ESTUDO PILOTO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DA CADEIA ALIMENTAR


Maria Cristina Leal
Professora do Mestrado em Educação da Unig /Consultora da UVA[1]


Resumo

      O texto realiza um exercício de transposição didática. Utilizando metáforas, analogias e modelos desenha uma matriz para examinar os processos de transposição didática da cadeia alimentar presentes nos programas escolares e nos livros didáticos. O objetivo desse exercício e constatar em que medida o saber do sábio é preservado, ou não, quando passa a ser concebido como saber a ensinar e como objeto de ensino.
Palavras-chave: metáfora, analogia, modelo, transposição didática, cadeia alimentar.


Abstract

    This text is an exercice of didatic transposition. By using metaphors, analogies and models it draws a matrix for examining the process of didatic transposition of the food chain in the scholar program, didatic books. Its targetis to find out at what degree the wise knowledge is preserved or not, when its conceived as a knowledge to be taught and as a teaching object.
Key-words: metaphor, analogy, model, didatic transportation, food chain.




    O processo de ensino passa pela transposição didática que pressupõe relações entre o currículo formal, enunciado nos livros didáticos, e o currículo real, tal como se apresenta na sala de aula e abre perspectivas a respeito da possibilidade de se situar a interseção entre os currículos formal e real por meio do exame crítico dos programas escolares, planejamento dos professores, recursos didáticos e paradidáticos utilizados e sala de aula e os conhecimentos adquiridos pelos alunos.

    A fim de se poder caracterizar o processo de transposição didática, quando da análise de livros didáticos. vale lançar mão de instrumentos como questionários para se atingir três objetivos, a saber:

1. analisar o impacto das modalidades de atualização dos saberes científicos na estrutura de conhecimento dos alunos (conteúdos dos conhecimentos e concepções mais ou menos explícitas - implícitas de história da ciência e do desenvolvimento científico);

2. estabelecer em que nível se situam os conhecimentos dos alunos em relação aos saberes propostos pelo livro didático (visão global, descrição de fenômenos, etc.);

3. identificar o tipo de conhecimento científico adquirido pelo aluno.
 

    Por meio desse processo, é possível explorar, entre outros aspectos, a passagem de representações espontâneas para representações elaboradas; articular o saber espontâneo e o saber científico; identificar conceitos explicativos e caracterizar como se opera apropriação do saber científico na escola.

    Estas são estratégias que viabilizam a reconstrução de uma cadeia de transposição didática com base em conteúdos precisos e que compreende:

 
Momento A – a análise do conceito científico (visão histórica e construção do momento);

Momento B – a entrada do saber do sábio no currículo caracterizando o saber como objeto de ensino e, portanto, identificação do trabalho de transposição didática e de definição no planejamento didático. É importante considerar aqui de que modo as reformas de ensino do campo examinado (Ciências) produzem mudanças substantivas na forma como os conteúdos são estruturados e hierarquizados;

Momento C – a retratação do livro didático e dos materiais paradidáticos como modos de textualização escolar do saber do sábio. Nesse sentido, importa considerar nele: a atualidade dos conhecimentos e a forma como são trabalhados esses conhecimentos. Por esse meio é possível realizar uma crítica desse tipo de material;

Momento D – do saber de ensino, caracterizado como objeto de ensino, até a sua assimilação pelo estudante.

    Tendo em vista que trabalharemos a transposição didática com base na análise de metáforas, analogias e modelos, por entendermos que este processo permitirá articular o processo de transposição didática aos modos de pensamento, cabe aqui alguns comentários a respeito do que se pode entender por analogias e metáforas que constituem importantes recursos para estruturação de modelos.

    A metáfora consiste no emprego de uma palavra fora de seu sentido normal para efeito de analogia. Porém, a sua singularidade consiste em seu emprego para efeito de comparação: emprega-se uma palavra ou expressão em lugar de outra pela possibilidade do estabelecimento de associações entre elas.

    As analogias foram muito utilizadas e valorizadas nas fases iniciais do desenvolvimento das sociedades e foram responsáveis pelo surgimento das primeiras concepções de filosofia da natureza na Antigüidade. Mais tarde, com o aprimoramento da observação direta e da experimentação, a analogia perdeu seu lugar de destaque, mas conservou-se como bússola para orientar novos problemas, já que, utilizada isoladamente, a analogia carece de comprobabilidade. A fim de se aumentar o grau de comprobabilidade das analogias é preciso: 1. estabelecer a analogia com base em pontos essenciais e numerosos das propriedades comuns aos objetos que se comparam; 2. criar um nexo o mais estreito possível entre o caráter a respeito do qual se infere a dedução e os caracteres comuns descobertos nos objetos; 3. realizar a correspondência entre todas as relações dos objetos visando não apenas assinalar semelhanças, mas também as diferenças.

    As analogias, para Morin, tanto podem ser utilizadas de maneira superficial, como de modo profundo e criativo. Para exemplificar um modo conseqüente de uso das analogias recorre ao exemplo da cibernética:

"(...) a reflexão cibernética mostrou que o raciocínio por analogia pode desligar-se do concreto imediato, sofrer controles de finalidade e de funcionalidade, depurar-se e abstrair-se para conduzir à homologia e a constituição de modelos. (...) O raciocínio por analogia faz, pois, parte do caminho que leva à modelização e à formalização, mas só se obedecer ...ao controle da verificação dedutiva e da verificação empírica."(Morin, 1996:134)
 
    Desse modo, analogias e metáforas são importantes recursos de ensino-aprendizagem, porque propiciam mediações e funcionam como bússolas para a aquisição de novos conhecimentos.

    O trabalho de Castiel (1999) sobre as relações entre saúde pública e genética molecular abusa do recurso das analogias e das metáforas para investigar noções e representações no campo da saúde. O autor busca a origem do termo metáfora, que, em grego, refere-se ao processo e ao meio de transporte de carga (Ferrater,1986) para, em seguida, explicar a metáfora na perspectiva da lingüística com base em três modos de emprego. A primeira, substitutiva, consiste na substituição direta de um termo metafórico por um literal. A segunda, comparativa, tem caráter analógico e, finalmente, a terceira, interativa, pressupõe a interrelação entre pontos de vista. Apresentamos no quadro abaixo exemplos extraídos do texto de Castiel:

Quadro – Exemplos de Usos de Metáforas
Tipos de uso Exemplos
Substitutiva "A Aids é uma maldição" no lugar de "A Aids surgiu para castigar a humanidade".
Comparativa "A Aids é como se fosse uma maldição".
Interativa "A Aids é uma maldição" tanto como doença letal como um agente desencadeante de enfermidade de tipo punitiva.

    Castiel se reporta a Kirmayer (1993) para estabelecer distinção entre metáfora e analogia. Segundo Kirmayer a analogia diz respeito aos aspectos cognitivos da relação, onde a similaridade prevalece. Já a metáfora apresenta aspectos afetivos e sensoriais.

    Com Frege, podemos perceber as diferenças entre analogias e metáforas. Enquanto a metáfora nos remete para a comparação implícita, a analogia atua no sentido de estabelecer comparações explícitas. O que aparece como angustiante para Frege é encarado por outros (Lakoff e Johnson, 1980) como mecanismo de crítica ao objeto uno do conhecimento, significando a idéia de que o mundo é composto de diversos objetos com propriedades inerentes e estáveis entre si.

    Esses breves comentários acerca das analogias e das metáforas no campo científico servem para demonstrar a complexidade do trabalho pedagógico ao se aventurar a ensinar utilizando estratégias de transposição didática.

    Um exemplo de análise de transposição didática é apresentado por Chevallard e Joshua (1991), utilizando a noção matemática de distância como uma espécie de estudo de caso. Lembram os autores que o processo de transposição didática suscita um certo número de questões que não podem ser resolvidas em uma única história e, sendo assim, o exemplo escolhido deve ser tomado como uma história singular de um saber a ensinar. É possível, no entanto, marcar alguns momentos no processo de análise da transposição didática. O primeiro deles é que o ponto de partida é sempre e, necessariamente, a análise do saber do sábio no que diz respeito à produção do conceito do ponto de vista epistemológico. Em seguida, passa-se a tratar do saber a ensinar, caracterizando os elementos empregados para possibilitar o saber a ensinar (textos de ensino). Finalmente, o terceiro momento marca o processo de constituição dos objetos de ensino.

    Os autores lembram que o processo de transposição não cessa neste momento, quando o saber do sábio se inscreve no programa escolar, mas prossegue incessantemente e tende a ganhar a complexidade característica dos atos didáticos que se produzem no contexto escolar. Aqui, começa outro período complexo que compreende desde o exame e a decisão de alterações nos programas escolares, até a produção dos textos didáticos, o planejamento da aula do professor, a transmissão do saber a ensinar na sala de aula, etc..

    Chevallard e Joshua traçam um histórico da noção de distância para caracterizar a forma como foi concebida como saber científico (ou saber do sábio). Identificam o aparecimento da noção matemática de distância; em 1906, no trabalho do matemático Maurice Fréchet. Do aparecimento da noção até a sua inserção no ensino de matemática na escola passaram-se 65 anos. A inserção da noção de distância na geometria, quando o conteúdo passou a integrar os programas escolares é explicada por Chevallard e Joshua como decorrente da reforma que implantou a Matemática Moderna no currículo escolar. Desse modo, em 1971, a noção de distância apareceu no saber a ensinar no domínio da geometria pois, este foi o modo mais adequado de compatibilizar a nova noção ao ensino que assimilou a noção na geometria da linha reta e dos pontos.

    O exemplo do estudo da transposição didática da noção de distância levanta aspectos que servem para caracterizar a complexidade da passagem do saber do sábio ao saber a ensinar. Um dos mais marcantes, além do viéis que transformou a concepção de origem matemática em geometria é, de certa forma, um desdobramento desse problema que resulta na despersonalização do saber: o saber do sábio aparece na cultura escolar como saber sem produtor, sem origem , sem lugar. Trata-se de um saber transcendente ao tempo, apresentado abstratamente a nós sem que se possa identificar o depositário de sua patente. Os livros didáticos, em geral, não apresentam as referências históricas ou bibliográficas que possibilitam identificar a autoria e o processo de construção dos saberes. Eles reforçam o triunfo da ausência de tempo e de lugar do saber e produzem intérpretes desses saberes originais (autores de textos didáticos), responsáveis por modificações e adaptações capazes de caracterizar estranhamentos significativos[2] entre o saber original e o saber a ensinar.

    Na tentativa de identificar a gênese do conceito de cadeia alimentar trabalhamos no sentido de buscar pistas que nos conduzissem à construção deste conceito. A primeira aproximação nos levou ao campo da Ecologia, onde o conceito foi gerado. A definição do campo da Ecologia, data de 1866, quando Ernst Häckel utilizou o termo pela primeira vez ao caracterizar o estudo das interações que ligam seres vivos ao seu ambiente e entre si como objeto de estudo desta ciência nova. Entre os gregos, Teofrasto, discípulo de Aristóteles é considerado o primeiro ecologista por ter descrito as relações dos organismos entre si com o meio. No século XVIII, os trabalhos de Alexander Von Humboldt definiram a ecologia geográfica. Mais tarde, Malthus e Darwin trataram da dinâmica das populações. Em 1833, o botânico e médico August Heinrick Rudolf Grisebach desenvolveu a idéia de que as plantas e os animais vivem em comunidades integradas. Esta idéia foi refinada pelo botânico norte-americano Frederick Edward Clements, que afirmou pelo conceito de unidade biótica (vital), a existência de comunidades de plantas e de animais.

    Certamente esses pensadores ajudaram na construção do conceito de cadeia alimentar como cadeia de grupos de organismos. A energia percorre esses grupos, transferindo-se de um para outro, sempre que os organismos que constituem um deles serve de alimento aos seguintes. Trata-se de um conjunto complexo de relações energéticas que agrupa membros de uma comunidade natural. As plantas verdes (produtores primários) nutrem os herbívoros (consumidores primários) Os herbívoros são, por sua vez, consumidos por pequenos carnívoros, que, por seu turno, são consumidos por carnívoros maiores. Constata-se, assim, que a cadeia alimentar isolada e completa pressupõe três elementos (planta - herbívoro - carnívoro) ou mesmo quatro (planta - herbívoro - parasita dos herbívoros - parasita dos parasitas). Observamos, pela descrição, que as cadeias alimentares estão longe da simplicidade esquemática com que se costuma apresentá-las pois elas se entrecruzam de forma variada, constituindo teias complexas, a teia alimentar ou teia da vida.

    Junto ao conceito de cadeia alimentar, também denominada de cadeia trófica, encontramos o conceito de pirâmide trófica, constituída de níveis tróficos por onde a energia do alimento flui ao longo da cadeia alimentar. A base da pirâmide é composta pelos autótroficos, produtores primários do ecossistema, assim denominados porque obtêm energia e nutrientes do calor do sol e, ocasionalmente, da energia química da oxidação. Todos os demais organismos de um ecossistema são denominados de heterotróficos. Desse modo as concepções de pirâmide trófica e de cadeia alimentar constituem componentes importantes para compreensão da energia nos sistemas ecológicos. Devem ser descritas e representadas de tal modo a transmitir o grau de complexidade do fenômeno.

    Com Capra (1982) identificamos os fundamentos que sustentam o conceito de cadeia alimentar: a perspectiva sistêmica. Através dela percebemos de que modo os organismos se inserem em ecossistemas complexos, entendidos como sistemas auto-organizadores e auto-reguladores e onde determinada população de organismos sofre flutuações periódicas. Diferindo da teoria da evolução clássica (Darwin), que entendia a evolução tendendo ao equilíbrio à medida que os organismos se adaptassem ao meio ambiente, a teoria sistêmica caracteriza a evolução pela relação interativa entre adaptação e criação. Ela afirma que o meio ambiente é um sistema vivo que é também capaz de adaptação e evolução. O foco da versão sistêmica desvia-se da evolução de um organismo (teoria clássica) para a coevolução de organismo e meio ambiente.

    No estudo piloto que estamos registrando acerca da transposição didática da cadeia alimentar, selecionamos um texto acadêmico (ODUM,1983), a justificativa de inserção da cadeia alimentar nos PCNs e um texto extraído de um livro didático sobre o tema para identificar as analogias, metáforas e modelos que percorrem esse corpus. Tivemos a intenção de verificar em que medida, no processo de transposição do saber do sábio, ao saber a ensinar e à construção de objetos de estudo, o saber original sofre mudanças e simplificações que produzem vieses capazes de fazer com que o que se ensina tenha uma natureza bem diversa do que se produz como saber teóricos e novos conteúdos nos currículos e programas escolares. Outro aspecto problemático refere-se à necessidade, dado o tempo que separa a produção do saber de sua inserção na escola, de mesclar conteúdos novos aos antigos. O fato de se trabalhar nos tempos atuais com uma forte introdução de temas próprios do campo da ecologia nas séries iniciais de ensino de ciências que até algumas décadas atrás se resumiam a orientação sobre saúde e a higiene e uma breve descrição do mundo natural, é preciso ser considerado, pois, em geral, os professores que atuam nesses níveis de escolaridade tendem a ter uma formação precária em termos de uma visão ampla de ciências (quando muito são professores de Biologia ou de Geografia).

    Nos quadros abaixo, (matrizes) apresentamos a caracterização dos processos de transformação do saber do sábio(representado no texto acadêmico), ao saber a ensinar (PCNs) e ao objeto de ensino (livro didático), aqui exemplificado com a cadeia alimentar.

QuadroI - ESTUDO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DA CADEIA ALIMENTAR - SABER DO SÁBIO


 


CONTEÚDO METÁFORAS ANALOGIAS MODELOS
A transferência da energia alimentar (plantas), através de uma série de organismos que consomem e são consumidos, chama-se cadeia alimentar ou cadeia trófica.

As cadeias alimentares são de dois tipos: a cadeia de pastagem, começa pela planta verde, passa por herbívoros que pastam (organismos que comem células ou tecidos vegetais vivos), até carnívoros (comedores de animais); e a cadeia de detritos, que passa de matéria orgânica não-viva para microorganismos e depois para organismos comedores de detritos (detritívoros) e seus predadores. (p. 77)
 
 
 
 
 
 
 
 

 

O zooplâncton marinho freqüentemente "pasta" uma quantidade maior de fitoplâncton do que consegue assimilar (p. 79). 

Tais informações, contudo não são necessárias para se modelar o sistema porque se pode considerar o grupo inteiro convenientemente, como uma "caixa preta", como está mostrada na figura... (p. 87)

Uso da pirâmide para representar fluxo de energia e hierarquia.

Categorias da Matemática

São utilizadas para construir o modelo da cadeia trófica ou alimentar.

Também são mostrados o metabolismo duplo dos produtores (i. e., a produção líquida e bruta) e o aproveitamento luminoso da ordem de 50% absorção 1% conversão, no primeiro nível trófico. A produtividade secundária é de uns 10% a níveis tróficos sucessivos de consumidores, embora a eficiência tenda a ser mais alta, digamos, 20% nos níveis de carnívoros.(p. 77)

Não é toda a entrada para a biomassa que se transforma; uma parte pode, simplesmente, passar através da estrutura biológica como a comida gerida e do canal digestivo sem ter sido metabolizada, ou a luz passa através da vegetação sem ser fixada. A razão entre A e E, ou seja, a eficiência de assimilação, varia amplamente.

Nos autótrofos, a energia assimilada (A) é, evidentemente, a produção bruta ou fotossíntese bruta. O componente análogo (o componente A) nos heterótrofos, representa alimentos já produzidos em outro lugar.

Em geral, os seres humanos tendem a ser consumidores tanto primários como secundários, já que a nossa dieta, na grande maioria das vezes, compreende uma mistura de alimento vegetal e animal. Conseqüentemente o fluxo de energia divide-se entre dois níveis tróficos ou mais, na proporção da percentagem de alimento vegetal e animal ingerido. (pág. 77)

Fonte: ODUM, E. P. - Ecologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1983.

QuadroII- ESTUDO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DA CADEIA ALIMENTAR - PCN’s

CONTEÚDO METÁFORAS ANALOGIAS MODELOS
Descrever a cadeia alimentar de determinado ambiente, a partir de informações previamente discutidas, identificando os seres vivos que são produtores, consumidores e decompositores e avaliar como se dá a intervenção do ser humano nesse ambiente, reconhecendo ou supondo as necessidades humanas que mobilizam as transformações e prevendo possíveis alterações. (p. 83)

Com este novo enfoque, reestruturar os componentes das cadeias e teias alimentares, comparando-se os modos de obtenção de substâncias orgânicas e energia nos organismos produtores, consumidores e decompositores. (p. 99)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Estrutura piramidal caracterizando a presença da energia circulando pelos diversos ambientes para dar idéia da cadeia e teia alimentar.

Categorias econômicas como a de produtores e de consumidores são utilizadas para explicar o fenômeno da cadeia alimentar.

A comparação de pirâmides de energia de diferentes ambientes dá espaço para a retomada das diferentes características de ambientes diversos, considerando-se a interferência humana nas teias alimentares e a posição que o ser humano ocupa em muitas delas. (p. 99)

Plantas (produtores) à herbívoros (consumidores primários) à carnívoros (consumidores secundários e Terciários) à

fungos/bactérias (decompositores)

Fonte: Parâmetros Curriculares Nacionais - Ciências Naturais - Secretaria de Educação Fundamental - Brasília: MEC/ SEF, 1998.


QuadroIII- ESTUDO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DE CADEIA ALIMENTAR NO LIVRO DIDÁTICO

CONTEÚDO METÁFORAS ANALOGIAS MODELOS
Há, nos ecossistemas, uma categoria de organismos chamados de produtores que são as plantas. Todos os demais organismos, chamados de consumidores, dependem do alimento que os produtores fabricam. Animais que comem plantas (herbívoros) são chamados consumidores de primeira ordem; os que se alimentam de herbívoros são os consumidores de segunda ordem; e assim por diante. Há também uma categoria de consumidores, formada por seres microscópicos, bactérias e fungos, que são chamados decompositores. Esses organismos atacam os resíduos que as plantas e os animais produzem, assim como seus restos Quando eles morrem. Os decompositores transformam esse material em gás carbônico e nitratos, que são devolvidos à água e reutilizados pelas plantas para a produção de alimento. (pág. 202)

 

Os produtores (plantas), na realidade, são os únicos fabricantes de alimento do ecossistema(...) (p. 202)

(...)essa energia é transferida para os demais elos da cadeia, até chegar às aves da margem. (p. 203)

Categorias econômicas são utilizadas para estabelecer a analogia: produtores e consumidores. Na Lagoa (pág. 203)
 
 
 
 

Lambaris Caramujos
 
 

Peixes Maiores 

Plantas

do fundo

Aves da

Margem
 
 

Uso de corrente para caracterizar o movimento sistêmico.

Fonte: JÚNIOR, C. S. & SASSON, S. Ciências, entendendo a natureza - o mundo em que vivemos, São Paulo, Edit. Saraiva, 1999.

    Os quadros (matrizes) sintetizam as definições de cadeia trófica (somente assim designada no texto acadêmico) ou alimentar nos diversos níveis do processo de transposição didática. Demonstram que os diversos níveis vão adaptando o saber do sábio de maneira variada, utilizando metáforas, analogias e modelos construídos com recursos oriundos de conhecimentos matemáticos, econômicos, biológicos, gráficos, lógicos, etc.. O fato de apenas no texto acadêmico (o mais próximo do saber do sábio) utilizar o modelo matemático expressa uma distância em termos de nível de abstração do conhecimento, marca de distinção de um texto mais elaborado. Tanto o texto acadêmico (Quadro I) quanto os PCNs (Quadro II) retomam uma imagem construída pelo criador da cadeia alimentar (a pirâmide), para caracterizar a energia e a hierarquia entre os seres que participam da cadeia alimentar. O livro didático (Quadro III) é o menos criativo no processo de transposição didática (fato que pode explicar a dificuldade com que os alunos interagem com ele). O que chama atenção em todo o percurso (saber do sábio, saber a ensinar, objeto de ensino) é a permanência do paradigma sistêmico expresso nas metáforas (rodada, corrente, elos da corrente, teias), nas analogias (categorias matemáticas, econômicas e mesmo biológicas, no caso da comparação com a digestão) e nos modelos (uso de círculos, pirâmide, setas, etc.). Vale ainda mencionar o fato das metáforas serem escassamente utilizadas, enquanto que as analogias e os modelos são os recursos mais priorizados, marcando a busca de precisão, objetividade e formalização tão características do discurso científico.

    O conteúdo dos quadros apresentados demonstram que a transposição didática demanda criatividade nos processos de passagem do saber do sábio, saber a ensinar e objetos de ensino mas, ao mesmo tempo, exigem, como assinalaram Chevallar e Verret, uma vigilância epistemológica permanente, a fim de que o saber do sábio não se descaracterize de tal modo que, ao chegar na escola e na sala de aula, seja apresentado aos alunos com um conteúdo bastante diverso da criação de seu autor. No caso do conteúdo analisado (cadeia alimentar), podemos dizer, com base no exame do material selecionado, que houve cuidado no sentido de não se transfigurar o conteúdo. O que se mantém problemático, no entanto, é o fato do conteúdo estudado, ao ser "universalizado" e "objetivado", perder a memória de sua gênese, de sua autoria, de sua história. Quando resgatamos a história do conceito, identificamos o contexto que o gerou e as implicações de sua criação, temos a oportunidade de retomar a interpretação (narrativa) e, desse modo, dar significados mais plurais e ricos às metáforas, às analogias, aos modelos que vão sendo construídos/ reconstruídos no percurso da transposição didática.

    O procedimento que adotamos – as matrizes de transposição didática – auxiliaram significativamente nosso trabalho de caracterização das metáforas, analogias e modelos da cadeia alimentar. Consideramos que esse procedimento merece ser discutido e aperfeiçoado no sentido de permitir um aprofundamento de estudos voltados para a discussão das relações entre modos de pensamento narrativo e paradigmático e os processos de transposição didática. A discussão sobre o uso da metáfora (mais próximo do modo narrativo) e dos processos de construção de analogias e modelos (mais adequados ao modo paradigmático) merecem ser mais explorados para que se possa refletir criticamente sobre os modos como elaboramos saberes e tentamos socializá-los através de instrumentos e estratégias didáticas que precisam ser "vigiadas", no sentido de cuidadosamente pensadas e elaboradas .


Bibliografia
BRUNO, G. Sobre o infinito, o universo e os mundos. São Paulo, Victor Civitas, 1973.

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo, Cultrix, 1982.

CASTIEL, D. L. Moléculas, moléstias, metáforas. O senso dos humores. In: http://www.esnp. -fiocruz.br/publi/li-cast.

CINTRA, J.L. O papel da analogia na pesquisa e no ensino de física. In: Atas do VI EPEF. Florianópolis, 26-30 de outubro de 1998.

CHEVALLARD, Y.; JOSHUA, M-A .La transposition didactique. Paris, La pensée sauvage, 1991.

COSTA, V.R. "Cadeia alimentar." In: Revista Ciência Hoje das Crianças, ano11/no.82. Rio de Janeiro, SBPC,p.12-13.

FERRATER, M. J. Dicionário de Filosofia. Madrid, Alianza Ed.,1986

GIORDAN, A.; GIRAULT, Y.; CLÉMENTE, P. Conceptions et connaissances. Berne, Peter Lang S.A ., 1994.

GRABOIS, M.; RICCO, G.; SIROTA, R.. Du laboratioire a la classe. Le parcours du savoir. Paris Adapt, 1992.

HAZEN, R. M.; TREFIL, J. Saber ciência. São Paulo, Cultura Ed. Associados, 1995.

JUNIOR, C.S.; SASSONS, S. Ciências, entendendo a natureza o mundo em que vivemos. São Paulo, Ed. Saraiva, 1999.

KIRMAYER, L. J. "Healing and the invention of methafor: the effectiveness of symbols revisited." In: Culture, medicine and psichiatry, 17, 1993, pp.161-195.

LAKKOFF, G; JOSON, M. Metáforas de la vida cotidiana. Madrid, Ed. Cátedra, 1980.

MAFFESOLI, M.. Elogio da razão sensível. Petrópolis, Vozes, 1998.

MOLES, A . A. As ciências imprecisas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995.

MORIN, E. O método-III. O conhecimento do conhecimento. Mira-Sintra, Pub. Europa-América Ltda, 1996.

ODUM, E. P.. Ecologia. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara, 1983.

ROSENTAL, M. M.; IURI, P .F. (direção). Dicionário de Filosofia. Lisboa, Ed. Estampa, v. I, ABC,1977.

RORTY, R. Contingência, ironia y solidariedad. Buenos Aires, Paidós, 1991.

WHITE, S. Trópicos do discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo, Edusp, 1994.

DOCUMENTO:

Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências Naturais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília:MEC/SEP,1998.

SITES PESQUISADOS:

http://www.ipv.pt/millenium/Fonseca ect/html.
http://www.ufrgs.br/taced/gtcurric/amorim.html.
http://www.ufrg.br/pacc/tenovi.html.
http://www.britannica.com
A:\ Um Estudo Conceitual das metáforase analogias.htm.
 

 
ANEXOS
Questionário sobre transposição didática:

Data de nascimento:

Sexo:

Qual é o seu nível de escolaridade?

1.O que evoca em você o conceito de respiração?

2a.Em que consiste a troca de gases respiratórios?
2b.Para que servem eles?

3.Pode-se definir a respiração como uma combustão? Explique a sua resposta.

4. A respiração põe em jogo;

-óxidos-redutores? Sim Não

-transferência de oxigênios? Sim Não

-transferência de elétrons? Sim Não

-trasnferência de prótons? Sim Não

No caso de estimar que essas transferências existam, precise seu papel:

5. Formule uma definição de respiração do ponto de vista energético:

6. Existem mecanismos comuns entre a respiração e a fotossíntese? Sim Não

Comente sua resposta

7a.Como se articulam respiração e fotossíntese na célula vegetal clorofiliana?
7b.Como se estabelece a relação entre a fotossíntese e a respiração nas células animais?

8. Eis um esquema que representa a formação de ATP na fotossíntese e a respiração. Poderia comentar o esquema?

9.Poderia citar uma experimentação baseada no fenômeno da respiração?

Quais são os autores?

Em que época foi efetuada?

Quais eram as hipóteses?

Qual foi a disposição experimental?

Quais os resultados?

10.Quais foram as grandes etapas de descobertas sobre a respiração? Ano/autores/conteúdos.

  [1] A época em que este texto foi produzido a professora trabalhava no Mestrado em Educação da UFF, no campo de confluência educação, ciência e sociedade.
[2] É nossa intenção nesse trabalho explorar a possibilidade de caracterizar e analisar o processo de transposição didática da cadeia alimentar por meio de procedimentos diversos daqueles apontados por Chevallard e Joshua sem deixar, no entanto, de seguir a ordem da análise sugerida pelos autores: dos textos acadêmicos, ou saber do sábio, em direção aos saberes a ensinar e aos objetos de ensino.