

425-A: Qual ?

Quadro 3 : Fazer Fazer (instalação do sistema de disparo)

 
 
423.A : Bom isto/eu posso ligar em qualquer lugar ?

424.Bernard :Não, não tem um jeito mais fácil de fazer !

425.A : Qual ?

426.Bernard : Apenas um fio de cada lado/ dois fios com de cada lado uma garra-jacaré 

427.A : Legal !

428.Bernard : A gente põe uma garra jacaré na bateria e uma garra jacaré no disparador e uma outra garra jacaré na bateria e outra garra jacaré no disparador. (Bernard manipula os fios


    A intenção do monitor nesta passagem é levar os participantes a manipularem o sistema de disparo do micro foguete. Os participantes estão em pé em torno do sistema (OU) procurando tocar seus elementos (fios, bateria, garras jacaré, faiscador).
b) Fazer Perceber (FP), atividades consistindo em engajar os participantes a observar os acontecimentos apelando para diferentes sistemas sensoriais como o olfato, paladar...(Cf. quadro 4). Nesta passagem (turnos 344 à 352) através de uma onomatopéia (broum!) o monitor chama a atenção para a faísca produzida no sistema de disparo do micro foguete.
Quadro 4 : Fazer Perceber (observação do funcionamento do sistema de disparo)


344.A :///Atenção ! Broum ! Silencio ! Vocês viram ? Este funcionou super bem!

345.E1 : Ele queimou/

346.E2 : O outro tinha½

347.E3 : ½ Ele queimou½

348.A : Aí agora se a gente olha bem o que você vê ?

349.E : Ele fede !

350.A : Sim cheira mal! E o que você vê ?

351.Tim : Tem uma coisa queimada e tel um pelinho///.

352.A : Tem/ Tem um pequeno pelinho aqui. Você vê o pequeno pelinho ? (risos) Você vê o pequeno pelinho ? 

    A intenção do monitor, nesta passagem, é despertar os elementos sensitivos do sistema de disparo: a pequena faísca, o rompimento do fio de tungstênio do disparador, o odor resultado da combustão...

    A análise da sucessão dos episódios de cada etapa constituem o protocolo efetivo da seqüência.

    2.2 Análise da etapa de apresentação
    Em todas as seqüências analisadas constatamos que o posicionamento dos participantes, face ao objeto técnico a ser construído bem como do conhecimento científico a ser apresentado, ocorre durante a etapa de apresentação da seqüência. A análise proposicional foi o principal instrumento utilizado por caracterizar esta etapa.

    No sentido gramatical uma proposição contém o sujeito, o verbo e seus complementos (verbais ou nominais). Em nosso caso, empregamos como unidade de análise o sentido presente nos enunciados do monitor, algumas vezes constituído por uma proposição gramatical incompleta.

285 a. : eu mostrarei para vocês, (Je vous montrerai)

285 b a gente vai, (on va)

285 c a gente abrirá, (on ouvrira)

285 d a gente abrirá daqui a pouco (on ouvrira le propulseur tout à l’heure)

285 e e depois eu mostrarei como, como é por dentro (et puis je vous montrerai comment, comment c’est à l’intérieur)

    Destacamos, sistematicamente, todas as proposições relacionadas a um verbo de ação (pegar, tocar, fazer...) e aos elementos do objeto técnico à ser construído (ogiva, fios, garras crocodilo...). Em relação às proposições em que se descreve uma ação, nós interessamos pela definição do agente (eu, você, a gente, nós...). Em relação às proposições sobre o objeto técnico, nós procuramos identificar quais são os elementos descritivos usados para caracterizá-lo. Estas proposições foram agrupadas em quatro categorias: nominação (N), localização (L), qualificação(Q) e função (F) (Cf. quadro 5).

Quadro 5 : Discurso do monitor de descrição do objeto técnico

Proposição
Objeto ou elemento
Enunciado
Categoria
473

490

265

371

garra-jacaré

pilha

propulsor

garra-jacaré

esta é uma outra garra (Là c’est une autre pince) 

sim, a pilha ela está aqui. (Oui, la pile elle est là )

não é grande (c’est pas très grand).

a garra que vai prender o disparador (qui vont tenir l’allumeur)

N

L

Q

F

    Dois episódios que se referem ao lançamento do propulsor do micro foguete são analisados ( 476 turnos num total de 1216 falas do monitor e dos participantes transcritos). Foram descartadas as proposições onde o discurso do monitor é incompreensível assim como aquelas que visavam uma interação com outros adultos presentes no cenário. Assim, estes episódios contêm 314 proposições onde o monitor explica o princípio de funcionamento do micro foguete.


3. Alguns resultados

3.1 O protocolo efetivo da seqüência     O cenário da seqüência é composto de configurações espaciais múltiplas: organização linear, em círculos, centrada em objetos e em duplas assim como configurações livres. A cronologia da seqüência evidenciada através do protocolo efetivo (Cf. quadro 6) mostra que, ao lado da atividade principal (conceber, construir e lançar o micro foguete), somam-se atividades experimentais que permitem os participantes compreenderem os princípios gerais de construção do objeto técnico (por exemplo o lançamento de um "tubo de aspirina" e de uma mangueira de jardim para explicar o princípio de ação e reação) e de desenvolvimento de habilidades manuais: recortar, perfurar, colar...

Quadro 6: Fragmento do protocolo efetivo de 3 episódios


 
Etapa
Duração (em min)
Configuração espacial
Episódio
Material e/ou equipemento
Atividade do monitor
A
P
R
E
S
E
N
T
A
Ç
Ã
O
18
CL

(Configuração livre)

A pólvora
  Propor perguntas sobre a pólvora (FS)
16
CL

(Configuração livre)

Preparação do lançamento do propulsor disparador, 

bateria, 

fio, 

garra-jacaré

Propor perguntas sobre o sistema de alumagem (FS)

e sobre o sistema de propulsão (FS)

30
OL

(Organização em fila)

Alumagem do propulsor propulsor, 

caixa de lançamento, chave de segurança, algodão

Fazer funcionar o disparador (FP)

Fazer funcionar o propulsor (FP)

    O protocolo efetivo da seqüência é uma ferramenta que descreve a seqüência em duas dimensões. A primeira , cronológica, nos informa sobre a evolução da atividade principal (conceber, construir e lançar o micro-foguete) no tempo e no espaço. Esta dimensão evidencia a organização da configuração espacial do grupo em função dos diferentes fazeres propostos pelo monitor dentro dos episódios. Essa mesma organização foi observada em outros estudos sobre o mesmo objeto o que nos indica a existência de um protocolo implícito que caracterisa o procedimento fornecido pela associação a seus monitores (Tissot, 1998 e Prézeau, 1999). O protocolo explicita também a presença de atividades experimentais complementares que visam a explicação dos princípios gerais de funcionamento do objeto técnico. Logo, a seqüência não visa unicamente a construção do objeto mas a apresentação de um conhecimento sobre o objeto técnico.

    A segunda dimensão, no interior das etapas e dos episódios, nos informa a relação entre a organização no tempo e no espaço dos fazeres do monitor. Esta leitura mostra que, durante as atividades de Fazer Fazer, os participantes são autônomos em sua configuração espacial mesmo se o trabalho em duplas é sugerido pelo monitor. Ele reúne os participantes no momento das atividades de Fazer Saber e de Fazer Perceber, o que facilita a discussão de temas relacionados aos fenômenos apresentados. A organização em linha é restrita às questões de segurança dos participantes nos momentos de lançamento do propulsor e do micro-foguete.
 

3.2 Os fazeres e os saberes no discurso do monitor     O discurso do monitor, dentro do conjunto da seqüência, mostra uma intenção de coordenar os participantes em suas atividades de Fazer Fazer (9 atividades sobre um total de 23 listadas). Entretanto, esta ligeira predominância sobre as atividades de Fazer Saber (8 sobre 23) e de Fazer Perceber (6 sobre 23) nos interroga sobre a natureza dos saberes presentes na seqüência. O discurso do monitor, dentro desses episódios, apresenta uma "didaticidade" (Beacco, 1995), pois ele tem uma intenção de possibilitar aos participantes o contato com um novo saber sobretudo de ordem técnica (Fazer Fazer) e conceitual (Fazer Saber) .

    Para ultrapassar o quadro descritivo dos fazeres do monitor nestes dois episódios já citados [preparação e lançamento do propulsor] apresentamos um outro tipo de análise que identificar o saber presente no discurso do monitor. Nós procedemos a uma análise a priori dos conceitos científicos relacionados com o funcionamento do propulsor, o que nos possibilitou a criação de um léxico do tema (combustão da polvora, principios de ação e reação, descarga elétrica...). Este léxico foi utilizado como indicador para a seleção das proposições. Por exemplo, a palavra pressão destaca o turno 281[4], onde o monitor mostra os diferentes orifícios (um grande e um pequeno em extremidades opostas) do propulsor :

281 A: (a) é o que você dizia efetivamente

(b) se tem um pequeno buraco tem mais pressão.

    Sobre esta primeira entrada, que totaliza 9 proposições, constatamos que o monitor emprega este léxico sem um desenvolvimento conceitual do mesmo limitando-se à enunciação das palavras. Por exemplo, no turno 290[5],o monitor mostra o circuito montado do disparador e identifica todo o circuito como o sistema elétrico:

290 A : (a) A : (a) Então os disparadores são o pequno fósforo

(b) como você dizia Tim

(c) e funciona com o sistema elétrico.

    A segunda entrada que utilizamos toma o verbo como indicador nas proposições. Isto nos conduziu a estabelecer três categorias:

    Descrição do objeto técnico : as proposições que descrevem o objeto, ou parte dele, são caracterisadas pelos verbos ser, haver e estar. No turno 269[6], por exemplo, o monitor descreve o propulsor.

269 A: (a) a pólvora ela já está la dentro

(b) o propulsor ele é todo fabricado

(c) eu, eu não faço mais nada

    A descrição do objeto técnico se constitui de 66 proposições. O monitor qualifica este objeto (ele é grande, tem um pequeno buraco, está fixado nos sistema elétrico ...) sendo atento ao nomear todos seus elementos constitutivos (disparador, fios, garras-jacaré, pilha, ogiva, paraqueda...).

    Contrato de manipulação : as proposições que determinam as regras de utilização do material, produtos e equipamentos são caracterizadas pelos verbos dever e precisar. Como no turno 368[7], o monitor executa a montagem do circuito de alimentação do sistema de disparo do propulsor. Uma vez que os participantes gostariam de unir os fios diretamente aos polos da bateria sem utilisarem as garras corocodilo.

368 A: (a) Sim, mas não se pode esquecer

(b) que é necessário alguma segurança []

(c) então / para as garras crocodilo, está bom !

    O contrato de manipulação (51 proposições) é definido por regras de segurança com o manejo com o sistema de disparo e com o propulsor.

    Gestão da ação: As proposições relacionadas às ações dos atores sobre os objetos são caracterizadas pelos verbos colocar, fazer, pôr... Nos turnos 401[8] e 402 realçamos a dinâmica do discurso de ação marcado pela contextualização das proposições. Bernard e o monitor estão montando o circuito do disparador conectando as extremidades dos fios à bateria e ao diaparador. O monitor coordena Bernard explicitando a ação:

401 Bernard : isto, a gente* põe sobre o mesmo fio, né !

402 A  : Então eu ponho isto sobre a bateria !

403 Bernard : (a) Não, não/ isto você põe sobre a bateria

(b) e isto será sobre o disparador !     O discurso do monitor é fundamentalmente referente à gestão da ação (139 proposições) seja para engajar os participantes na execução das tarefas seja para explicitar suas próprias ações.

    As outras 49 proposições do monitor incluem a gestão de elementos lúdicos da seqüência e não serão discutidas ao longo deste artigo.

    Em resumo, o discurso do monitor é fortemente contextualisado pela especificidade da construção do objeto técnico através de um discurso de ação (44% das proposições). Assim, a construção de um saber sobre o objeto passa pela ação norteada pela descrição (21%) e a definição de regras de manipulação (16%). Se considerarmos que a enunciação de um vocabulário científico é um indicador de um saber teórico utilisado como referência pelo monitor, esta seqüência apresenta 3% de proposições ligadas ao conhecimento científico. Entretando segundo Layton (1994 : 126), nós podemos definir um saber teórico de outra natureza: o saber tecnológico. Para o autor, este saber é estruturado pela tensão entre as exigências de um concepção funcional e de restrições específicas do contexto de produção de um objeto técnico.

    Ora, nos episódios analisados o monitor procura transmitir aos participantes os elementos funcionais e as regras específicas de manipulação do propulsor. Em conseqüência, o saber teórico em questão nestes episódios possui uma natureza próxima à definição de um conhecimento tecnológico e não científico. Podemos assim, propor o discurso de descrição associado à definição de um vocabulário e ao contrato de manipulação como indicadores do saber teórico presente na seqüência o que totalisa 40% das proposições. Voltando ao modelo de Resnik (1989) podemos dizer que estes indicadores descrevem o saber teórico do monitor enquanto que seu discurso de ação (44% das proposições) podem ser pensados como um indicador de seu saber procedural.


3.5 A estratégia de engajamento na ação
    Como primeira aproximação da estratégia de engajamento dos participantes na seqüência analisamos o discurso de ação e de descrição do monitor. Para enunciar as ações, o monitor se dirige ao grupo mais freqüentemente na forma impessoal (on, 73 vezes[9]). O agente da ação designado pela primeira pessoa (je, 29 vezes[10]) , segunda pessoa (tu, 26 vezes) ou pelo grupo (vous,11 vezes) são também utilizados. Nós pensamos que este modo de linguagem do monitor é semelhante àquele utilizado no discurso publicitário, identificado por Charaudeau (1992) como um modo de criar um ambiente descontraído e uma cumplicidade afetiva entre os participantes. A título de exemplo destacamos a fala do monitor onde os participantes são convidados a fazer a contagem regressiva para o lançamento do micro foguete:

    707 A: Tem um que começa, em seguida todo mundo em coro, bem forte, estória de mostrar a todo mundo que a gente faz foguetes/ que a gente se diverte bem. Então a gente faz a contagem regressiva, e, a zero, a pessoa que é encarregada de lançar, fuzz. A gente começa[11].

    A análise proposicional da descrição do objeto mostra que o monitor enfatiza a "qualificação" (42% das proposições) dos elementos constituintes do objeto (ele é grande, é flexível, tem um furo...) e igualmente a "nomeação" (35% das proposições) de todos os elementos constitutivos do objeto técnico (disparador, fios, garras-jacaré...). Nos episódios analisados, a exemplo da descrição do sistema de propulsão (cf. tabela 2), nos indica uma seqüência do tipo "descoberta do objeto técnico" centrada na "nomeação", na "qualificação" do objeto.

Tabela 2 : Discurso do monitor sobre o objeto (sistema de propulsão)
Objeto ou elemento
Nomeação
Localização
Qualificação
Função
TOTAL
fios
1
3
6
3
13
disparador
2
0
7
1
10
propulsor
2
1
7
0
10
garra-jacaré
6
0
3
1
10
pilha
1
1
1
2
5
faíscador ou fósforo
1
1
1
0
3
filamento
1
0
0
1
2
boîtier (caixa de comando)
3
0
2
1
6
bateria
1
0
1
0
2
transformador
2
0
0
0
2
foguete
3
0
0
0
3
TOTAL
23
6
28
9
66


4. Conclusão

    O objetivo de nosso trabalho foi de descrever e de caracterizar o saber procedural do monitor ao longo de uma seqüência de construção de um objeto técnico (o micro foguete) em um espaço não escolar. Nós observamos, aplicando os mesmos indicadores em outras seqüências, que existe uma regularidade na cronologia e na gestão do espaço. Uma função do monitor é realizar a gestão do espaço interior e exterior à sala, em suas configurações múltiplas, organizando o trabalho dos participantes em pequenos grupos e em duplas. A construção do objeto técnico é permeada de atividades experimentais que tentam explicar os diversos processos e dispositivos constitutivos do micro foguete. A definição do protocolo efetivo nos permite indicar a inclusão e/ou exclusão dessas atividades experimentais e pode ser também um indicador do saber procedural do monitor com relação ao enunciado das tarefas. A análise da finalidade do discurso do monitor destaca uma ligeira predominância das atividades socio-cognitivas ligadas à manipulação (Fazer fazer) sobre as demais (Fazer saber e Fazer perceber). Contudo, o discurso do monitor contém ainda atividades lúdicas e de organização do trabalho coletivo que não foram analisadas neste artigo. A predominância da manipulação poder ser atribuída ao objetivo central e à complexidade do objeto construído nesta seqüência. Primeiramente, uma seqüência experimental proposta em um espaço não escolar tem como objetivo central a "iniciação", a "sensibilização" e não a construção de um conhecimento científico ou tecnológico. Assim, os princípios de funcionamento do micro foguete, que dificilmente poderiam ser explicados a um grupo desta faixa etária em tão pouco tempo (8h), não constituem o centro de atenção do monitor. O saber teórico de referência utilizado pelo monitor dentro da seqüência é um conhecimento tecnológico raramente apresentado em espaços escolares. De fato, a seqüência se inscreve em um contexto de "lazer científico" onde os objetivos são distintos daqueles das práticas escolares. A apresentação de um vocabulário científico e tecnológico visa despertar um nova rede de significados que poderá ser retomada em um outro contexto. Enfim, o elemento motivador da atividade é a construção e o teste do objeto, sem o qual o discurso do monitor seria vazio de significado.

    Ao longo da primeira etapa da seqüência, o discurso do monitor, nos episódios analisados, é caracterizado pelas formas impessoais e pela progressiva introdução das falas dos participantes. O monitor gradualmente interpela individualmente os participantes (2a pessoa do singular) abrindo assim um espaço de fala e de ação dos participantes. A descrição do objeto técnico e de suas partes constitutivas é centrada na nomeação e na qualificação reforçando o caráter de iniciação ao conhecimento científico e tecnológico.

    Os instrumentos que construímos informam sobre a maneira que o monitor gerencia a seqüência : seu saber procedural. Mesmos os resultados sendo locais podemos supor que existem regularidades neste saber e que é possível uma sistematização da estratégia de engajamento dos participantes. Propomos que o discurso de ação do monitor indica um modo de engajamento coletivo empregando a primeira pessoa do plural ou formas impessoais como agente das ações.

    Através deste estudo de caso, definimos alguns indicadores do saber profissional do monitor. Este saber é constitutivo de uma prática educativa emergente onde as relações de mediação de conhecimento científico são importantes mas pouco investigadas. Tais estudos fornecem meios de enfrentar a questão de formação profissional de educadores para espaços não escolares e consequentemente propor novas formas de formação continuada do cidadão.
 

Referencia

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PLETY, R. (1993). Éthologie des Communications Humaines. Aide-mémoire méthodologique. Lyon: Presses Universitaires de Lyon.

MARTINAND, J-L. (1986) Connaître et transformer la maitière. Berne: Peter Lang.

RAISKY, C. (1996) Doit-on en finir avec la transposition didactique ? essai de contribution à une théorie didactique. In C. Raisky et M. Caillot (Eds) Au-delà des didactiques, le didactique. Débat autour de concepts fédérateurs. Bruxelles: De Boeck Université.

TISSOT, F. (1998)Transposition de recherche : Peut-on expliciter une stratégie d’animation à partir de l’analyse du discours d’un animateur ? Memória de trabalho tutorado. DEA. Didactique des Disciplines: Sciences et Techniques Physiques et Chimiques. Université Denis Diderot - Paris 7.

PREZEAU, O (1999) Méthodologies d'observation et d'analyse d'une séquence d'animation scientifique de l'ANSTJ. Memória de trabalho tutorado. DEA Didactique des Disciplines: Sciences et Techniques Physiques et Chimiques. Universidade de Paris 7.

 

Anexo: Trechos em francês
Quadro 2 : Fazer Saber (explicação do sistema de propulsão)

 
77.A : Alors, la poudre à canon donc comme a dit / Comme a dit Bernard ça brûle et puis en même temps ça fait une explosion et puis ça pousse le boulet. Alors ce qui se passe c'est qu’effectivement il y a une petite pression qui se crée parce que le boulet il est au fond du canon/ Et en brûlant/ La poudre/ Elle a besoin de la place/ Elle a envie de prendre de la place/ et donc elle va pousser elle va pousser le boulet devant elle. Alors/ Quand vous pensez à ça/ Vous pouvez penser qu’il y a quelque chose dans l’autre sens/ Plutôt que pousser un boulet/ On pourrait pousser le canon (rire) Non !

78.E : Non le canon, il va tomber dans l’eau après /

79.A : Oui s’il est sur un bateau !

80.E : Oui

81.A : Et/ Je suis sûr les chercheurs se sont dit : Eh ! Si !

Quadro 3 : Fazer Fazer (instalação do sistema de disparo)


 
 
423.A : Bon ça /est-ce que je peux brancher quelque part ça ?

424.Bernard :Non, non il y a plus simple à faire !

425.A : Quoi ?

426.Bernard : C’est qu’un fil avec de chaque côté/ deux fils avec de chaque côté une pince crocodile !

427.A : Ouais !

428.Bernard : Qu’on accroche une pince crocodile à la batterie et une pince crocodile à l’allumeur et une autre pince crocodile à la batterie une autre pince crocodile à l’allumeur.(Bernard manipule les fils

Quadro 4 : Fazer Perceber (observação do funcionamento do sistema de disparo)


 
 
344.A :///Attention ! Broum ! Silence ! Vous avez vu ? Là ça a super bien marché

345.E1 : Ça a cramé/

346.E2 : L’autre ça avait ½

347.E3 : ½ Ça a cramé½

348.A : Alors maintenant si on regarde bien qu’est-ce que tu vois ?

349.E : Ça pue !

350.A : Oui, ça sent mauvais ! Et qu’est-ce que tu vois ?

351.Tim : Il y a un truc cramé et il y a un poil///.

352.A : Il y a/ Il y a un petit poil là. Tu vois le petit poil ? (rire) Tu vois le petit poil ? 

[1] Utilizamos a distinção entre saber e conhecimento sendo que o primeiro pertence ao indivíduo e lhe permite de agir sobre os objetos, enquanto o segundo pertence à um determinado grupo social e é indiretamente ligada ao sujeito. Grize (1996:119)
[2] Martinand (1986) ao analisar o desenvolvimento de projetos pedagógicos no ensino médio definiu uma Prática Social de Referência pelo quadro socio-profissional utilizado como definidor dos objetivos de construção de um currículo.
[3] Uma associação de cultura científica e tecnológica, no contexto francês, é um organismo não governamental sem fins lucrativos regido pela Lei 1901.
[4] 281. A : (a) c’est ce que tu disais effectivement
(b) s’il y a un petit trou il y a plus de pression..
[5] 290 Alors les allumeurs c’est la petite allumette
(b) comme tu disais Tim
(c) et ça fonctionne avec un système électrique
[6] 269 A : (a) La poudre elle est déjà dedans !
(b) Le propulseur il est tout de suite fabriqué/
(c) moi, je , moi je ne fais plus rien///
[7] 368. A : (a) Oui mais il ne faut pas oublier.
(b) qu’il faut un peu de sécurité quand même/
(c) alors/ pour les pince- crocodiles, c’est bon !
[8] 401 Bernard : ça, on* le met sur le même fils, quoi !
402 A  : Donc je mets ça sur la batterie !
403 Bernard : (a) Non, non/ ça tu le mets sur la batterie
(b) et ça ce sera sur l’allumeur !
[9] "On" correspondente em protuguês a "a gente".
[10] Je (eu)
[11] 707 A: Il y en a un qui commence ; ensuite tout le monde en chœur, très fort, histoire de montrer à tout le monde qu’on fait des fusées/ qu’on s’amuse bien. Donc on fait le compte à rebours, et à zéro la personne qui est occupée de lancer fuzz . Là on commence.