NATUREZA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES EM VISITA A UM MUSEU INTERATIVO COM SEUS ALUNOS
 
 

Regina Maria Rabello Borges
Professora da Faculdade de Educação
regina.ez@terra.com.br

Ana Clair Rodrigues Bertoletti
Coordenadora das Ciências Naturais e Exposição do MCT
mct@pucrs.br

Berenice Álvares Rosito
Professora da Faculdade de Educação e do NAECIM-MCT
rosito@terra.com.br

Plínio Fasolo
Coordenador de Programas Especiais e Universo – MCT
fasolo@pucrs.br

Ronaldo Mancuso
Bolsista CNPq – MCT - Mestre em Educação (UFSC)
rmancuso@pucrs.br

Valderez Marina do Rosário Lima
Bolsista CAPES - Doutoranda do PPGE–PUCRS
val.lima@terra.com.br
 

Resumo

    Este texto discute o teste piloto de uma pesquisa que visa à investigar concepções sobre a natureza do conhecimento científico e a educação em Ciências relacionadas à interação com os experimentos do Museu de Ciências e Tecnologia (MCT-UBEA-PUCRS)[1]. Foram aplicados instrumentos de pesquisa a 90 professores de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio em visita ao museu com seus alunos. A análise indica a ênfase na concepção empirista sobre a natureza das ciências (52%), mas muitos (30%) consideram que o conhecimento científico é uma ruptura com o senso comum e depende tanto da razão como da experiência, o que parece mais coerente com propostas educacionais transdisciplinares e interativas predominantes entre eles. Pretende-se ampliar a pesquisa e proporcionar condições para um trabalho mais intensivo, integrando a(s) visita(s) ao museu às atividades realizadas nas escolas, tendo em vista o aprofundamento teórico e prático em termos de museus interativos e de educação em Ciências.
 
 

Abstract

    This paper corresponds to a pilot test of a research that intends to investigate the conceptions on the nature of scientific knowledge and of Science education related to the interaction with the exhibits in the Museum of Science and Technology at PUCRS. Data collecting instruments were applied to 90 elementary and secondary teachers when visiting the museum with their students. The analysis indicates a predominance of an empicist conception of sciences (52%), but a great number(30%) consider that scienctific knowledge involves a break with common sense and depends on reason and on experience, which seems more coherent with transdisciplinary and interactive educational proposals that predominate among them. An extention of the research is intended to create the conditions of integrating the visits to the museum to activities conducted in the schools, having into consideration the deepening of theory and practice in terms of interactive museums and Science education.
 

Introdução

    As ciências, no mundo atual, admitem a impossibilidade de observações neutras, isentas de teoria, puramente empíricas, pois somos capazes de perceber apenas o que nossas concepções e vivências prévias nos ensinaram a ver. Isto relaciona-se a diversos paradigmas sobre a natureza do conhecimento científico (Kuhn, 1978) e a suas implicações na educação científica escolar (Borges, 1996). Considerando que os experimentos interativos do MCT podem ser interpretados criativamente, conforme o nível de quem com eles se envolve, em um processo contínuo de construção e reconstrução do conhecimento, procuramos investigar noções de cientificidade e educação em Ciências entre professores que trazem seus alunos ao MCT, bem como sobre a preparação prévia à visita e formas de integrá-la às atividades realizadas em sala de aula, além de colocar em debate as concepções identificadas.

    Para compartilhar e divulgar este estudo, refletiremos sobre os seguintes itens:

- contextualização da pesquisa;

- histórico e experiência prévia do MCT-UBEA-PUCRS ;

- empirismo, construtivismo e experimentação;

- resultados do teste piloto;

- perspectivas de continuidade.
 

Contextualização da pesquisa

    Esta investigação apoia-se em resultados de pesquisas que indicam a predominância de uma concepção de ciências empirista e indutivista entre professores (Becker, 1993; Schuch, 1994), em oposição a propostas construtivistas de ensino e de aprendizagem, que muitos desses professores defendem, talvez sem perceber a contradição. Fundamenta-se, ainda, em outras pesquisas que focalizam a identificação de idéias sobre a natureza do conhecimento científico entre professores de Ciências do Ensino Fundamental (Borges, 1989; Harres, 1999), entre licenciandos de cursos de Ciências, Química, Física e Biologia (Borges, 1991) e entre docentes que atuam na educação continuada de professores de Ciências e Matemática (Borges, 1995, 1997), destacando a inter-relação entre concepções sobre a natureza das ciências e a educação em Ciências(Zylbersztajn e Borges, 1995). Entretanto, essas pesquisas restringem-se a um debate epistemológico, necessário, mas não suficiente para mudar a concepção tradicional das ciências, empirista, com ênfase na neutralidade da observação. Por isto o presente estudo propõe a abordagem do problema integrando teoria e prática, através de uma reflexão sobre as concepções de ciências e de educação relacionadas à utilização dos experimentos interativos do MCT.

    Quanto à educação continuada de professores, o museu, através do Núcleo de Apoio à Educação em Ciências e Matemática (NAECIM), já está fazendo um atendimento a professores de escolas que programam visitas com alunos, através do "Projeto Interatividade do MCT – Preparação de Visitas Orientadas". Eles são convidados a visitar o museu, onde recebem orientações e sugestões de roteiros de visitas e podem inscrever-se em oficinas pedagógicas específicas. Mas a maioria leva seus alunos ao museu sem uma preparação prévia, como foi constatado no teste piloto desta pesquisa.

    O MCT pode ser uma alternativa para construir conhecimentos. Possibilita despertar a investigação e a crítica se enfatizar, além da aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos, o desenvolvimento de habilidades de pensar, agir e solucionar problemas. Mas isto depende da orientação do professor. Para uma utilização mais adequada dos experimentos interativos, é importante rejeitar a repetição mecânica de roteiros preestabelecidos nas atividades experimentais, destacando o conhecimento construído nas diversas ciências, aliando-o a concepções atualizadas sobre a natureza do conhecimento científico e a fundamentos educacionais.

    Segundo os pressupostos filosóficos e educacionais do MCT, explicitados no seu Plano Museográfico, surge como desafio a busca de novas formas de atuação que permitam "complementar e melhorar as possibilidades do sistema formal na educação dos que ainda freqüentam os bancos escolares, nos três graus de ensino" (Moraes, 1997, p.7), envolvendo tanto a formação inicial como o processo de educação continuada dos professores que atuam nas escolas. O MCT apresenta condições excepcionais para isso, considerando-se sua estrutura, constituída pelo prédio, o acervo, o pessoal e o público, com ênfase na organização de exposições. O próprio museu, como um todo, constitui-se num "centro de referência para a educação científica em nível regional e internacional" (Ibid., p.6), resultando de um processo que se desenvolve há quase quatro décadas.
 

Histórico e experiência prévia do MCT

    A concretização do atual Museu de Ciências e Tecnologia (MCT-UBEA-PUCRS) levou cinco anos. Foi inaugurado em 14 de dezembro de 1998, contando com mais de seiscentos experimentos interativos, multimeios diversos, dioramas e grande número de outras atrações. Tudo isso iniciou em 1964, quando o diretor, Jeter Jorge Bertoletti, passou a organizar coleções já reunidas anteriormente. Em 1967 houve a criação oficial do Museu, que, a partir de então, ampliou gradualmente suas funções e seus espaços, até chegar ao que conhecemos hoje.

    A equipe do museu tem desenvolvido um grande número de projetos, financiados por instituições nacionais e internacionais, como FAPERGS, PADCT/CAPES, Fundação Vitae, Fundação Kellogg, Smithsonian Institution, Universidade de Tübingen. Foram também criados convênios com muitas universidades, secretarias de estado e municípios, especialmente do Rio Grande do Sul. Para isso o museu conta com um quadro funcional composto de doutores, mestres, técnicos e estagiários das mais diferentes áreas de conhecimento.

    O MCT, por ser interativo e dinâmico, pode incentivar a compreensão dos princípios das ciências e de suas aplicações tecnológicas, pois suas ações fundamentam-se em pressupostos que valorizam duas dimensões complementares: a primeira enfatiza conhecimentos e a segunda desenvolve habilidades de pensar, agir e aprender a aprender, que permitem buscar o conhecimento por conta própria. Isto possibilita melhores condições de sobrevivência numa realidade em que estão cada vez mais presentes a ciência e a tecnologia.

    O museu integra em suas ações a pesquisa e as exposições. Sendo concebido dentro da concepção dos modernos museus interativos, tornou-se um espaço de grande riqueza e diversidade para complementar a educação científica desenvolvida nas escolas e para a formação inicial e continuada de professores. É importante destacar, neste contexto, o trabalho que vem sendo realizado pelo MCT em relação ao processo de educação continuada, através de:

    Segundo Cazelli et al. (1999), em trabalho apresentado no II Encontro Nacional de Pesquisadores em Educação em Ciências (II ENPEC), os atuais museus de ciências focalizam a temática dos fenômenos e conceitos científicos, procurando garantir o engajamento intelectual dos usuários através de uma interação física dinâmica. As tendências da educação em ciências e das propostas pedagógicas dos museus interativos destacam o papel da ação do sujeito na aprendizagem, em consonância com a tendência construtivista/cognitivista voltada à ampliação e evolução dos modelos mentais acerca dos fenômenos.

    Assim como os museus interativos relacionam-se a concepções pedagógicas, subentendem concepções sobre a natureza e o desenvolvimento das ciências, que podem ser explicitadas ao refletirmos sobre empirismo, construtivismo e experimentação.
 

Empirismo, construtivismo e experimentação

    A experimentação, no ensino de Ciências, relaciona-se a uma reação à "educação bancária" criticada por Paulo Freire (1987), que reduz o aluno a um depósito de conteúdos a serem cobrados nos testes. Mas isso não significa, necessariamente, uma mudança de concepção. Tanto o ensino expositivo como o ensino experimental podem ser empiristas, desde que considerem o conhecimento como sendo imposto de fora para dentro.

    O ensino experimental de Ciências tem origem em Francis Bacon (século XVII), que recomendava limpar a mente de preconceitos individuais e coletivos ao investigar, com receptividade aos dados oferecidos pela natureza. A ele são atribuídos os passos do "método científico": observação, formulação de hipóteses, experimentação, conclusão. Essa forma de trabalhar a experimentação é empirista: pressupõe a objetividade e a neutralidade da observação, como se idéias prévias não filtrassem e influenciassem as observações que fazemos. É também indutivista, por dirigir-se do particular ao geral.

    Mesmo quando se origina em problemas a investigar, a experimentação pode ser empirista e indutivista. A partir de um problema que mobiliza o interesse, são feitas observações, comparações, medidas, registros, análise de dados, conclusões. Podem existir (ou não) hipóteses prévias para serem testadas. Mas isto não corresponde a uma mudança significativa em relação ao método experimental baconiano, pois ainda está implícita a crença em evidências observacionais e experimentais que possam ser comprovadas e generalizadas. O conhecimento não é construído, é descoberto: já está dado, basta que o encontremos.

    O empirismo está profundamente enraizado em nós, professores de Ciências, devido à nossa formação. Mas não há observação neutra. Comotem sido admitido a partir de Hanson (1985), observação e interpretação são simultâneas, indissociáveis e interdependentes. A interpretação está implícita no ato de observar.

    De modo geral, os cursos de graduação veiculam uma fundamentação empirista e indutivista sobre as ciências, relacionada a um método científico que parte de observações e experimentos para "descobrir" teorias e leis. Mas essas leis são construídas, não são evidentes por si mesmas. E, embora a crença na neutralidade das ciências naturais tenha sido profundamente abalada neste século, a partir de teorias como a relatividade, a mecânica quântica e a teoria atômica, essa discussão não é comum entre professores e alunos. Por essa razão, é importante a ênfase no debate epistemológico, envolvendo idéias sobre a natureza do conhecimento científico formuladas por filósofos das ciências como Bachelard, Popper, Kuhn, Feyerabend, Lakatos, comentadas por Piaget e Garcia (1987) e por Portocarrero (1994), entre outros.

    O debate epistemológico não se limita à Filosofia das Ciências. Envolve também questões educacionais, valorizando a intersubjetividade e a interatividade e considerando a construção social da própria realidade (Berger e Lukmann, 1994), que nos constrói enquanto a construímos. É importante tudo isto ser considerado nas reflexões envolvendo a educação em Ciências, proporcionando uma abertura maior e buscando alternativas inovadoras.

    Entretanto, o enfoque epistemológico da experimentação, nas aulas de Ciências, depende da concepção do professor. A experimentação, em si mesma, não traz o rótulo de empirista ou construtivista. Assim,

Se o professor tiver consciência de que no mesmo experimento são possíveis interpretações diversas, relacionadas a conhecimentos e idéias prévias, seu trabalho não será empirista. (...) A observação não será considerada óbvia. Se fosse, e se a experimentação permitisse um conhecimento evidente, as mudanças conceituais que aconteceram na história das ciências não teriam sido tão demoradas e difíceis. Todo o desenvolvimento científico resultou de uma lenta construção, intercalada por rupturas e crises. Por que, então, imaginar que o ensino experimental seja suficiente para os alunos redescobrirem teorias e leis? (Borges, 2000)     Mas como trabalhar a experimentação, numa concepção construtivista de ensino e de aprendizagem?

    É fundamental que haja interação teórico-prática – ação e reflexão. O método experimental pode ser tratado de modo construtivista pelo professor, se ele desafiar os alunos a planejarem e buscarem soluções, participativamente, tendo consciência da diversidade das concepções envolvidas e da sua impregnação pelo senso comum. Portanto, são muito importantes a discussão e a reflexão em torno dos resultados dos experimentos. Por exemplo, após a visita ao museu, em sala de aula, é necessário retomar e colocar em debate as impressões e os registros dos alunos quanto ao que vivenciaram no museu interativo.

    Interação é uma ação nos dois sentidos: tem ida e volta. Influenciamos e somos influenciados. Modificamos o meio enquanto ele nos modifica. Construímos a realidade que nos constrói como pessoas capazes de conhecer. Assim, um bom experimento interativo personaliza a experiência de cada um e atende às individualidades de conhecimentos e de interesses prévios. Em qualquer caso, são construídos modelos que permitem uma ponte entre teorias, conceitos e fenômenos científicos, através da interatividade.

    Isso é facilitado pelas diferentes formas de participação de quem vista um museu, possibilitando, através da exploração ativa e de ricas experiências afetivas, culturais e cognitivas, uma contínua alfabetização científica voltada à emergência de sujeitos com conhecimentos atualizados, autônomos e criativos (Cazelli, 1999).

    Nem sempre existe abertura de pensamento para admitir o novo - e isso é válido tanto para os estudantes como para os professores. E é importante valorizar as concepções dos alunos, pois é a partir delas que o conhecimento poderá ser construído. Assim, a interação constante entre teoria e prática, de forma integrada e contextualizada, envolvendo um debate sobre tais concepções, fundamentos teóricos e a realidade pesquisada, poderá transformar significativamente os processos de ensino e de aprendizagem nas aulas de Ciências.

    Em princípio, qualquer concepção pode mudar. As informações recebidas são filtradas e reelaboradas por idéias e conhecimento anteriores. A realidade é decodificada e explorada em razão de problemas e operações mentais que permitem organizar o mundo, ou um aspecto do mundo, de modo a entendê-lo, atuar sobre ele, adaptar-se a ele ou rejeitá-lo.

    Nossas concepções sobre o ensino de Ciências e a natureza do conhecimento científico integram-se, portanto, a um leque mais amplo de concepções e vivências, reunindo aspectos cognitivos e emocionais que nos permitem atribuir sentidos. De modo semelhante, o conhecimento de uma época, segundo Kuhn (1978), só pode ser entendido no contexto da época.

    Os estudos históricos manifestam que o conhecimento não é adquirido de imediato, pela observação. Ele é elaborado a partir das concepções vigentes numa época, por um longo processo que culmina em outra interpretação da realidade. Neste contexto, os fatos sozinhos não impõem o conhecimento novo. Um fato só se impõe quando já é conhecido, ou seja, quando pode ser encaixado num modelo da realidade, como comentam Giordan e Vecchi (1996). Mas todos os modelos são provisórios. Esta provisoriedade deve ser considerada na educação em Ciências, permitindo a estruturação progressiva dos modelos explicativos dos alunos, sempre em coerência com o seu nível de compreensão. Tal processo pode ser incentivado pela interatividade e dinamicidade do MCT, destacando o papel do professor como "mediador entre o aluno e a cultura" (Rodrigo et al., 1993, p. 243).

    As concepções prévias dos alunos nem sempre são obstáculos à aprendizagem. Indicam ao educador o caminho a percorrer, mostrando dificuldades que os alunos poderão encontrar, pois é por meio destas concepções que eles decodificam o mundo. Ao mesmo tempo, convém questionar constantemente os conhecimentos trazidos pelas vivências, pois correspondem a filtros da realidade. Isto é válido também para os professores em formação, considerando ainda que, numa concepção atualizada, a educação dos professores necessita ser entendida como um processo contínuo. Um museu, ao envolver-se neste processo, deve criar condições que favoreçam essa permanente educação, seja incentivando-a junto aos cursos de formação, seja criando condições para sua continuidade junto aos professores já formados e em exercício.

    Isso significa propiciar condições que favoreçam um questionamento crítico da educação científica. Faz parte de tal questionamento o debate sobre a natureza do conhecimento científico e suas implicações na educação em Ciências, possibilitando a formação de professores cada vez mais reflexivos e conscientes, não só em relação ao seu trabalho, como em relação à sociedade e à educação num sentido mais global. Um professor assim educado constitui-se em força viva capaz de desencadear processos de mudança, abrindo novas alternativas, inovações capazes de possibilitar uma aprendizagem mais eficiente em todos os níveis de ensino.
 

Resultados do teste piloto

    O instrumento de pesquisa aplicado a 90 professores em visita ao museu, abordados de forma aleatória enquanto descansavam, inicia com a solicitação de dados de identificação que permitam um contato posterior. Depois apresenta questões semi-estruturadas relacionadas à educação em ciências e a concepções sobre a natureza do conhecimento científico.

    As respostas dos professores ao questionário foi submetida a uma análise de conteúdo com abordagem quantitativa e qualitativa, organizando, categorizando e interpretando as informações obtidas.

    A análise das questões iniciais, relacionadas aos itens preparação inicial do professor, preparação dos alunos para a visita e formas de integrar a visita às atividades realizadas em sala de aula, será apresentada em síntese. A maioria dos professores visitantes não passou pela preparação prévia oportunizada pelo museu. Entretanto, acreditam que prepararam seus alunos para a visita, por terem solicitado tarefas ou proposto trabalhos integrados entre algumas disciplinas (61 %). Quase todos afirmam que as atividades realizadas no museu serão apresentadas e debatidas em aula (82 %) e muitos pretendem usar o museu como uma extensão do trabalho realizado em aula, de modo sistemático (62 %).

    Na última questão, que se refere ao significado da visita ao museu com alunos, a maioria (57,7%) considera a visita como uma forma mais agradável de aprender, 16, 6% a vêem como uma alternativa de popularizar o conhecimento cientifico e 15,5 % assinalaram essas duas opções de resposta. Apenas 5,4 % a consideram como um passeio divertido, mas sem construção de conhecimento cientifico; 3,6 % acrescentaram e destacaram a interação teoria-prática e o incentivo à interdisciplinaridade, enquanto 1,8 % não responderam.

    Neste estudo, enfatizamos a análise da questão de escolha simples envolvendo concepções sobre a natureza do conhecimento científico: Que resposta lhe parece mais adequada à questão: "O que é ciência?" Portanto, após especificar as opções de resposta, incluindo o percentual de professores que assinalou cada uma, refletiremos sobre o significado de cada uma dessas opções.

L (52 %) Ciência é o conhecimento comprovado por evidências observacionais e experimentais. (Positivismo Lógico)

P (11 %) Científica é a teoria da qual é possível deduzir conseqüências que possam ser submetidas a testes, expondo-se aos testes que visam a demonstrar sua falsidade. (K. Popper)

B (30 %) Ciência é uma ruptura com o senso comum. O conhecimento científico depende tanto da razão como da experiência. (G. Bachelard)

K (1 %) É considerado como ciência aquilo que os cientistas aceitam por consenso. (T.S. Kuhn)

F (3 %) Ciência é uma forma de ideologia como tantas outras que existem no mundo. (P. Feyerabend)

                            Não responderam (1,8 %)

    Considerar como ciência apenas o conhecimento comprovado por evidências observacionais e experimentais corresponde à concepção positivista, já comentada ao abordarmos o empirismo predominante entre os professores.

    A segunda opção resume o racionalismo critico de Karl Popper. Popper considera que nunca se pode comprovar, definitivamente, uma teoria científica, e que a ciência evolui através de refutações. Propõe um método científico que parte de um problema e de conjeturas para solucioná-lo, das quais são deduzidas conseqüências submetidas a testes que possam refutar a teoria (método hipotético-dedutivo). Se a teoria resistir aos testes, será corroborada, até ser, um dia, contestada e substituída por outra mais abrangente.

    A terceira corresponde ao racionalismo aplicado de Gaston Bachelard, pelo qual a ciência implica ruptura com o senso comum que predomina em nossas percepções e, por isso, o conhecimento científico depende tanto da razão como da experiência. Bachelard (1986) destaca a sensibilidade e a criatividade fundamentais ao cientista e alerta quanto ao prejuízo que demonstrações e racionalizações frias podem acarretar ao desenvolvimento do espírito científico, afirmando, inclusive, que o espírito matemático é tão sensível como a alma poética.

    A quarta opção tenta resumir a perspectiva de Thomas S. Kuhn, ao considerar como ciência o que os cientistas aceitam por consenso. Segundo Kuhn (1978), cada ciência depende do contexto em que se desenvolve, conforme o paradigma[2] predominante na comunidade científica. Então, há alternância entre períodos que ele chama de ciência normal, quando, na vigência de um paradigma, constrói-se um conhecimento progressivo e cumulativo, e períodos de crise ou revoluções científicas, quando o antigo paradigma é descartado e várias teorias emergentes competem entre si.

    A quinta e última opção de resposta refere-se ao relativismo de Paul Feyerabend. Feyerabend (1985) considera o dogmatismo relacionado a teorias e métodos como prejudicial por transformar a ciência em ideologia, pois a ciência, como toda a construção humana, é impregnada por reações emocionais, por teimosia, por erros, seguindo diferentes rumos em suas reestruturações.

    A grande maioria dos professores (93%) assinalou uma das três primeiras opções de resposta. As duas últimas foram escolhidas por apenas três professores. Para aprofundar essa análise, considerando que os alunos são trazidos ao museu por professores das mais diversas disciplinas e de todos os níveis de ensino, podendo ser acompanhados, inclusive, por especialistas que não atuam em sala de aula, os respondentes ao questionário foram agrupados em categorias, conforme consta na tabela a seguir.
 

OPÇÕES Ed. Infantil, 5aa 8a Série (Fundamental) e Ensino Médio
TOTAL 

(%)

Séries Iniciais  C,B,F,Q,M,

Informática

Geografia

História

Port., Ed. Fís., Artes, Línguas Direção, SOE,

SSE, Bibliot.

L 52 40 56 53 43 87
P 11 10 16 - 17 -
B 30 40 20 40 35 12
K 1 - - - 4 -
F 3 - 4 6 4 -
Em branco 2 3 - - - -
TOTAL (N0 de professores) 90 20 24 15 23 8
Tabela 1 – Percentuais de respostas ao questionário considerando o nível de ensino e a área de atuação dos professores     É importante destacar que 82 % dos professores ficaram entre duas opções: a primeira (concepção positivista – 52 %) ou a terceira (racionalismo aplicado – 30 %). Essa preferência evidencia-se em quase todos os grupos apresentados na tabela 1. As professoras que atuam na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental apresentam um empate: 40 % em ambas. Quanto aos demais, aparecem algumas variações interessantes. A diferença entre a 1a e a 3a opção acentua-se entre os professores de disciplinas que correspondem às ciências naturais, Matemática e Informática (56 % e 20%, respectivamente). É bem mais acentuada entre diretores, supervisores, orientadores e bibliotecários (87 % e 12 %), mas esses últimos dados não são significativos, considerando que essa categoria só conta com oito respondentes. Quanto aos 38 professores de outras disciplinas (História, Geografia, Português, Literatura, línguas estrangeiras, Educação Artística, Educação Física e outras) que atuam em 5aa 8a série do ensino fundamental e no ensino médio, embora entre eles também predomine a concepção positivista sobre as ciências (47 %), diminui a diferença em relação ao racionalismo aplicado (35%).

    Talvez essas diferenças tenham a ver com a formação inicial dos professores. De qualquer forma, é muito importante que haja um esforço para aperfeiçoar a formação inicial nos cursos de graduação. O esforço de atualização e renovação do ensino de Ciências pressupõe qualificar, cada vez mais, a formação de novos docentes, o que está previsto na continuidade desta pesquisa.
 

Perspectivas de continuidade

    Após o teste piloto envolvendo análise de um instrumento de pesquisa aplicado a professores que acompanham alunos em visita ao MCT PUCRS, serão obtidos e analisados depoimentos escritos por alguns desses professores que atuam em Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Para envolver nesse estudo o Ensino Superior, serão entrevistados também professores responsáveis pelas disciplinas metodológicas dos cursos de formação de professores de Ciências da PUCRS. Pretende-se proporcionar condições para intensificar a realização de aulas curriculares desses cursos de licenciatura no museu e selecionar uma das escolas de Ensino Fundamental envolvidas na pesquisa para um trabalho mais intensivo, transdisciplinar, integrando a(s) visita(s) ao museu às atividades realizadas na escola.

    A manutenção do contato entre os professores que visitarem o Museu e a equipe responsável por este projeto está prevista através da distribuição de uma publicação diretamente dirigida a eles, procurando estabelecer um debate em torno das concepções identificadas. Além disso, irá somar-se ao trabalho que vem sendo realizado pelo NAECIM, ampliando-o e contribuindo para a sua avaliação.

    A expectativa é que essa experiência possa trazer contribuições significativas ao desenvolvimento pessoal, científico e profissional dos envolvidos, com ganhos sociais por refletir-se na educação em Ciências desenvolvida na PUCRS e em escolas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio da Grande Porto Alegre, subsidiando o desenvolvimento científico e tecnológico do Rio Grande do Sul. Poderá também expandir-se a outras regiões, a partir da divulgação dos seus resultados.
 

Referências

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[1] Agência Financiadora: FAPERGS.
[2] Paradigma, segundo Thomas S. Kuhn, é um conjunto de teorias, métodos aceitáveis e problemas considerados como relevantes numa comunidade científica.