CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE FÍSICA PARA DEFICIENTES VISUAIS, DE ACORDO COM UMA ABORDAGEM
SÓCIO-INTERACIONISTA


Eder Pires de Camargo
Faculdade de Educação - Unicamp
R. Bertrand Russel, nº: 801, Cidade Universitária "Zeferino Vaz"
Cep: 13083-970, Campinas - São Paulo – Brasil
elinho@lpnet.com.br



Resumo

    Centrado no fato de que situações cotidianas estão repletas de experiências, e de que tais experiências mediam o contato entre os indivíduos com o mundo social e físico, produzem seu desenvolvimento e fazem com que esses indivíduos busquem argumentos e explicações para a realidade que os cercam, está fundamentada a discussão deste texto. Desta forma, busca-se em relação à uma pessoa deficiente visual, valorizar suas diferenças de percepções da realidade física, e acentuar a importância da interação social na construção do conhecimento, e em particular, do conhecimento de fenômenos físicos. Para tanto, apresentar-se-á análises de trechos selecionados de entrevistas concedidas por indivíduos cegos, acerca de movimento em física, e se procurará fundamentar tal análise em um referencial sócio-interacionista.
 


Abstract

    Daily situations are full of experiences which keep people in contact with the physical and social world in order to develop their personality. Through these experiences the individuals can make questions and search for explanations about reality. On the basis of this, the aim of this work is to discuss the need for giving more attention to the differences between the perceptions of reality of blind people and emphasizing the importance of the social interaction in the construction of knowledge, especially the knowledge of physical events. An analysis of some interviews about this subject given by blind people will be presented as an argument. This analysis is based on a social-interactionist point of view.



I. Introdução

    Um grande número de estudos sobre o desenvolvimento cognitivo, sugere que a capacidade das pessoas deficientes visuais para ouvir e se comunicar oralmente, tem permitido que desenvolvam as suas potencialidades intelectuais, o suficiente para terem um desempenho dentro das normas nos testes padronizados. Apesar da ausência de visão provocar significativas mudanças nas relações dos indivíduos com os meios social e físico, a presente dificuldade em questão, não pode ser encarada como fator incapacitador e/ou excludente, pelo contrário, deve ser explorada e considerada como um diferenciador capaz de fornecer informações sobre a realidade física. Como aponta Masini (1994), ao se excluir a observação visual de um indivíduo, uma outra maneira de perceber o mundo aparece e com ela, conceitos, valores e crenças se impõem em nome da ciência. No mundo dos videntes, como não poderia deixar de ser, a fala dominante é a dos mesmos. Seria absurdo negar esse fato. Antes, ele deve ser considerado para que se possa identificar os conceitos, valores, definições do senso comum ditados pelo sentido da visão, pois este, quando utilizado como referencial único na educação do deficiente visual, bem como do vidente, impede-os de compreender, levando-os a uma aprendizagem mecânica.

    Merleau-Ponty, (1971) afirma que cada um sabe do mundo a partir de sua observação pessoal ou de sua experiência, sem a qual os símbolos da ciência nada significariam. Não obstante, de acordo com Masini (op. cit.), a observação das descrições de fenômenos feitas com palavras do cotidiano, por indivíduos cegos, revelam uma "consciência ingênua", e é uma das condições para se chegar ao fenômeno (aquilo que se mostra), pois é uma consciência anterior a qualquer classificação ou explicação.

    Neste artigo, serão analisados alguns trechos de entrevistas concedidas por indivíduos cegos, com a perspectiva da compreensão de suas experiências observacionais, e de como tais experiências juntamente com interações sociais, contribuem na construção do conhecimento de conceitos físicos, especificamente de conceitos ligados ao repouso e ao movimento dos objetos. Desta forma, de acordo com um referencial sócio-interacionista, a cegueira será enfocada no sentido de suas contribuições, já que tal "deficiência", é capaz de fornecer outros aspectos da realidade, aspectos estes, que podem e devem ser utilizados como fator mediador na educação do deficiente visual, bem como, do vidente.


II. Visão Psico-Social da Deficiência Visual

    A questão da deficiência tem gerado uma problemática que somente pode ser compreendida e elucidada às suas dimensões bio-físico-sociais. Entretanto, a ênfase dada ao fenômeno concernente a deficiência, tem recaído sobre a sua dimensão biológica ou física, desconsiderando-se, portanto, a dimensão social que mantém estreitas relações com o problema da excepcionalidade. Sob este contexto, o quadro do desenvolvimento mental de uma pessoa portadora de deficiência está intimamente ligado com as relações sociais que a mesma mantém em seu cotidiano. Segundo Leontiev et. al. (1988), durante o desenvolvimento da criança, sob a influência das circunstâncias concretas de sua vida, o lugar que ela objetivamente ocupa no sistema das relações humanas se altera. Evidencia-se aqui as importâncias de ouvir, enxergar, sentir, falar, como pré-requisitos fundamentais para o desenvolvimento global de um ser humano, já que a ausência parcial ou total de um desses quesitos, ou seja, a presença de uma "deficiência", estabelece alterações no comportamento social desses indivíduos.

    Não obstante, Leontiev et. al. (op. cit), apontam que uma criança reconhece sua dependência social diretamente. Ela tem de levar em conta as exigências, em relação ao seu comportamento, das pessoas que a cercam, porque isto realmente determina suas relações íntimas, com essas pessoas. Segundo o mesmo autor, a infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade humana que cerca a criança, abre-se cada vez mais para ela. Dessa forma, um aspecto a ser discutido, refere-se ao questionamento de que a presença de alguma "anormalidade" física, devido às suas implicações sociais demonstra ser um fator importante no desenvolvimento de um ser humano. Vigotski (1997), ao analisar o problema, sugere que a cegueira age de uma certa forma como uma "força" que faz manifestar as capacidades de um indivíduo. Em seu ensaio "O menino cego", trata a questão em três etapas (mística, biológica e científica ou sócio-psicológica).

    A etapa mística engloba a Antigüidade, a Idade Média e uma grande parte da História Moderna e pode ser caracterizada pela visão mística, superficial e preconceituosa a respeito do cego. A cegueira é associada com infelicidade, invalidez, medo supersticioso e grande respeito. Paralelamente à idéia de invalidez, aparece a idéia de que nos cegos se desenvolvem as forças místicas da alma, como um acesso à visão espiritual. É neste período histórico que surgem as tradições acerca do cego, como o guardião da sabedoria popular, os cantores e os profetas. Homero era cego, e existe na literatura a suposição de que Demócrito se cegou para dedicar-se à filosofia. Este acontecimento serve para exemplificar a relação mística estabelecida nesta época entre o dom filosófico e a cegueira. Talmud (Apud. Vigotski, 1997) comparou os cegos, os leprosos e os estéreis aos mortos e ao referir-se a eles utilizava a expressão eufemística: "Pessoas com abundância de luz".

    Pode-se afirmar que graças a essa tradição, ainda hoje a cultura popular entende o cego como uma pessoa que possui visão interior dotada de conhecimento espiritual, não acessível a outras pessoas. O cristianismo variou o conteúdo moral dessa essência, mas deixou invariável a própria essência e nisso se baseou o dogma principal da idade média acerca dos cegos, isto é, a crença na idéia de que para toda classe de sofrimento e privação atribuir-se-ia um valor espiritual, pobreza terrestre - riqueza com Deus, corpo débil - espírito elevado, aproximação do cego à Deus. Nenhum desses pontos de vista surgiram da experiência, ou do testemunho e muito menos da investigação, mas de teorias sobre o espírito e a fé.

    A etapa biológica surge a partir do século XVIII com uma nova compreensão da cegueira. O misticismo é substituído pela ciência e o preconceito por experimentos e estudos. Esta nova fase incorporou o cego ao ensino e ao estudo, baseava-se na substituição de órgãos do sentido, como no caso dos órgãos pares rins e pulmões, isto é, na ausência ou não funcionamento de um deles, o outro exerceria suas funções. Lendas baseadas em observações verdadeiras, porém mal interpretadas sobre agudeza do tato, super audição, natureza perfeita "que tira com uma mão e dá com a outra" e atribuição de um sexto sentido aos cegos, são caracterizadoras desta etapa.

    Bürklen (Apud. Vigotski, 1997), reuniu alguns autores que desenvolveram uma nova idéia frontal à já estabelecida: indicavam como um fato irrevogável que nos cegos não existe o desenvolvimento super - normal das funções do tato e da audição, pelo contrário, com muita freqüência estas funções se apresentam nos cegos menos desenvolvidas do que nos não cegos. Fenômenos como o da agudeza tátil nos cegos não surge da compensação fisiológica direta do defeito da vista, mas sim, de uma via indireta, muito complexa da compensação sócio - psicológica geral, em outras palavras, segundo afirmação de Luzardi (Apud. Vigotski, 1997), o tato ou a audição nunca ensinarão o cego realmente a ver. Portanto, conforme assinala Vigotski (1997), é preciso compreender a substituição, não no sentido de que outros órgãos assumam diretamente as funções fisiológicas da vista, mas sim, no sentido da reorganização complexa de toda a atividade psíquica, provocada pela alteração da função mais importante e dirigida por meio da associação da memória e da atenção, ou seja, a criação de um novo tipo de equilíbrio do organismo em função do órgão afetado.

    A superação da convicção biológica ingênua que se mostrou incorreta representou um grande avanço em direção à "verdade". Pela primeira vez, partindo da observação científica com o critério experimental, se abordou o fato de que a cegueira não é só um defeito, uma deficiência, mas também incorpora várias forças e novas funções à vida e à atividade, motivando um certo trabalho criador orgânico. Com o surgimento do Braille, o cego passou a ter acesso à educação e isto foi de valor inestimado, já que um ponto do sistema Braille se mostrou mais importante para o cego, que mil obras de caridade. A possibilidade de ler e escrever resultou ser mais importante do que o sexto sentido ou a agudeza do tato e do ouvido. Haüy (Apud. Vigotski, 1997), assinalou "encontrarás a luz no ensino e no trabalho". Ele viu no conhecimento e no trabalho a solução da tragédia da cegueira. A época de Haüy deu aos cegos o ensino, a atual deve dar o trabalho.

    Foi na idade moderna, após a superação das visões mística e biológica - que até então se apresentavam como modelo de interpretação acerca do indivíduo cego - pela psicologia social da personalidade que a ciência se aproximou do domínio da "verdade" sobre a psicologia da pessoa cega. Tem-se aqui caracterizada a etapa científica ou sócio-psicológica. Segundo as palavras de Vigotski (1997), fica claro a nova linha de abordagem que se segue: "Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não cumpre seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do mesmo, criando sobre este ou sobre a função, uma superestrutura psíquica que tende a assegurar o organismo no ponto débil ameaçado. A luta criada entre o indivíduo cego para se estabelecer socialmente, poderá levá-lo a atingir dois extremos. Um desses extremos, ou seja, a vitória do organismo pela super compensação, não indica apenas a superação das dificuldades originadas pelo defeito, mas também o seu próprio desenvolvimento é levado a um nível superior, criando do defeito, uma capacidade; da debilidade, a força; da baixo estima, a auto estima. O segundo extremo é o fracasso da super compensação. Seria ingênuo pensar que qualquer enfermidade termina em êxito e que todo defeito se transforma felizmente em um talento, portanto, segundo Vigotski (1997), o fracasso da super compensação leva à vitória total do sentimento de debilidade, ao caráter associal da conduta, à criação de posições defensivas a partir de sua debilidade, à loucura, à impossibilidade da personalidade de ter uma vida psíquica normal, e à neurose. Ainda de acordo com a mesma abordagem, a essência desse novo ponto de vista reside na tendência da superação do conflito social por parte do indivíduo pela super compensação. Essa tendência está dirigida à formação de uma personalidade de pleno valor no aspecto social, isto é, a conquista da posição na vida social. Portanto, não é o tato nem o ouvido que se desenvolvem a mais nos indivíduos cegos, mas sim, com a finalidade de vencer o conflito social, toda personalidade é abrangida, começando por seu núcleo interno com a tendência não de substituírem a vista, mas de vencer pela super compensação.


III. Cegos não sentem sua cegueira

    Contra a opinião comum de que o cego se sente submergido na escuridão devido à sua cegueira, alguns psicólogos assinalaram que o mesmo não percebe em absoluto seu defeito físico. Nas palavras de Biriliev (Apud. Vigotski,1997), cego altamente instruído, pode-se observar um exemplo: "Eu não posso sentir diretamente meu defeito físico". Nesta perspectiva, os cegos não percebem a luz da mesma maneira que os que enxergam com os olhos tapados a percebem, isto é, eles não sentem e nem experimentam diretamente que não têm vista, portanto, a capacidade para ver a luz tem um significado prático e pragmático para o cego e não um significado instintivo - orgânico, o que significa que eles sentem seu defeito de um modo indireto, refletido unicamente nas conseqüências sociais.

    Leontiev et. al. (1988), apontam que "embora os conceitos e os fenômenos sensíveis estejam inter-relacionados por seus significados, psicologicamente eles são categorias diferentes de consciência". Esta idéia está embasada no conceito de funções psicofisiológicas, que vêm a ser as funções fisiológicas do organismo. O grupo inclui as funções sensoriais, as funções mnemônicas e as funções tônicas. Nenhuma atividade psíquica pode ser executada sem o desenvolvimento dessas funções que constituem a base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações, experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a "matéria subjetiva", por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da representação do mundo na consciência humana. Portanto, de acordo com Leontiev et. al. (op. cit.), "se mentalmente excluirmos a função das cores, a imagem da realidade em nossa consciência adquirirá a palidez de uma fotografia branca e preta. Se bloquearmos a audição, nosso quadro do mundo será tão pobre quanto um filme mudo comparado com o sonoro. Todavia, uma pessoa cega pode tornar-se cientista e criar uma nova teoria, mais perfeita, sobre a natureza da luz, embora a experiência sensível que ela possa ter da luz seja tão pequena quanto aquela que uma pessoa comum tem da velocidade da luz."


IV. Aspectos gerais da teoria sócio-interacionista

    A fim de embasar a discussão da importância da interação social entre videntes e cegos no processo de ensino-aprendizagem, apresentar-se-á abaixo, uma síntese da teoria sócio-interacionista desenvolvida por Lev Semyonovitch Vygotsky.

    A teoria sócio-interacionista desenvolvida por Vygotsky, teve por objetivo principal, construir um modelo fundamentado no marxismo. Segundo a interpretação marxista acerca da condição humana, um dos principais fatores que difere o homem dos outros animais, é que através do trabalho, ele, o homem, adapta o meio às suas necessidades. Vygotsky como marxista, acreditava que o homem, exibe características ativas sobre o meio, e como evidência desse fato, apresenta uma série de marcas, que o distingue dos outros seres vivos.

    Atividade associada: O homem é um dos poucos organismos que se associam pelo trabalho.

    O homem planeja: O homem é o único ser que planeja seu trabalho tanto individual quanto coletivo.

    O homem é o que mais apresenta as possibilidades de linguagem: É importante ressaltar que a linguagem não se constitui apenas na fala, sempre que há conteúdo em uma forma, tem-se um certo tipo de linguagem.

    Assumindo por pressuposto que o homem enquanto ser psicológico, se constitui a partir da cultura, o objetivo da teoria psicológica de acordo com esta abordagem, é descrever os meios pelos quais os chamados processos naturais, ou aqueles processos que são frutos da filo-gênese, dos quais destacam-se a maturação, o sistema nervoso, os sistemas sensoriais, se mesclam com os processos culturais para produzirem as funções superiores. Em linhas gerais, a teoria de Vygotsky, procurou enfocar, como o homem enquanto ser filo-genético, biológico, se mescla ou interage com os níveis culturais, constituindo-se assim, numa síntese, num ser psicológico, e consciente.

    O objeto de estudo de Vygotsky, foram as funções superiores que caracterizam o funcionamento psicológico humano. Tais funções podem ser identificadas pelas ações conscientemente controladas (o comportamento consciente), a atenção voluntária, a memória ativa, (a memória criada, utilizada por signos), o pensamento abstrato, e o comportamento intencional. Portanto, uma das idéias principais desenvolvidas nesta teoria, é que o comportamento, ou que a atividade humana deve ser entendida, em função das condições concretas de vida, e não das condições genéticas pré estabelecidas. Radical a favor da negação das concepções inatistas, para ele, o homem se constitui enquanto ser psicológico, na relação concreta da socialização humana, e desta forma, não há pré determinações ou funções pré existentes como as invariantes piagetianas; Rappaport(1981). A partir da carga biológica, o indivíduo se constitui em função da cultura. O sujeito elabora suas formas de ação conscientes, através das relações sociais, ou seja, o indivíduo se constitui na cultura, nas relações sociais que a cultura possibilita. A ação do sujeito, é analisada a partir da ação entre sujeitos, isto é, todas as funções primeiro ocorrem nas relações entre sujeitos, inter-sujeitos (externas), e depois ocorrem em termos intra (internas).

    A teoria de Vygotsky pode ser representada em termos de três idéias centrais, descritas a seguir:

    Primeira: As funções psicológicas superiores, tem suporte biológico, pois, são produtos da atividade cerebral.

    São as estruturas biológicas, o suporte a partir do qual, as estruturas psicológicas, se formam e se constituem, e são produtos da atividade cerebral. O homem é o único ser vivo, que apresenta um sistema nervoso aberto, cujas principais características são a plasticidade, e a adaptação.

    Segunda: O funcionamento psicológico, fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, desenvolvendo-se, em um processo histórico.

    A partir da idéia de que o homem é um ser biológico, o mesmo, se transforma em ser sócio-histórico através da cultura, e é isto que constitui , a chamada "condição humana". Vygotsky, não aceita o conceito de "natureza humana", o que ele defende, influenciado pelo marxismo, é a "condição humana", já que esta é construída a partir das relações sociais. Como nas relações sociais não há estaticidade, da mesma maneira o homem não é fixo, ou seja, o fato do homem se constituir em termos sócio-histórico, significa dizer que ele é marcado pela questão da história, cujo carater é dinâmico.

    Terceira: As relações homem-mundo, são mediadas por sistemas simbólicos.

    A relação do homem com a sociedade, ou do homem com os objetos culturais, e físicos, nunca é direta, é sempre mediada por um conjunto de símbolos. Por este motivo torna-se fundamental a participação do objeto, que pode ser uma pessoa, um livro, um texto, etc, e sendo assim, a partir das respostas naturais, é pela mediação do outro, que os chamados processos inter-psíquicos, se transformam em processos intra-psíquicos.

    Portanto, de acordo com a teoria sócio-histórica, o chamado plano inter-subjetivo, está na gênese da atividade individual. O plano inter-subjetivo, aquele que ocorre entre os sujeitos, está na origem da constituição do mesmo. Este plano, participa da construção das formas de ação autônomas. A noção de autonomia, no lidar com os conteúdos culturais, é um dos critérios de análise utilizados pela teoria de Vygotsky. Em suma, dentro da visão sócio-histórica, o sujeito, se por um lado não é simplesmente moldado pelo meio, por outro, a gênese do conhecimento não se baseia apenas nos recursos puramente individuais. Nesta perspectiva, o indivíduo não é totalmente produto do meio, e nem puramente produto exclusivo da elaboração interna. Pode-se dizer, que na visão social histórica, o sujeito não é nem só ativo, e nem só passivo, ele é interativo, pois, a base toda do processo, está no plano interativo. Esta é a postura sócio-interacionista, isto é, aquela que defende que o conhecimento é construído na interação sujeito-objeto, porém, tal interação é sempre socialmente mediada.


V. Análise de Trechos que Revelam Aspectos Observacionais não Visuais

    Com o objetivo de uma análise centrada nas relações social e física de deficientes visuais, serão enfocados abaixo, trechos extraídos das entrevistas de três sujeitos cegos de nascimento, realizadas em Camargo, 2000. No referido estudo, identificou-se um grupo de convicções expressas por seis sujeitos cegos de nascimento, acerca de repouso e movimento dos objetos e procurou-se estabelecer uma relação dessas concepções alternativas com as de pessoas videntes, bem como com o modelo físico de movimento proposto por Aristóteles e por seus críticos medievais – impetus; (Franklin, 1978). Concluiu-se que embora cegos, suas convicções de repouso e movimento assemelharam-se à de pessoas não cegas e consequentemente obedeceram ao modelo aristotélico de movimento (Stinner, 1994). Nos fragmentos abaixo, se identificarão os sujeitos cegos pelas siglas, S2, S3, e S6 e o entrevistador pesquisador, pela sigla E. Cabe ressaltar que para este artigo não foram selecionados trechos de entrevistas com os sujeitos S1, S4 e S5, por motivos de adequação e contexto temático.

    De acordo com as análises de experiências não visuais vivenciadas pelos sujeitos, destacamos para S2, dois trechos que, pela ordem, nos fornecem uma informação obtida pelo sujeito, resultado de interações sociais, especificamente de um ditado popular e uma descrição apresentada por S2 para o que acontece com uma bola de futebol quando cai na piscina.

    No trecho "Meu pai dizia um ditado: Do chão não passa" aparece uma influência direta das interações sociais, ou seja, das informações que um indivíduo cego obtém de determinados fenômenos, através do diálogo, ou neste caso, de um ditado popular. S2, afim de explicar porque uma bola lançada pára em um determinado obstáculo, recorre a este tipo de experiência e não a argumentos próprios ou de ordem sensoriais.

S2: Caiu na mesa.

E: Por que ela não passou da mesa?

S2: Meu pai dizia um ditado: Do chão não passa.

    Os outros dois trechos descritos abaixo, revelam algo curioso ao que se refere às experiências de S2. Ele afirma nunca ter vivenciado tal experiência, no entanto, propõe explicações e descrições para o fenômeno de jogar uma bola de futebol numa piscina.

E: E se jogar a bola na água?

S2: A bola não afunda. Eu nunca joguei não, mas eu acho que a bola não afunda.

S2: Eu acho que ela bóia, mas eu nunca joguei uma bola na piscina.

    Se ele nunca jogou uma bola na piscina, provavelmente S2 descreveu que ela não afunda baseando-se em outras experiências, talvez de entrar numa piscina, ou de nadar usando uma bóia, ou em informações de outras pessoas, no entanto, S2 descreveu o fenômeno - que a bola não afunda - e isto é claro para ele. Vejamos o trecho abaixo em que S2 descreve o movimento da bola sobre a água:

S2: Eu também não sei como explicar, só sei que ela fica em cima da água rolando.

    Notemos que embora S2 não saiba explicar o porquê da bola flutuar sobre a água, ele sabe que ela flutua e sugere que ela fica rolando, algo que realmente pode ocorrer, mas que é observado principalmente por estímulos visuais, já que do ponto de vista tátil, se você coloca a mão sobre uma bola rolando em cima da água, ela na maioria das vezes pára de rolar, e portanto, tal observação poderia ser prejudicada por este fato.

    Outro tipo de experiência, observada nas entrevistas com S3 e S6, foi a relacionada com aviões. No segmento abaixo, retirado da entrevista com S3, podemos observar um grande esforço do sujeito para descrever sua experiência não visual de andar de avião. O texto é um pouco confuso, contém ambigüidades freqüentes, mas nos parece ser útil por revelar a forma que S3 imagina o avião voando, de acordo com uma perspectiva de alguém que não enxerga.

E: Na sua opinião, o avião tem alguma coisa que liga ele ao solo, que sustenta ele no chão ou ele fica flutuando?

S3: Eu acho que é como se tivesse, por exemplo: um negócio, ai, em cima tem um avião, ai um negócio sai de cima desse negócio e vai saindo.

E: Como que é? Você tem um avião...

S3: Ai o avião sai assim, sobe de um lugar que ele tá, que ele tava sustentado, ele vai e sobe assim, mas acho que deve ter alguma ligação com alguma coisa aqui que fica parado, que não movimenta junto com ele, que ele flutua sozinho, eu acho...

    No trecho descrito acima, deu-nos a impressão, que S3 acredita que o avião esteja ligado a algo na Terra, e que este algo, não o deixa cair. Vejamos a continuação do diálogo:

E: Por exemplo, se essa bola fosse o avião. Você acha que tem alguma coisa que liga o avião, como o seu braço que segura a bola?

S3: Não, eu acho que ele vai continuar, tipo assim, ele vai continuar voando sustentado pela aqui (S3 segura a bola com a mão e a desloca para frente na horizontal), mas acho que meu braço não vai fazer isso (S3 levanta o braço e suspende a bola obliquamente)

E: Você acha que tem alguma coisa embaixo que sustenta ele?

S3: Sei lá, não faço a menor idéia, pode ser... ou então o peso, alguma coisa aqui nele assim (S3 indica embaixo da bola). Aí ele vai subindo, tem um negócio que... sei lá, não entendo nada de avião.

    Aqui fica claro a grande dificuldade que S3 encontra para expressar sua idéia do vôo de um avião. O que ele sabe, de acordo com informações orais, é que o avião voa, no entanto, o que significa isto para ele? Neste caso, como S3 não enxerga, a sensação tátil na subida ou na descida do avião, ou até nas turbulências, fizeram com que ele percebesse que o avião se afastava ou se aproximava do chão, ou mesmo que estava em movimento como ele mesmo descreve a seguir:

E: Mas você já andou de avião?

S3: Já.

E: Muito?

S3: Muito não, mais ou menos. Eu só andei duas vezes, mas já foi suficiente. Também onze horas dentro do avião... e quando dá turbulência então...

E: Fica tudo tremendo?

S3: Tipo assim, você tá aqui, ele faz assim (move a bola para cima e para baixo). Ai dá um medo...

    Já S6, descreve suas experiências acerca do avião, embora nunca tivesse andado em um.

E: Já ouviu falar no avião. Avião cai no chão?

S6: Cai (provavelmente deve ter ouvido na televisão a informação da queda de alguns aviões).

E: O que você imagina quando falam no avião pra você?

S6: Eu nunca andei de avião.

E: Mas o que é o avião?

S6: O avião é um objeto grande que faz um barulho (experiência auditiva). S6 pode ter observado auditivamente, aviões voando sobre si, já que o lugar onde ele estuda fica perto do aeroporto)

E: Qual a função do avião?

S6: É voar.

E: O que é voar, pra você?

S6: Voar significa fazer isso aqui pra cima (levanta as mãos) e pra baixo (abaixa as mãos).

E: Como ele tá?

S6: Ele tá aqui embaixo. Pra decolar, ele vai fazer isso aqui (levanta as mãos). Aí ele vai lá pra cima, então pra ficar em cima mesmo, tem que voar.

E: Você acha que o avião vai pra frente, pra trás, ou ele só vai pra cima e pra baixo?

S6: Ele tem alguma coisa também que pode até virar no ar. Mas pra frente tem que pular.

E: Por que você acha que ele não cai no chão?

S6: Porque ele tá firme lá em cima.

E: Quem segura ele?

S6: O piloto.

E: Mas o piloto fica onde? Dentro ou fora?

S6: Tem as asas também, as asas seguram bastante firme.

E: Mas as asas se apoiam onde pra segurar ele?

S6: Isso que eu não sei, não posso explicar pra você essa ai.

    No trecho descrito acima, voar, é sinônimo para S6, de não estar no chão e isto pode ter sido observado por ele, auditivamente. O que é certo, é que S6, assim como S3, não tem claro em suas representações de fenômenos, o fenômeno voar.

    O trecho a seguir, apresenta-nos uma descrição feita por S3 para a trajetória de uma bola e uma folha de papel aberta que caem. Tal explicação surgiu durante a realização do experimento queda da bola e da folha de papel aberta simultaneamente e mostra de início a dificuldade que o sujeito apresentou para entender o que queríamos que ele fizesse, ou seja, abandonar da mesma altura e ao mesmo tempo, a bola e a folha de papel aberta, já que, a primeira vez que realizamos o experimento, S3 lançou para cima os dois objetos, de tal forma que a bola, na volta, atingiu seu ombro, fazendo com que ele concluísse, a princípio, a partir de estímulos auditivos e táteis, que apenas um objeto chegava ao solo, o que não ocorreu, pois ao arremessar as duas para cima, a bola ganhou uma altura maior que a folha de papel aberta e consequentemente, demorou um tempo maior para chegar ao solo, tempo este que era aproximadamente igual ao da folha de papel aberta. S3 não era capaz de enxergar a trajetória da bola e nem a da folha de papel. A observação do fenômeno, neste caso, para S3, foi feita através do estímulo tátil, quando a bola toca em seu ombro e do auditivo, quando a bola e a folha de papel chegam ao solo.

E: Se você quiser, você pode soltar, mas tem que ser ao mesmo tempo.

S3 arremessa os dois objetos para cima e a bola atinge uma altura maior do que a folha de papel de tal maneira que, ao descer, resvala no ombro de S3 e acaba chegando ao solo quase junto com a folha de papel.

S3: Caiu só uma... A bola bateu aqui em mim (no ombro) e caiu.

E: Tenta soltar sem jogar para cima.

S3 repete a experiência abaixando os braços

E: Quem chegou primeiro?

S3: Não sei, acho que a bola chegou primeiro.

E: Por que você acha que a bola chegou primeiro que a folha?

S3: Não sei, acho que a bola é mais pesada Porque tipo assim, você solta uma folha, ela voa bastante e cai, entendeu?

E: E a bola já vai direto?

S3: É já vai direto. Porque, tipo assim, as vezes as folhas voa, as minhas folhas da carteira vuuummm... (E S3 faz com as mãos um movimento tipo ondulatório) Agora, se fosse uma bola, ela não ia voar, mas se soltar ela ia cair, porque ela pesa.

    O interessante no trecho acima, é a descrição feita por S3 da trajetória da folha, inclusive recorrendo a uma experiência vivida por ele na escola, que suas folhas de papel voam quando caem de sua carteira. Como S3 não enxerga, os tipos de experiências sensoriais que poderiam fornecer informações ao sujeito acerca da trajetória da folha de papel aberta quando cai, reduzem-se a observações auditivas e táteis, ou na suposição de que alguém tenha dito a S3, que a folha de papel exibe determinado tipo de comportamento em sua trajetória durante a queda, o que particularmente nos parece ser inviável, pois se observarmos o contexto do diálogo, é S3 quem fornece a explicação e quem sugere o exemplo da trajetória da folha de papel aberta e isto é resultado de suas experiências individuais, de suas observações, que não são visuais, mas que levam a uma descrição do fenômeno.


V. Conclusões

    Como se pode notar nas descrições feitas acima, outros estímulos sensoriais, além do visual, são responsáveis pelo conjunto de experiências vivenciadas por um indivíduo. Observações como tocar ou lançar um objeto, ouvir impactos, ruídos, sentir o vento, ouvir alterações na freqüência de um som proveniente de uma fonte móvel, som à distância, entre outras, (Camargo, Scalvi e Braga, 2001), representam para um indivíduo cego sua base de referências e levam-no à construção de modelos explicativos de fenômenos que estão acontecendo ao seu redor. Um indivíduo cego, observa através de estímulos táteis e auditivos, uma grande quantidade de fenômenos relacionados a repouso e movimento, contudo, deixa de observar outra grande parte, porém, os fenômenos que por eles são observados, conduzem-no a formação de modelos e esses modelos, são utilizados por eles na explicação dos fenômenos não observados; (Camargo, Scalvi e Braga, 2000). Por algumas vezes notou-se que a descrição de determinados eventos, por parte do indivíduo cego, fica limitada ou influenciada pelas informações provenientes de outras pessoas, contudo, ao que se refere às explicações ou previsões desses fenômenos, o comportamento do cego está totalmente relacionado ao seu modelo, e esse modelo, como discutido em Camargo, op. cit., é semelhante ou quase idêntico ao de uma pessoa que enxerga.

    Deste fato, a elaboração de modelos explicativos do movimento, bem como, a descrição de fenômenos relacionados ao tema, feita por qualquer pessoa não perita em Física, não parece depender necessariamente, exclusivamente de aspectos e argumentos visuais, embora estes, sejam de fundamental importância na interação do homem com o meio físico, já que sensações auditivas e táteis participam de modo relevante na "construção" de tais modelos. Estes aspectos, deveriam ser levados em conta por professores de Física que trabalhem com alunos cegos ou videntes, na construção de seus conhecimentos científicos pela superação de seus modelos. Todavia, como aponta Coll (1998), as noções construídas interativamente na relação homem mundo, exibem características extremamente significativas, pois são resultados de elaborações, experiências e observações, e consequentemente, são extremamente resistentes à mudança.

    Sendo assim, especificamente em relação ao deficiente visual, deve-se definir alguns princípios gerais mediadores importantes para se adaptar o ensino de conceitos físicos às necessidades educacionais desses indivíduos, como solidez, descrições, unificar e compartilhar experiências, e aprender fazendo. Destes princípios, conclui-se que o conhecimento do aluno educacionalmente cego é obtido principalmente através da audição e do tato. Para que o aluno realmente compreenda o mundo ao seu redor, o docente deve apresentar-lhe objetos que possam ser tocados e manipulados; Através da observação tátil de objetos, o aluno pode conhecer a sua forma, o seu peso, a sua solidez, as qualidades de superfície e a sua maleabilidade (propriedades físicas dos objetos). Como a experiência visual tende a unificar o conhecimento em sua totalidade, um aluno deficiente visual não consegue obter essa unificação, a não ser que os professores lhe apresentem experiências como "unidades de experiência". É necessário que o professor ponha "os todos" em perspectiva através da experiência concreta real e tente unificá-las por meio de explicações e de seqüências. Para que o aluno cego aprenda a respeito do ambiente, é necessário iniciá-lo na auto-atividade. Como a visão domina praticamente todos os estágios da aprendizagem, que representa a base para muitos dos processos intelectuais superiores, torna-se importante oferecer alguma programação sistemática de experiências não visuais para as pessoas cegas. Perez et. al., (1999), sugere a associação de construção de conhecimento a problemas, isto é, deve-se tomar as idéias que são consideradas as mais seguras e óbvias como simples hipóteses de trabalho, forçando o aprendiz a imaginar outras. Isto concede um status diferenciado às situações de conflito cognoscitivo, pois, já não supõem ao estudante o questionamento externo das idéias pessoais, nem a reiterada aceitação das insuficiências do próprio pensamento. Entretanto, sob uma abordagem sócio-interacionista, tais princípios não devem necessariamente ser aplicados somente a alunos cegos, já que a consciência do "estar em movimento", bem como as concepções alternativas relacionadas a este tema, não são exclusividade dos videntes. A introdução de situações problemas ao ensino de Física, que envolvam observações auditivas e táteis, de fenômenos relacionados a repouso e movimento, pode gerar conflitos que façam com que o aluno vidente ou cego, questione seus modelos alternativos. Através da adaptação e/ou da criação de atividades de ensino de Física à pessoas cegas, pessoas videntes podem se aproveitar dessas atividades e através disso, obterem uma melhor compreensão ou mesmo alterarem seus modelos de repouso e movimento.

    Não obstante, a inclusão do deficiente visual junto à classes regulares de ensino, além de representar um avanço sob aspectos sociais, ganha destaque a partir de uma óptica sócio-interacionista, visto que, a construção do conhecimento, é resultado de uma ação social interativa entre sujeitos e o objeto. Em outras palavras, durante o processo de aprendizagem, a interação sensorial e social, torna-se indispensável. O conceito de zona de desenvolvimento proximal desenvolvido por Vygotsky, fundamenta tal abordagem. Em síntese, defini-se como zona de desenvolvimento proximal, a "distância" entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas por parte de um sujeito, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração de companheiros mais capazes. Em outras palavras, o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente. O estado de desenvolvimento mental de um indivíduo só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal. Nesta perspectiva, (desenvolvimento e aprendizagem), são fundamentais. Quando se fala em ação inter-psíquica compartilhada, está se falando de experiências de aprendizagem entre sujeitos. São estas experiências de aprendizagem, que vão gerando a consolidação e autonomização das formas de ação. Desta forma, é a aprendizagem, que vai gerando o domínio sobre os objetos, sob os conteúdos da cultura, em direção à autonomia, através da zona de desenvolvimento proximal. A concepção de que é o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos do indivíduo, liga o desenvolvimento do sujeito, à sua relação com o ambiente sociocultural em que vive, como também, à sua situação de organismo, que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. Contudo, acerca da relação desenvolvimento-aprendizagem, é fundamental o esclarecimento de que aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

    Por estes argumentos, o papel mediador desempenhado pelas relações entre sujeitos e objeto de conhecimento, assume um contexto dialético, visto que, os referenciais de ordem observacionais, não são exclusivos da visão, e a mediação entre sujeitos no processo ensino-aprendizagem, ocorrerá tanto do vidente para o cego, quanto do cego para o vidente. Desta forma, é proposto uma abordagem positiva da questão da deficiência visual, isto é, a cegueira, além de representar uma barreira social, que pode e deve ser superada, tanto por parte do deficiente, através da super compensação (Vygotski, op. cit.), quanto por parte da sociedade, deve ser encarada como algo que desperte a consciência de todos os educadores para a importância de experiências não visuais, na construção de suas atividades de ensino, e do papel da interação, visto que, o conhecimento, é socialmente construído.


Agradecimentos

    O autor agradece ao Lar Escola Santa Luzia para Cegos, que permitiu a realização das entrevistas com os sujeitos cegos.


Referências


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