Viviane Galvão Villani
Faculdade de Filosofia e Ciências
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho"
Câmpus de Marília, SP.
vsgalvao@zaz.com.br
Abstract
In this article, our main goal is to show the relevance
of the scientific education for the learning and socialization of sciences
as to social practice. We have used for that end cognitivist presuppositions
of leaning and also some study results which have been accomplished by
using the same presuppositions. Moreover, we have evidenced conceptions
and ideas on the material nature (of students and educators who teach science)
which are expressed in three levels of the administrative pedagogical structure
e curricular of the education system of the State of São Paulo.
Key words: scientific education; teacher instruction; concepts about
science.
1. Introdução
A Natureza tem sido concebida e transformada com base em teorias científicas à luz de modelos particulares de mundo humano e material.
A compreensão destes modelos é fundamental para a aprendizagem, socialização e aplicação da ciência e para a compreensão do mundo moderno, em processo rápido de complexificação científica e tecnológica.
De acordo com as teorias cognitivistas da aprendizagem (ausubeliana, piagetiana e Vygotskiana), e resultados de estudos no campo da didática da ciência, a construção de significados ocorre em função de pressupostos filosóficos, ideológicos, teóricos e metodológicos ou seja, de processos complexos que vão além da comunicação de informações e dos sentidos delas decorrentes.
As terias científicas evoluem calcadas em modelos atomísticos, de difícil constatação e abstração no dia a dia, uma condição geradora de dificuldades da abstração necessárias à aprendizagem da ciência.
Tais dificuldades envolvem questões de representação da natureza química da matéria (De Posada, 1999), de noções de conservação da matéria, de tempo e de espaço que se desenvolvem com a idade (Orborne e Cosgrove, 1983; Bar e Travis,1991; Bar e Galili 1994), e ainda, questões da relação interpessoal própria do processo de socialização de conhecimentos (Santos e Mortimer, 1999). Em razão disso, a formação científica de caráter científico-epistemológico, assentada em práticas reflexivas envolvendo mais do que noções quantificáveis de massa, energia, tempo e espaço físico, tem sido postulada como necessária. Ou seja, envolvendo também noções sobre processos sociais de produção de conhecimentos científicos.
Estudos no campo da didática da ciência têm mostrado que essa prática profissional, institucionalizada e politicamente determinada, vem se desenvolvendo de um modo racionalista, lógico-positivista (ensino disciplinar e prescritivo), e pouco têm favorecido a aprendizagem significativa da ciência enquanto prática social.
Evidências disso já são inúmeras, sobretudo nas atuais relações de trabalho, comprometidas com a questões de ética, autonomia, exercício de cidadania e qualidade de vida em sociedade.
A preocupação com a necessidade da sociedade enfrentar tal realidade tem sido manifestada em propostas inovadoras, sob novas orientações, enfoques e metas para a educação científica.
Exemplo disso é o novo enfoque educativo denominado CTSA o qual visa estreitar relações sociais entre a ciência, a tecnologia, o ambiente e a sociedade, imprimindo uma nova lógica de desenvolvimento social, científico e tecnológico. Ou seja, enfoque de pensamento crítico de alto-nível e de habilidades cognitivas e disposições mais elevadas (poder racional), assim como de resolução de problemas e habilidades de tomadas de decisões pelos cidadãos, coletivamente.
No campo da Filosofia da ciência, propostas de mudanças nas perspectivas de desenvolvimento do pensamento científico, de individualista, gestada institucionalmente, para uma perspectiva mais externalista, sócio-construtivista (Abimbola, 1983; Hodson e Hodson, 1998), têm sido admitidas também na relação do indivíduo com o seu coletivo. O desafio, porém, tem sido encontrar estratégias de conjunção de idéias e de práticas científicas, com sentido político e ideológico capaz de envolver a todos em reflexões e processos de (re) significação da ciência e do mundo por ela complexificado.
Apoiam a importância disso estudos que mostram aspectos de um mesmo processo, a aprendizagem humana, entretanto mantidos apesar da escolarização e da profissionalização institucionalizadas: as concepções alternativas de estudantes e de professores de ciências.
O Movimento das Concepções Alternativas, iniciado por Rolalind Driver na Inglaterra nos anos 70, constituído por inúmeros estudos à luz de teorias cognitivistas da aprendizagem tem mostrado a influência negativa das concepções alternativas no processo da aprendizagem e da construção da ciência, e ainda, a importância de estratégias de ensino e de formação de professores diferenciadas das tradicionais para a transformação dessa realidade.
Solomon e Thomas (1999), numa ampla reflexão sobre essa questão, criticam investimentos em educação científica por meio apenas de ensino formal e lembram que aprendizagens diferentes não podem ser produzidas e controladas institucionalmente (ensino que ocorre na escola, ou nas faculdades, ou em cursos em sala de aula, ou por correspondência no caso de ser oferecido para adultos sem instrução formal).
Para estes pesquisadores, o fato da aprendizagem ocorrer durante toda a vida, e ainda, de não ser a aprendizagem da ciência o objetivo principal do sujeito comum, já justifica a implementação de currículos diferenciados, relevantes para o cidadão comum, numa condição de ensino que possa influenciar mais substantivamente a aprendizagem da ciência. Entretanto, lembram que este processo de aprendizagem pode exigir vários tipos de provisão educacional em estágios diferentes de vida, quando aparecerem problemas diferentes para serem resolvidos.
Em razão disso, para esses pesquisadores, a maneira de educar cientificamente visando mudanças de práticas sociais é investir em conhecimento científico público, ou seja, é envolver a todos em processos de ensino e de aprendizagem com sentido social diferenciado, relevante para o cidadão comum. Acrescentam ainda que nesta perspectiva de educação científica, visando o entendimento público da ciência e da tecnologia, mais do que encontrar um meio ininterrupto de produzir conhecimentos científicos em campos específicos, é preciso encontrar um meio de produzi-los nas ciências, natural e social.
Apoiam esse modo de ver a ciência e o seu ensino Cachapuz e colaboradores ao proporem o ensino por pesquisa Cachapuz et al (2000) e a formação de professores numa dinâmica centrada na relação investigação-inovação-formação (Cachapuz et al, 2001). Além disso resultados de estudos que mostram que maneiras diferenciadas de produzir e de oferecer conhecimentos científicos, a partir de necessidades e interesses cognitivos específicos, não bastam para educar cientificamente jovens e adultos os quais têm dificuldade de distinguir ciência de tecnologia bem como seus papéis distintos no contexto de vida (Zoller et al., 1991).
Num estudo envolvendo grupos diferentes de pessoas em estágios de vida e práticas profissionais diferentes (professores que lecionavam na numa vertente CTS e numa vertente não CTS, e ainda, estudantes destes de professores), Zoller et al (1991), avaliaram crenças e pontos de vista relativos às relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).
Os resultados que obtiveram permitiram-lhes estabelecer perfis de pontos de vista científicos (CPVCS) e determinar até que ponto os professores que ensinavam na vertente CTS constituíam uma classe especial que utilizava seus CPVCS como critério, e ainda, se havia diferenças de perfil entre pessoas jovens e adultas (professores), sobretudo relacionadas com o gênero.
Esses pesquisadores concluíram que não havia diferença de crenças e pontos de vista entre professores que lecionavam nesta vertente e aqueles que lecionavam na vertente tradicional sobre tópicos CTS. Para além disso, que enquanto estudantes de 11º ano manifestavam comportamentos sugestivos de impacto do ensino na vertente CTS, professores qualificados que fizeram o curso de aperfeiçoamento nesta mesma vertente não satisfizeram as exigência de autoridades nacionais para acelerar a implementação da Tecnologia do assunto, a qual, desde 1982, vinha sendo uma parte compulsória do ensino geral no currículo de cursos abrangentes na Suécia (Riis, 1986 apud por Zoller et al. , 1991). Além disso que a minoria dos professores concebia a ciência como sendo uma prática humana, sendo de realçar que as professoras, mais do que os professores, entendiam a tecnologia como sendo ferramentas, eletrodomésticos, produtos eletrônicos, etc.
Pelo que expomos e considerando os resultados dos nossos estudos e tanto outros realizados à luz dos mesmo pressupostos construtivistas e/ou sócio-construtivistas do conhecimentos humano, somos convictos, a exemplo de Solomon e Thomas (1999), que investir na formação de professores de ciências que atuam no ensino fundamental (1ª a 8ª série) impõe acreditar na importância do entendimento público da ciência e romper com a prática tradicional da educação formal institucionalizada como caminho único para a aprendizagem da ciência. Contrariamente, acreditamos que seja preciso romper com a tradição da legitimação da aprendizagem na lógica de títulos e de diplomas e investir num tipo de educação científica mais centrada na relação entre a Ciência e a Tecnologia e a Sociedade, entretanto, não mais nos padrões institucionalizados tradicionais.
Os resultados de estudos como os mostrados a seguir ilustram o que afirmamos a respeito disso.
1.1. Concepções de professores de ciências sobre materiais e a sua utilização cotidiana.
Os resultados mostrados são referentes a um estudo nosso envolvendo 106 professores de ciências de 40 escolas públicas da cidade de Marília e região (professores da rede pública vinculados a sete Delegacias de Ensino da Secretaria do Estado de São Paulo) (Villani, 1998).
As atividades desenvolvidas pelo professores foram propostas no âmbito de um curso e voltado para a formação destes profissionais e visava levantar subsídios considerados necessários à organização do contexto de aprendizagem visando a superação de dificuldades.
Dentre os 109 professores envolvidos, 53 deles ensinavam ciências nas séries iniciais do ensino fundamental e 56 deles em séries finais (5ª a 8ª série).
Neste estudo os professores foram convidados a observar, nomear, classificar uma amostra de 256 tipos diferentes de materiais e a indicar, de forma justificada, o uso cotidiano destes materiais. As respostas foram registradas por eles próprios em papel sendo as referentes à classificação dos materiais apresentadas também em mapas conceituais (Moreira e Buchweitz, 1987).
Os materiais, objeto de análise dos professores, , eram substâncias químicas (sais, óxidos, ácidos, metais e não metais, minérios, etc), puras ou na forma de misturas (minérios de ferro, amostras de rochas sedimentares, etc) em sua grande maioria. Apresentavam-se em frascos devidamente rotulados contendo o nome científico da substância e a respectiva fórmula estequiométrica.
Entre as amostras de materiais encontravam-se também
materiais representantes das categorias de seres vivos conservados (taxidermizados,
empalhados) ou fixados em formal a 10%: a) animais (répteis, anfíbios,
aves e mamíferos); b) vegetais (brióftas, pteridófitas,
gimnospermas e angiospermas).
1.1.2. Resultados
Os resultados mostrados a seguir são referentes à conceituação de amostras de materiais e evidenciam a fragilidade do conhecimento dos professores sobre a natureza científica da ‘matéria’ uma vez que:
A) quanto às concepções sobre a ‘matéria’ expressas em definições formais, de um modo geral, todos os professores conceberam a ‘matéria’ sem qualquer referência à sua natureza físico-química determinante das suas propriedades específicas. As definições mostraram-se livrescas, muito semelhantes às apresentadas em materiais didáticos utilizados por eles para ensinar ciências.
As transcrições abaixo ilustram o que afirmamos a respeito disso:
"Substância simples são formadas de uma única substância. Ex. glicose, uréia, algodão, clorofórmio, glicerina etc.".
[Sais são] "Sólidos, reagem com bases e ácidos, condutores de eletricidade em solução aquosa". Exemplos: Nitrato de cobalto, sulfato de cálcio, cloreto de potássio, sulfato de cobre, sulfato de sódio, iodeto de potássio, bicarbonato de sódio, nitrato de mercúrio, permanganato de cálcio, nitrato de cobalto etc);
[ácidos são]"compostos que em solução liberam íons-hidrogênio, têm sabor azedo, conduzem eletricidade, reagem com base dando sal e água". Exemplos: Ácido salicílico, ácido ascórbico, ácido bórico, ácido pícrico.
"Substâncias compostas são misturas de substâncias"; "Substâncias compostas são formadas por duas ou mais substâncias. Ex. Água destilada, óxido de bário, cloreto de cobre, éter etílico etc".
[os animais] "Se movimentam, apresentam ciclo vital, respiração".
[Vegetais são] "São plantas".
Santos e Mortimer (1999), num amplo estudo de índole sociológica, envolvendo estudantes e professores em situação de ensino e aprendizagem da Química, mostraram um modo de entender a contextualização do ensino da Química indicativo de um certo ‘reducionismo do princípio curricular de contextualização à mera ilustração do conhecimento químico por fatos do cotidiano’(p.4).
Após analisarem concepções de professores (expressas nos exemplos apresentados sobre o que caracterizava a contextualização do ensino de Química), estes pesquisadores verificaram que praticamente todos eles descreveram a contextualização do conhecimento como sinônimo de abordagem de situações do cotidiano (descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno). Consideraram que este tipo de compreensão sobre os processos do cotidiano é fundamental e que pode significar um passo à frente em relação às práticas pedagógicas tradicionais, todavia que em se tratando de formação para o exercício da cidadania é necessário que avance no sentido das dimensões sociais da Química, o que engloba aspectos ambientais, políticos, econômicos, éticos e culturais, conforme entendem Santos e Schetzler (1997), citados por eles.
Para estes pesquisadores, ficou clara a confusão
dos professores no que diz respeito à contextualização
do ensino e o ensino de ciências relacionado ao cotidiano. Ou seja,
‘enquanto a contextualização aborda a ciência no seu
contexto social com as suas inter-relações econômicas,
ambientais, culturais etc, o ensino de ciências do cotidiano trata
dos conceitos científicos relacionados aos fenômenos do cotidiano.
No segundo caso, a abordagem continua centrada nos conceitos científicos
e não necessariamente são explicitadas a relações
entre ciência e tecnologia, bem como o desenvolvimento de atitudes
e valores em relação à ciência e suas implicações
na sociedade’ (p.4).
1.3 Concepções de professores denotativas de um caráter
epistemológico racionalista lógico-positivista, pouco favorável
à aprendizagem significativa da ciência.
Becker (1993), investigou concepções prévias de uma amostra bastante ampla de professores que atuavam em três níveis de escolaridade (1º, 2º e 3º graus), em diversas disciplinas de vários campos científicos e as categorizou como sendo apriorísticas, empiristas e interacionistas.
Após analisar os depoimentos de professores quanto a estes parâmetros concluiu que enquanto o caráter empirista de suas concepções resiste, o apriorista é utilizado para dar sustentação ao empirista. E afirmou:
As conclusões a que chegou a estudiosa (p.168) não foram diferentes a que se chegamos em nossos estudos envolvendo professores de ciências que atuam em nível de ensino fundamental (Villani, 1998): a. nível elementar de pensamento do professor manifestado na vivência com o ensino; pensamento de primeiro nível (na classificação de Hegel ou Piaget, ao automatismo ou abstração empírica); domínio de um saber e não de conhecimento.
Em Portugal, Praia e Cachapuz (1994), num estudo
envolvendo 464 professores de ciências do ensino secundário
(amostra estratificada retirada de um total de 20% da população
para um total de 406 escolas de todo o país, composta por professores
que lecionam diferentes disciplinas com nº diferentes de anos de profissão),
analisaram a perspectiva dos professores acerca da relação
entre teoria e observação e acerca da natureza do método
científico. Identificaram o caráter epistemológico
das suas concepções sobre a natureza da ciência e mostraram
que ‘na globalidade, quer professores jovens que os mais velhos (com mais
anos de serviço) partilham perspectivas ‘naives’ (ingênuas)
sobre a natureza do conhecimento científico.
1.4. Concepções de estudantes sobre a natureza da
‘matéria’
De Posada (1999), ao investigar concepções de alunos sobre ligações químicas, antes, durante e depois do ensino formal, identificou problemas de aprendizagem em decorrência de inúmeros fatores de natureza cognitiva, conceitual. Além disso, um aumento progressivo de estudantes de química, de idades entre 15 e 18 anos que utilizavam um sistema de partículas discretas para os gases. Alguns deles aplicavam claramente noções macroscópicas ao mundo atômico (p.239). Concluiu que as idéias macroscópicas dos estudantes guiavam suas predições levando-os a resultados incorretos - uma tendência que segundo o pesquisador diminuía na medida que aumentava o nível de estudo da química.
Em nossos estudos no campo das ciências biológicas, verificamos que estudantes que ingressavam na universidade representavam a estrutura viva ‘membrana plasmática’, comparando-a com objetos do cotidiano ("peneirinha", "veuzinho furadinho") e explicam a funcionalidade dessa estrutura (semi-permeabilidade) com afirmações de caráter animista: "a célula absorve o que é útil e excreta o que é tóxico" (Villani, 1999) .
De acordo com Banet e Nunes (1989), Correia e Martins (1998), e ainda, Serrano (1987) e Caballer e Giménez (1992, 1993) citados por Palmero (1998), idéias alternativas sobre estruturas e fenômenos biológicos são comuns entre estudantes de nível médio de escolaridade e fortes indícios da ausência de significados sobre a natureza físico-química da matéria viva.
Orborne e Cosgrove (1983) analisaram concepções de estudantes relacionadas com fenômenos naturais tais como a mudança de estados físicos da água (evaporação, ebulição e liquefação) e concluíram que crianças de várias idades podem apresentar idéias semelhantes. Além disso, que a freqüência de determinadas idéias pode variar nas diferentes faixa etárias, que tais idéias podem ser mantidas sob influência diferentes do ensino da ciência.
Autores como Bar e Travis (1991) e Bar e Galili (1994) mostraram em seus estudos a complexidade da aprendizagem da ciência em virtude de características cognitivas específicas. Ao investigarem idéias de sujeitos a respeito de "evaporação" em contextos diferentes, utilizaram como contexto de observação "roupas na varal" e "água fervendo em uma panela". Concluíram que a mudança desse conceito dependia de vários fatores entre eles a idade, a noção de conservação da matéria e conceitos prévios tal como e de ebulição.
Bar e Galili (1994) analisaram e escalonaram a mudança das idéias de crianças israelitas na faixa etária de 5 a 14 anos sobre a evaporação, além da influência de determinados fatores como, por exemplo, o contexto, e ainda, a influência da utilização de testes de avaliação de conceitos. Encontraram correlação entre o desenvolvimento cognitivo das crianças e o uso de princípios de conservação, além da adoção de um modelo abstrato.
Os resultados desses estudos, além de tantos outros que tratam da aprendizagem da ciência por mudança conceitual, são indicativos da complexidade deste processo sob influência de fatores cognitivos pessoais de naturezas diversas e de fatores externos, entre eles, a própria organização do ambiente de aprendizagem conforme lembra Hashweh (1986) ao afirmar:
Estudos a respeito de conhecimentos alternativos de professores e estudantes como os mostrados aqui, considerados fatores influência no ensino e na aprendizagem da ciências, têm sido desenvolvidos desde a década de 70. Seus resultados são fortes indicativos de que o aumento do nível de cientificidade do conhecimento humano não decorre necessariamente de graus mais elevados de escolaridade.
O modo de ensinar ciências, pouco científico, alternativo, pode explicar, pelo menos em parte, dificuldades de aprendizagem de estudantes. Além disso e pelas mesmas razões, a ineficiência da formação dos professores na reversão das condições de aprendizagem da ciência.
A coexistência de conceitos alternativos e de dinâmicas de ensino e aprendizagem entre alunos e professores e administradores escolares, conforme mostramos aqui, configura uma realidade de formação pouco favorecedora à aprendizagem da ciência e à superação de dificuldades de aprendizagem do próprio sistema de ensino.
Assim sendo e considerando-se que são aspectos científicos culturais (modos de pensar, de agir e de comunicar idéias, e ainda, de administrar o sistema de ensino) que influenciam a organização do contexto de aprendizagem da ciência, é possível afirmar que "parte da dificuldade na explicação de conceitos científicos advém do fato de que aprender ciências envolve não só alargar os horizontes de percepção e adquirir novos conhecimentos e informações, mas principalmente passar a conceber o mundo físico de forma diferente e vislumbrar outras dimensões da relação entre o homem e a natureza" (Martins et al.,1999, p.30).
Por outras palavras que sendo a aprendizagem da ciência um fenômeno multicausal, influenciado por capacidades individuais e coletivas, por linguagens e práticas cotidianas, desenvolve-se sob influência de imagens e representações de mundo natural e social.
A adoção estratégias de ensino
visando a transformação de concepções e representações,
norteadas de uma Nova Filosofia da Didática da Ciência,
mais centrada na importância do seu ensino, no reconhecimento
da crise da escola (Cachapuz,1997), impõe o reconhecimento de relações
entre produção científica e o processo da sua socialização,
e ainda, reflexos destas relações na qualidade de vida em
sociedade impossíveis de ocorrer com a manutenção
da lógica tradicional de aprendizagem institucional.
O envolvimento de todos (professores, escolares
e demais profissionais) em situações de aprendizagem por
partilha, em vivências de metodologias de ensino socialmente contextualizadas
transdisciplinares, pode ser uma estratégia eficaz de educação
e de profissionalização de professores, em serviço,
sobretudo de professores da educação básica, ao aproximar
seus saberes àqueles produzidos em campos científicos de
difícil acesso – uma proposta que encontra sustentação
em resultados de estudos como os mostrados aqui e em pelo menos duas evidências:
Em razão do que expomos e considerando os resultados de estudos como os aqui mostrados, acreditamos que em momento de conscientização de diferenças culturais econômicas e de desenvolvimento científico e tecnológico, cada vez mais profundas entre continentes e entre regiões do próprio país, acreditamos ser necessário romper a tradição da gestão da aprendizagem escolar e da formação apenas na lógica da instituição, do título e do diploma, e centrar esforços na legitimação de conhecimentos humanos por meio de caminhos inovadores: novas condições sociais de ensino, de aprendizagem e de vida em sociedade.
Justifica um projeto dessa natureza a própria condição social do país, periférica, em desenvolvimento, com baixo nível de cientificidade (de escolarização da população em geral), má distribuição de rendas e um número reduzido ainda de pessoas no sistema de produção qualificada de bens do qual depende a qualidade de vida em sociedade (exercício da autonomia e do direito de viver coletivamente num mundo globalizado).
Estas condições sociais impõem estratégias de educação que vão além de Programas de Formação/profissionalização à distância, por meio de vídeo-conferências, sem levar em conta saberes e práticas pedagógicas alternativas mantidas em função de culturas pedagógica tradicionais (por exemplo, ensino por exposição de conteúdos disciplinares). Ou seja, impõem propostas não mais justificadas em razão do grande número de professores com baixo nível de escolaridade[1] mas de necessidades reais de aprendizagem, conforme mostram resultados de estudos à luz de teorias de aprendizagem cognitivistas, de índole sócio-construtivista. Além disso, entendendo que sendo a formação profissional um processo lento, dependente da construção de competências específicas, sob influência do contexto social e da condição de vida em sociedade, reverter um processo de formação não será com dia e hora marcados e sim por meio da construção de novas competências de aprendizagem.
Por outras palavras, que embora nas sociedades modernas a educação formal seja um processo institucionalizado, sendo fruto de aprendizagens, atributo humano que, de certa forma, depende de capacidades individuais que se desenvolvem no dia a dia de vida, informalmente, sob égide pessoal, não depende de títulos e de diplomas - um pressuposto já legitimado em resultados de estudos no campo das ciências da Educação e que justifica a importância de investimentos públicos também em educação informal visando o desenvolvimento de culturas científicas tão necessárias à aprendizagem da ciência quanto o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.
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[1] Em São Paulo são
aproximadamente 80 000 professores que atuam nas séries iniciais
com escolaridade em nível médio. Nas regiões Norte
e Nordeste do país 40% dos professores que lecionam
nas série iniciais são leigos.