EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE GERMINAÇÃO EM ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS - Um estudo no 6º ano de escolaridade



Maria da Conceição Duarte
Instituto de Educação e Psicologia
Universidade do Minho
Portugal

Maria Fernanda Gonçalves
Escola EB 2,3 Abel Salazar - Ronfe
Portugal



Resumo

    A integração na escola de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) constitui actualmente um desafio para muitos professores e muitos sistemas educativos. Nesta comunicação pretende-se apresentar um estudo realizado com alunos com NEE, a frequentar o 6º ano de escolaridade, respectivamente integrados numa turma "especial" (quatro alunos) e numa turma "regular" (dois alunos) e que teve como objectivo principal: investigar até que ponto uma metodologia de ensino que privilegie o trabalho experimental e as ideias prévias dos alunos poderá promover a motivação de alunos com NEE e consequentemente facilitar a sua evolução conceptual no tema "Germinação de sementes". Os resultados apontam para uma evolução das ideias dos alunos sobre as diferentes etapas do processo de germinação, embora essa evolução seja mais evidente nas representações gráficas que efectuaram do que nas ideias explicitadas. Estes resultados confirmam as dificuldades que estes alunos sentem na expressão oral e escrita, mas também parece indicar que a utilização deste tipo de estratégias pode contribuir para aumentar a sua motivação e, por essa razão, a sua evolução conceptual.




Abstract

    Nowadays, the integration of pupils with special needs in schools is a challenge for many teachers and educational systems. These paper aims to report a study carried out with 6th grade pupils with special needs that were integrated in a "special" class (four pupils) and a "normal" class (two pupils). The objective of the study was to investigate whether or not a teaching approach that acknowledges pupils’ previous knowledge and experimental work promotes the motivation of pupils with special needs and therefore facilitates conceptual evolution on the topic "seeds germination".The results of the study indicate that pupils’ ideas about the phases of germination have evolved. However, evolution is more explicit in the pupils’ graphical representations of the phenomenon than in their verbal explanations. These results are consistent with the verbal difficulties shown by this type of pupils. They also indicate that these strategies may contribute to increase pupils’ motivation as well as their conceptual development.


1. Introdução

1.1. A escola e os alunos com Necessidades Educativas Especiais

    Um dos desafios mais importantes com que se confrontam hoje os sistemas educativos e os professores é o de atender às diversas necessidades educativas dos seus alunos. Integrar a diversidade na escola não significa eliminá-la ou actuar como se ela não existisse. A escola não deve ser um espaço de igualização, mas um lugar onde todos os alunos tenham possibilidades de progredir, segundo as suas características pessoais e sociais, e de receber uma educação de qualidade que lhes permita incorporar-se à sociedade com plenos direitos e deveres.

    Contudo, é só nos anos 60/70 que surgem movimentos de carácter social e, até, legislativo, iniciados em países como a Suécia, Estados Unidos e Canadá, entre outros, cujo objectivo foi o de assegurar os direitos dos cidadãos à liberdade e à igualdade de oportunidades, incluindo os daqueles tidos como indivíduos "diferentes" ou "excepcionais". Este movimento trouxe um conjunto de conceitos de que se salienta o de Necessidades Educativas Especiais (NEE), termo hoje generalizado a quase todos os países desenvolvidos que tratam destas matérias e ao qual a legislação portuguesa também confere uma grande ênfase. Assim, aquele objectivo aparece enunciado na legislação portuguesa (Lei de Bases do Sistema Educativo, art. 7º) quando afirma :"assegurar às crianças com necessidades educativas específicas condições adequadas ao seu pleno desenvolvimento e pleno aproveitamento das suas capacidades". Legislação subsequente veio clarificar, alargar e precisar este objectivo, nomeadamente através do Decreto-Lei nº 319/91 de 23 de Agosto. Este diploma introduz o conceito de "Necessidades Educativas Especiais", substituindo o de "Necessidades Educativas Específicas" referido na Lei de Bases do Sistema Educativo, e vem proporcionar uma igualdade de direitos, nomeadamente no que diz respeito à não discriminação por razões de raça, religião, opinião, características intelectuais e físicas, a toda a criança e adolescente em idade escolar. Numa perspectiva de "Escola para Todos", privilegia a máxima integração do aluno com NEE na escola regular, de acordo com o princípio de que a sua educação se deve processar no ambiente mais normal possível, responsabilizando a escola pela procura de respostas adequadas. A lei consigna, assim, o direito e a garantia de integração na escola regular a alunos que apresentem dificuldades em acompanhar o currículo normal, através do recurso a um conjunto de medidas que podem ir desde a criação de equipamentos especiais de compensação, adaptações materiais e curriculares, adequação na organização de turmas (número máximo de alunos por turma e ratio de alunos com NEE), etc. Começa, desta forma, a tomar-se consciência de que a integração destes alunos implica mudanças importantes que afectam o nosso comportamento como professores, o nosso desenvolvimento profissional e, em última instância, um novo estilo de pensar em educação.

    Para uma melhor clarificação do conceito de NEE recorremos à definição de Brennan (1988) que afirma o seguinte:

    "Há uma necessidade educativa especial quando um problema (físico, sensorial, intelectual, emocional, social ou qualquer outra combinação destas problemáticas) afecta a aprendizagem ao ponto de serem necessários acessos especiais ao currículo, ao currículo especial ou modificado, ou a condições de aprendizagem especialmente adaptadas para que o aluno possa receber uma educação apropriada. Tal necessidade pode classificar-se de ligeira a severa e pode ser permanente ou manifestar-se durante uma fase de desenvolvimento do aluno" (p. 36).

    Esta definição inclui, portanto, os designados alunos com dificuldades de aprendizagem derivadas de factores orgânicos ou ambientais. Como refere Correia (1999), os alunos com problemas relacionados essencialmente com a recepção, organização e expressão de informação, são geralmente designados por alunos com dificuldades de aprendizagem. Apesar de o autor considerar que esta categoria é de difícil definição, caracteriza-a pela existência de uma discrepância acentuada entre o potencial estimado do indivíduo e a sua realização escolar que é abaixo da média numa ou mais áreas académicas, mas nunca em todas , como é o caso da deficiência mental.

    Embora seja difícil apontar números quando se fala da prevalência de alunos com NEE, em 1986 estimava-se que nos Estados Unidos, dos 39 milhões de alunos matriculados nas escolas públicas, cerca de 10% eram alunos com NEE (Will, 1986). Em Portugal, embora os estudos respeitantes à prevalência sejam muito escassos, pensa-se que a percentagem de crianças e adolescentes com NEE em idade escolar seja cerca de 15%, o que equivale a cerca de 250.000 alunos, dos quais 48% (120.000) correspondem a alunos com dificuldades de aprendizagem (Correia, 1999), a exigir da escola uma atenção muito especial. Caso contrário, e como refere o mesmo autor (1999, p. 65), "se a escola simplesmente ignorar os problemas específicos de cada um destes alunos, então não está a respeitar os seus direitos, nem o princípio da igualdade de oportunidades que a Constituição Portuguesa proclama".

    Contudo, a resposta educativa a estas problemáticas não é simples. Em muitos casos exige uma modificação parcial do currículo escolar, adaptando-o às características destes alunos. No entanto, os objectivos educacionais deverão ser os mesmos que os definidos para as outras crianças, ou seja, melhorar a sua cognição e a sua capacidade de resolução de problemas enquanto sujeitos de aprendizagem.


1.2. O ensino da ciência em alunos com Necessidades Educativas Especiais

    Existem hoje boas razões para defender uma educação científica dos jovens. A primeira, é a de que nas sociedades democráticas o exercício pleno da cidadania exige ser técnica e cientificamente "alfabetizado" para poder responder de forma responsável e informada a questões sociais relacionadas com a ciência e a tecnologia. A segunda, é a da elevada taxa de "analfabetismo" científico ainda existente, resultante de um abandono precoce da escola da parte de muitos jovens, com especial incidência entre os jovens com NEE. A terceira, é determinada pelo facto da ciência e da tecnologia serem empreendimentos com influências significativas quer na vida privada quer na vida pública.

    É tomando como pressuposto este tipo de razões que autores como Reid e Hodson (1997) defendem que qualquer proposta de currículo para uma cultura científica deve incluir uma reflexão sobre o impacto da ciência e da tecnologia na sociedade e a influência da sociedade na ciência, na investigação e desenvolvimento científico. Opiniões semelhantes aparecem no trabalho de Reigeluth (1997). Reconhece-se, assim, o currículo de ciências como um dos principais veículos para atingir a amplitude de perspectivas das quais depende a tomada de decisões responsáveis, na assumpção de que cada jovem deve ser preparado para ser um participante activo numa sociedade democrática.

    Esta perspectiva assente no actual reconhecimento do valor cultural e ético da ciência, nas suas interacções com a tecnologia e a sociedade, não é apenas dos dias de hoje. Por exemplo, filósofos e educadores como Dewey (1925), entre outros, apontaram como um grande erro pedagógico a separação da ciência da tecnologia. Todavia é o actual reequacionamento geral que tem vindo a contribuir para repensar o ensino disciplinar e que tem implicações nas concepções e práticas de ensino. No caso da educação científica, tem vindo a contribuir para a actual viragem curricular de uma educação em ciência e sobre ciência para uma educação pela ciência que revaloriza objectivos de formação pessoal e social.

    Estes princípios encontramo-los bem expressos nas grandes metas da educação científica, definidas por Reid e Hodson (1997), e que podem agrupar-se sob três grandes títulos que por ordem de prioridade no currículo são as seguintes:

    Os autores defendem que se caminhe para um currículo onde a categoria 1 assuma grande relevância (o que não tem sucedido até agora nos currículos de ciências), especialmente para crianças com NEE. "Somente centrando a nossa atenção para ter em conta as necessidades pessoais e afectivas das crianças, podemos começar a elevar os níveis de rendimento no âmbito cognitivo" (Reid e Hodson, 1997, p. 72).

    Princípios semelhantes vamos encontrá-los nos objectivos do Ensino Básico português quando se afirma (Artigo 7º, Lei nº 46/86):

    A lei portuguesa preconiza, deste modo, uma formação geral comum a todos os portugueses, incluindo os alunos com NEE. Contudo, e como referem Reid e Hodson quando defendem a existência de um currículo comum de ciências para "alunos normais" e alunos com NEE, tal não significa: (a) uma série de experiências de aprendizagem comuns; (b) nem conteúdos idênticos; (c) nem tão pouco expectativas comuns de conhecimentos e capacidades finais. Significa, principalmente, uma série de finalidades comuns no que diz respeito: (1) à representação de um nível comum de objectivos a serem alcançados no currículo básico de ciências; (2) a realizar experiências significativas das ciências e da actividade científica para todas as crianças; (3) à determinação de que todas as crianças alcancem um ponto em que possamos assegurar que são cientificamente cultas. O que é mais importante é que este currículo deve ser ensinado e experimentado por todos (Reid e Hodson, 1997).

    Os mesmos autores, referindo-se a algumas avaliações realizadas em Inglaterra apontam os seguintes resultados: (1) "a muitos alunos com NEE não se lhes oferece tanta ciência, ou com a profundidade e extensão que seria desejável"; (2) "um grande número de escolas considera difícil cobrir as necessidades individuais e os objectivos, prioridades, direcção e estilos de ensino adoptados muitas vezes impedem o êxito das crianças com NEE e dos que têm menos êxito académico" (p. 33).

    Partindo do pressuposto que a falta de motivação, relativamente à aprendizagem das ciências, é uma das maiores dificuldades dos alunos, sobretudo dos alunos com NEE, os autores consideram que "o papel do professor de ciências é criar uma atmosfera em que o interesse do aluno possa evoluir desde uma indiferença condicionada ou apatia para uma aceitação passiva e finalmente para um interesse activo" (p. 109). Este aumento da motivação passa, ainda segundo Reid e Hodson (1997), por: (a) preparação de materiais que os alunos sejam capazes de entender em termos científicos apropriados mais do que em termos intuitivos desapropriados e descobrir o que o aluno já conhece sobre um tema científico e o contexto em que o percebe; (b) criação de condições onde possa ser promovida a comunicação oral entre alunos e entre alunos e professor; (c) perguntas abertas que estimulem o interesse e promovam uma compreensão da prática científica; (d) desenvolvimento de projectos de trabalho para fomentar as investigações pessoais e para dar aos alunos a oportunidade de escolher o tema a investigar, planificar estratégias e procedimentos.

    No mesmo sentido vão outros autores quando se referem à importância de proceder a uma correcta adaptação metodológica (Prendes & Munuera, 1998) e a utilizar estratégias de ensino onde os alunos possam ver e tocar objectos concretos relacionados com os conteúdos que estão a ser leccionados (Nielsen, 1999). Tomando como quadros de referência autores como Piaget, Bruner e Hunt, Sprinthall e Sprinthall (1993) apresentam alguns pressupostos educativos para alunos com NEE, nomeadamente o de que o seu desenvolvimento depende da interacção com o meio e será favorecido por um ambiente de aprendizagem activo em que é dada grande ênfase à prática e participação do aluno.

    Tomando como referências o anteriormente explicitado, definiu-se como objectivo principal do estudo:


2. Objectivo do estudo

    Investigar até que ponto uma metodologia de ensino que privilegie o trabalho experimental e as ideias prévias dos alunos poderá promover a motivação de alunos com NEE e consequentemente facilitar a sua evolução conceptual no tema "Germinação de sementes".


3. Metodologia

3.1. Amostra

    Esta investigação teve como população alvo alunos do 2º ciclo do ensino básico a frequentarem uma escola EB 2,3 situada no Norte de Portugal.

    O estudo envolveu uma amostra de seis alunos com NEE, que frequentavam o 6º ano de escolaridade, inseridos em duas turmas:

    Turma A - composta por um total de 11 alunos, sendo quatro com NEE (alunos A1, A2, A3 e A4). Esta turma beneficiava de adaptações curriculares às disciplinas de Língua Portuguesa, História e Geografia de Portugal, Matemática, Inglês e Ciências da Natureza.

    A média das idades era de 13,7 anos. Dos quatro alunos com NEE três encontravam-se a frequentar o 6º ano pela 2ª vez consecutiva e um estava a frequentar o 6º ano pela primeira vez.

    Turma B - incluía um total de 21 alunos, sendo dois com NEE (alunos B1 e B2). A média das idades era de 11,9 anos. Esta turma, apesar de ser heterogénea, integrava-se nos parâmetros de uma turma "normal" ou "regular" (Correia, 1999).

    A consideração dos seis alunos da amostra como alunos com NEE foi da responsabilidade do Conselho Pedagógico da Escola, com base na informação de um psicólogo. A estes alunos foram-lhes diagnosticadas dificuldades de aprendizagem que a nível cognitivo estavam relacionadas com a falta de pré-requisitos, nomeadamente na interpretação, expressão oral e escrita, cálculo e raciocínio lógico. Este diagnóstico constava das propostas do Plano de Apoio Educativo elaboradas para estes alunos. Nenhum dos alunos era portador de deficiência física visível.

    A constituição das turmas foi determinada pela Escola, com base em decisões do Conselho Pedagógico. Assim, não houve qualquer influência das investigadoras na formação das mesmas.


3.2. Selecção do tópico programático e do nível de escolaridade

    O tema "germinação de sementes" inicia-se, nos curricula de ciências portugueses, ao nível do 3º ano de escolaridade. Em anos subsequentes o tema é novamente abordado mas inserido em unidades programáticas afins, como "reprodução das plantas", no 6º ano de escolaridade. Contudo, talvez porque se parte do princípio que já foi tratado anteriormente, ele não é devidamente explorado ou não é considerado nuclear no estudo das plantas e nem sempre é referido pelos manuais escolares. Razões deste tipo poderão justificar resultados de um estudo recente acerca da evolução das ideias de alunos portugueses sobre "germinação de sementes" e que revelou que o conceito de germinação, embora integrado no estudo das plantas em vários anos de escolaridade (3º, 5º, 6º, 7º e 11º), não é correctamente apreendido pelos alunos, continuando estes a perfilhar várias concepções alternativas (Gonçalves e Duarte, 1999). Verificou-se, ainda, que os alunos não utilizavam terminologia científica adequada e quando era utilizada, em níveis de escolaridade mais avançados, ocorria de forma desapropriada revelando falta de domínio dos conceitos. Estudos realizados noutros países, nomeadamente os trabalhos de Garcia e Garcia (1989) e de Giordan (1985), comprovam também a existência de variadas concepções alternativas relativas ao processo e factores que influenciam a germinação.

    Pelas razões apontadas considerou-se que o seu estudo se revestia de importância tanto para a identificação das plantas como seres vivos como no prosseguimento do estudo da reprodução e ciclos de vida das plantas. Além disso, é um tema que para além de estar muito ligado à experiência dos alunos intervenientes nesta investigação, essencialmente provenientes de um meio rural, permite uma abordagem didáctica através da realização de actividades experimentais, muito simples e com recurso a materiais de baixo custo, através das quais os alunos podem testar as suas ideias, observar e discutir as várias etapas do processo de germinação (Williams e Dias, 1998). Esta abordagem pode ser bastante motivadora para alunos com NEE e portanto facilitadora do seu desenvolvimento conceptual.


3.3. Sequência de ensino

    O estudo centrou-se no tópico programático "Processo de germinação de sementes e factores que influenciam a germinação", incluído na unidade didáctica "Reprodução nas plantas".

    A sequência de ensino incluiu as seguintes fases:

a) Aplicação de um pré-teste e realização de entrevistas, para identificação das concepções alternativas dos alunos sobre o conceito de germinação de sementes e factores que influenciam a germinação;

b) Implementação de uma metodologia de ensino onde se privilegiou a realização de trabalho prático que assumiu as seguintes características:

- Todas as situações, muitas das quais relacionadas com o quotidiano dos alunos, partiam de uma situação problema para a qual se pedia uma resposta dos alunos.

- Seguidamente, desenvolviam-se trabalhos em pequeno grupo que incluíam a realização de actividades experimentais, a observação dos resultados e respectivos registos bem como uma discussão e reflexão sobre os procedimentos e resultados obtidos. Estas actividades eram apoiadas por protocolos experimentais, expressamente elaborados para este estudo (a título de exemplo ver um dos protocolos em anexo).

    Os materiais utilizados nas actividades experimentais eram materiais de "baixo custo" (por exemplo: garrafas de plástico, invólucros de rolos fotográficos, tabuleiros de plástico, etc). Pretendeu-se com esta decisão que os alunos manipulassem com à vontade o material, livres de preocupações de o partir ou "estragar" (por exemplo: figura 1). Contudo, também estiveram sempre presentes, em todas as actividades realizadas, procedimentos que sensibilizassem os alunos para a necessidade de rigor na execução experimental (por exemplo: medir a quantidade de água colocada, medir e controlar o tamanho das sementes, a taxa de germinação, etc.) como requisito indispensável para poder retirar conclusões fiáveis (por exemplo: figuras 2 e 3).

    As actividades experimentais decorreram em aulas de 50 minutos.

Figura 1 - invólucros de rolos fotográficos onde foram colocadas diferentes sementes em diferentes quantidades de água
 
 

Figura 2 - os alunos utilizam um conta-gotas para medir a quantidade de água


    Por último, no grupo turma punham-se em comum os resultados obtidos que eram discutidos entre os alunos e a professora.

    Em algumas das situações estudadas os resultados obtidos eram ligados à experiência dos alunos, por exemplo:

- "embora expostas às mesmas condições ambientais (temperatura, humidade) sementes diferentes têm diferentes taxas de germinação" (figura 3) e existem "culturas de verão" e "culturas de inverno" (figuras 3 e 4);

    Sempre que possível também se procurou estabelecer uma ligação com problemas sociais, por exemplo: - "não germinação das sementes por ausência/excesso de água à falta de alimentos em algumas regiões do mundo onde não chove há muito tempo/onde ocorreram longos períodos de chuva à existência de fome nessas regiões" (figura 4).



Figura 3 - placas de Petri com transparências de papel milimétrico (indicado por uma seta) para medir o tamanho das radículas de sementes diferentes

Figura 4 - invólucros de rolos fotográficos onde foram colocadas diferentes sementes em diferentes quantidades de água (setas escuras - sementes não germinadas por falta de água; setas claras - sementes que apodreceram por excesso de água)

    Esta metodologia de trabalho foi seguida nas duas turmas.

c) A terceira fase da sequência de ensino, consistiu na aplicação do pós-teste e realização de entrevistas para avaliar a evolução conceptual dos alunos.

    A professora responsável pela leccionação da sequência de ensino foi uma das autoras desta investigação.


2.4. Instrumentos

    A todos os alunos da amostra foi aplicado um questionário, antes e pós-ensino, no qual constavam perguntas abertas relacionadas com o "conceito de germinação e factores que a influenciam".

    Por razões que se prendem com a extensão da comunicação aqui apresentada, serão apenas referidos os resultados respeitantes às duas primeiras perguntas. Assim, na 1ª questão era pedido aos alunos para intervirem numa discussão sobre plantas, dando a sua opinião sobre: "o que acontece ao feijão até se transformar em feijoeiro". Para melhor clarificação das suas ideias, e dada a dificuldade de expressão escrita e oral destes alunos, sugeria-se a representação gráfica, em vinhetas, acompanhada de legenda.

    As respostas ao questionário foram complementadas com a realização de entrevistas a cada um dos alunos intervenientes no estudo.


4. Tratamento e análise de dados

    Foi feita uma análise de conteúdo das respostas dos alunos, quer às questões do questionário quer da entrevista, no sentido de identificar categorias de resposta. Atendeu-se, ainda, quer à natureza das representações gráficas presentes nas vinhetas quer ao conteúdo da legenda que as acompanhava. As respostas que apresentavam ideias semelhantes foram agrupadas, assim como os desenhos.

    A análise dos resultados foi feita tomando como referência o considerado exigível sobre o processo de germinação para este ano de escolaridade, e que apresenta a seguinte formulação: "o feijão se encontrar condições favoráveis inicia a sua germinação. Logo que absorve água aumenta de volume, rompe-se o tegumento e o embrião desenvolve-se. Deste emerge a raiz embrionária - radícula, que cresce em sentido descendente. Em sentido oposto desenvolve-se o caulículo e a gémula que vão dar origem ao caule e às folhas. Ao mesmo tempo o volume dos cotilédones diminui, dado as suas reservas começarem a esgotar-se, e estes desaparecem a partir do momento em que a jovem planta começa a abrir as primeiras folhas e a produzir o seu próprio alimento a partir da fotossíntese".


5. Resultados

    Quanto ao trabalho desenvolvido pelos alunos estes mostraram interesse e entusiasmo, tendo mesmo "sacrificado" tempos livres (os intervalos entre as aulas) para fazer observações e registos de resultados de algumas das experiências realizadas.

    No que diz respeito à natureza das ideias presentes quer nas respostas dadas quer nas representações gráficas apresentadas pelos alunos, a tabela 1 apresenta as principais "categorias de resposta" identificadas, antes e depois de ensino.

Tabela 1

Categorias de resposta nas questões relativas a: "Germinação do feijão"

 
Categorias de resposta
Antes de ensino
Após ensino
CR 1
Referência apenas à transformação do feijão em feijoeiro por crescimento. 

Os cotilédones não são representados na planta adulta.

B1
 
CR 2
Referência ao aparecimento de raízes, caule, flores e feijões a partir do feijão. 

A germinação tem lugar em qualquer parte da semente; os cotilédones não são representados na planta adulta.

A1, A2, A3 
 
CR 3
Referência ao aparecimento de raízes, caule, flores e feijões a partir do feijão.

Os cotilédones são representados na planta adulta; a germinação inicia-se no pólo da semente correspondente ao embrião.

A4, B2
A4
CR4 Referência ao aumento de volume /"rebentamento" do feijão, à germinação, ao aparecimento de raízes, caule, flores e feijões a partir do feijão. 

Nas representações a germinação inicia-se no pólo da semente correspondente ao embrião.; os cotilédones são representados com um tamanho menor, separados/não são representados na planta adulta.

 
A1, A2 e A3
CR 5
Referência a germinação. Esta é associada à existência da planta já adulta. 

Os cotilédones são representados na planta adulta; a germinação inicia-se no pólo da semente correspondente ao embrião.

 
B1
CR 6
Referência a cotilédones e ao seu desaparecimento com a transformação do feijão.

Nas representações a germinação inicia-se no embrião; os cotilédones são representados separados e não aparecem na planta adulta.

 
B2

    A análise dos dados permite comprovar que na situação antes de ensino todos os alunos da amostra se distribuem por três categorias de resposta. Metade dos alunos (A1, A2, A3) situa-se na categoria CR2, referindo nas suas respostas o "aparecimento de raízes, caule, flores e feijões a partir do feijão". Não é feita, portanto, qualquer alusão ao processo de germinação nem é utilizado qualquer tipo de terminologia mais específica; igualmente não é dada qualquer explicação para o desaparecimento dos cotilédones, no caso das categorias de resposta CR1 e CR2. Subjacente a estes tipos de resposta parece estar a ideia de "semente como algo a partir da qual nascem as sementes". Esta ideia também encontrada noutros estudos, por exemplo Garcia e Garcia (1989) e Giordan (1985), tem origem, possivelmente, na experiência dos alunos, muito baseada na observação, como se pode inferir através da resposta de um aluno: "o feijão vai deitando as raízes, depois folhas e depois feijões" (A2). A resposta dos aluno A4 e B2 distinguem-se pelo facto de nas representações efectuadas conservarem os cotilédones na planta adulta, o que parece significar que lhes é atribuída uma função de "suporte", como é referido na resposta da aluna B2 na entrevista: "serve para segurar o feijoeiro". Contudo, nestes dois alunos a germinação inicia-se no pólo da semente correspondente ao embrião.

    Na situação pós-ensino apenas um aluno (A4) se mantém na mesma categoria de resposta da situação antes de ensino. Nos outros alunos observa-se uma evolução muito ligada ao observado nas experiências realizadas - "aumento de volume do feijão" e/ou "rebentamento do feijão" (alunos A1 e A3) ou à utilização de uma terminologia mais específica como "germinação" (alunos A1, A2, A3 e B1) e "desaparecimento dos cotilédones" (aluno B2). Nota-se uma evolução nas representações gráficas ao nível dos pormenores presentes nas várias etapas da germinação, nomeadamente a separação dos cotilédones (o que pode indiciar a ideia de que se trata de uma planta dicotiledónea - alunos A1 e B2) e o início da germinação coincidir com o pólo correspondente ao embrião (todos os alunos). As legendas que acompanham as representações são, contudo, muito pobres em conteúdo, o que reflecte bem a dificuldade de expressão escrita que estes alunos têm.

    Em síntese, do exposto parece poder considerar-se a existência de alguma evolução nas ideias dos alunos, relativas ao conceito de germinação, da situação antes de ensino para a situação pós-ensino. Essa evolução é mais nítida ao nível das representações gráficas efectuadas do que ao nível das ideias expressas oralmente (entrevistas) ou por escrito. A terminologia privilegiada é ainda do quotidiano - "raiz, caule e folhas". A utilização de outra terminologia mais específica, como "radícula", "caulículo", "gémulas", "embrião" embora esteja prevista nos currículos de Ciências da Natureza, especialmente ao nível do 6º ano de escolaridade, não é feita. Estes resultados evidenciam de uma forma bastante clara as dificuldades destes alunos ao nível da expressão oral e escrita, mas também parece poder inferir-se que apesar destas limitações houve uma evolução na compreensão do conceito de germinação e que pode ser uma resultante do interesse que os alunos revelaram no desenvolvimento das actividades propostas.



Referências

Brennan, W.K. (1988). El Currículo para Niños con Necessidades Especiales. Madrid: Siglo XXI.

Correia, L.M. (1999). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto: Porto Editora.

Dias, J.C. & Williams, P.H. (1998). Ciência Viva e Acessível com as Brássicas de Ciclo Curto e Materiais Reciclados - O ciclo de vida das plantas. Lisboa: Ministério da Ciência e da Tecnologia.

Dewey, J. (1925). Experience and Nature. Chicago: Open Court.

Garcia, J. & Garcia, F. (1989). Dos casos practicos de investigación en el aula. Em Garcia, J. & Garcia, F.(eds). Aprender Investigando. Sevilha: Díada Editores, 51-61.

Giordan, A. (1985). La Enseñanza de las Ciencias. Barcelona: Siglo veintiuno de España.

Gonçalves, M.F. & Duarte, M.C. (1999). Evolução das ideias de alunos portugueses sobre germinação de sementes. Boletin das Ciencias, Ano XII, nº 39, 4958.

Nielsen, L.B. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula - Um guia para professores. Porto: Porto Editora.

Prendes, M.P. & Munuera, F. (1998). Aproximación conceptual al uso de medios y recursos en el àmbito de las necesidades educativas especiales. ANALES DE PEDAGOGIA, 16, 269-288.

Reigeluth, C.M. (1997). Instructional therory, practitioner needs, and new directions: some reflections. Educational Technology, January- February, 42-47.

Reid, D. & Hodson, D. (1997). Ciencia para todos en secundaria. Madrid: Narcea , S.A. Ediciones.

Sprinthall, N.A. & Sprinthall, R.C. (1993). Psicologia Educacional. Lisboa: MacGraw-Hill de Portugal, Lda.

Will, M.C. (186). Educating students with learning problemes: A shared responsibility. Excepcional Children, 52(5), 411-416.



ANEXO

INVESTIGAÇÃO 1

Certamente já ouviste falar de sementes e de plantas que se reproduzem por sementes.

Nas próximas aulas vais investigar o que acontece a diferentes sementes quando colocadas no solo.

1. Problema

O que achas que acontece a uma semente algum tempo após ter sido colocada em solo húmido?

2. Resposta ao problema:

3. Para poderes discutir a resposta que deste ao problema vais realizar em grupo a investigação a seguir proposta, onde o solo húmido irá ser substituído por papel absorvente humedecido.

NOTA: Na actividade experimental, o teu grupo, irá utilizar apenas sementes de centeio.

3.1- Actividade experimental

MATERIAL

- água

- conta-gotas

- garrafa de plástico de 1,5 ou 2 l

- grelhas circulares em transparências de papel milimétrico

- lupa de mão

- placa de Petri de 90 mm

- sementes de rabanete, centeio, milho e feijão– frade

- círculos de papel absorvente

PROCEDIMENTO

- Coloca uma grelha circular de transparências de papel milimétrico na tampa (metade superior ) da placa de Petri, que corresponde ao teu grupo.

- Coloca sobre a grelha de acetato, na placa de Petri dois círculos de papel absorvente.

- Humedece os círculos de papel absorvente na placa de Petri, com a ajuda de um conta-gotas contendo água.

- Na metade superior do papel absorvente e em linha, coloca quatro sementes de centeio, como mostra a figura I.

- Cobre a placa de Petri com a outra parte (metade menor).

- Coloca a placa de Petri ligeiramente inclinada na garrafa de plástico, previamente preparada e comum a todos os grupos, de modo a que a água molhe apenas uma parte do papel absorvente – figura II.

- O conjunto das placas de Petri e base serão colocados num local quente, da sala de aula.

- Verifica diariamente o nível da água na garrafa, se for necessário adiciona mais.

- Ao longo de cinco dias, observa o que acontece, às sementes de rabanete, centeio, milho e feijão–frade colocadas nas quatro caixas de Petri. Podes usar a lupa de mão nas tuas observações.

- Regista na tabela de observações, que foi fornecida, as tuas observações bem como o dia e a hora.

4. Reflecte sobre a experiência que realizaste e responde às seguintes questões:

4.1- O que achas que vai acontecer aos diferentes tipos de sementes colocadas nas placas de Petri?

4.2- Haverá alguma diferença no comportamento das diferentes sementes ao longo dos cinco dias? Justifica a tua resposta.

5. Observações

5.1- Discute com os teus colegas e professora as observações que vais registando na tabela de observações.

7. Interpretação das observações

6.1- Tenta interpretar as observações realizadas.

6.2- Discute com os teus colegas e professora as interpretações que fizeste.

7. Conclusões

7.1- Que conclusões podes tirar com base na interpretação das observações realizadas?

7.2- E se as sementes que colocaste na placa de Petri fossem colocadas no solo, poderias observar e concluir o mesmo? Justifica a tua resposta.

8. Agora compara as tuas conclusões com as ideias que tinhas inicialmente sobre este assunto.

8.1- Coincidem ou são diferentes?

8.2- Se são diferentes, diz quais as razões que poderão justificar essas diferenças.