Marina Assis
Programa de Pós-graduação em Educação
– UFMG
marinarj@terra.com.br
Oto Borges
Programa de Pós-graduação em Educação
– FAE e Colégio Técnico - UFMG
oto@coltec.ufmg.br
Resumo
Nesta pesquisa estaremos apresentando como os professores concebem o ensino de ciências ideal. Abordaremos três aspectos que constituem a concepção de ensino ideal: as condições materiais e profissionais para sua execução, descrição de como seria realizado e metas propostas para este ensino.
Este é um resultado parcial de uma investigação mais ampla acerca das metas curriculares como concebidas na literatura sobre alfabetização científica e como concebidas por professores de ciências que atuam no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental em Belo Horizonte.
Ocorreu na década de 90, uma profusão de reformas educacionais nos níveis Federal, Estadual e Municipal. Organismos internacionais como Banco Mundial, o Unicef e o FMI pressionaram o Brasil com o compromisso de priorização da melhoria do desempenho educacional e constitui-se o lema "Educação para Todos". Explicita-se um novo projeto de sociedade e democracia brasileiras, que exige da educação a definição de novo papel para escola e um novo padrão de gestão educacional. Tais reformas têm o arcabouço legal através da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) e se caracterizam por uma intenção de descentralização de tarefas por um lado e a centralização por outro, que se constitui inclusive através do estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. (ARELARO, 2000)
Há um crescente consenso quanto ao fato que os processos de mudança devem atender às dimensões pessoais, ou seja, ao impacto que as propostas de inovação têm sobre concepções e os valores dos professores. É ingênuo acreditar que a definição de uma proposta educacional nos seus aspectos normativos se difunda imediatamente e que seja entendida por todos da mesma forma.
Ao recepcionar as propostas de inovação os professores as acomodam com um conjunto de outras concepções sobre currículo e sobre o ensino de ciências. Esta recepção depende, portanto, do conhecimento profissional do professor.
Desde a década de 80, tem sido cada vez mais difundida a idéia de que o conhecimento profissional, em particular, dos professores, envolve saberes de diversas naturezas e aprendidos de formas distintas. O livro de SCHÖN (1987) pode ser considerado um marco da cristalização de uma epistemologia da prática, que traz mudanças importantes do ponto de vista educacional. O autor estabelece uma nova compreensão da prática educativa ao apontar a possibilidade de sistematização do conhecimento que vem da prática, aquele que se gera na ação e ao esclarecer aspectos de um conhecimento que é tácito.
SHULMAN (1986) ao descrever sua perspectiva sobre o conhecimento do professor estabelece três domínios do conhecimento nas mentes dos professores, sendo um deles o "conhecimento do conteúdo no ensino" e o sub divide em três categorias: conhecimento sobre a matéria; conhecimento didático da matéria e conhecimento curricular da matéria. O conhecimento curricular da matéria seria aquele necessário para lidar com as possibilidades curriculares e com a gama de orientações e materiais indicados. Nesta classificação, autor sugere que os conhecimentos podem se apresentar como saberes proposicionais, episódicos, ou estratégicos, sendo o estratégico aquele tipo que aparece quando o professor se confronta com situações particulares ou problemas nos quais os princípios morais, práticos e teóricos colidem e não há uma solução simples possível.
Na classificação proposta por ARIZA (1997) as teorias implícitas são um tipo de saber que só pode ser colocado em evidência com ajuda de outras pessoas, sendo interpretações posteriores das teorias que dão razão às condutas profissionais. Os saberes baseados na experiência estão relacionados ao conjunto de idéias conscientes que os professores desenvolvem durante exercício da profissão sobre diferentes aspectos do processo de ensino-aprendizagem.
O conhecimento profissional é resultado da justaposição de diferentes tipos de saberes de natureza diversa que se manifestam em distintas situações profissionais. Nossa expectativa é que professores com diferentes níveis de conhecimento profissional tenham entendimentos diferentes das propostas curriculares. As considerações feitas até aqui indicam a importância de investigarmos como os professores pensam sobre os objetivos do ensino, uma vez que suas ações são fortemente influenciadas por suas concepções. Consideramos que seja relevante compreender como os professores concebem as metas curriculares, ou seja, como vem dialogando com as propostas de reforma que lhes são apresentadas.
Metodologia
Em nosso estudo entrevistamos 14 professores que atuam em escolas das redes municipal, estadual e particular de Belo Horizonte. A amostragem foi por oportunidade, no entanto, procuramos diversificar a amostra quanto ao sexo, à instituição de graduação, à rede de ensino e a clientela típica da escola em que os professores atuam, conforme mostra o quadro 1.
Quadro 1 – Características dos professores entrevistados
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Municipal |
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Masculino |
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Estadual |
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Feminino |
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Particular |
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Classe baixa |
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UFMG |
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Classe média baixa |
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PUC |
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Classe média alta |
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Izabella Hendrix |
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Mista |
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Outros |
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Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas gravadas em áudio e que duravam entre uma e duas horas. Após cada entrevista, foi elaborado um registro das percepções do pesquisador sobre o que ocorreu durante a entrevista e o que havia sido dito pelo professor. A seguir as entrevistas foram transcritas integralmente. Após a transcrição de cada entrevista foi redigida uma narrativa sobre o pensamento do professor.
Para analisar os dados utilizamos um programa de análise qualitativa (ATLAS-TI) e uma metodologia do tipo "grounded theory", que consiste na utilização de rótulos para identificar partes das entrevistas, seguidas da criação de categorias que sistematizam e redefinem o uso de rótulos. Ou seja, a categorização dos dados emerge da análise, não sendo imposta à priori.
Neste trabalho optamos por restringir a análise aos trechos em que os professores se referem ao ensino ideal de ciências. Foram analisados trechos da entrevistas e das narrativas. Os resultados são apresentados usando-se falas dos professores ao longo do texto e pela organização em um quadro que favoreça uma visão geral.
A visão do ensino de ciências na alfabetização
científica
Ao longo da década de 80 houve um crescente debate sobre a educação de ciências para todos, contrapondo-se à visão da década de 60 que de que a educação em ciências deveria objetivar a formação de futuros cientistas.
Esta preocupação resultou em dois tipos de trabalhos: trabalhos reflexivos que tentavam entender o que seria ensinar ciências para todos, que ficou conhecido como movimento de alfabetização científica; e trabalhos do tipo surveys comparativos sobre o entendimento de ciências.
O TIMSS realizou um estudo envolvendo 43 países e apontou o frágil estado de alfabetização científica da população. Com relação ao entendimento público da ciência as medidas feitas frequentemente apontam um nível pouco satisfatório de conhecimento. Outro projeto colaborativo envolvendo 32 países inclusive o Brasil, o OECD/PISA, tem como objetivo fornecer informações que sejam comparáveis internacionalmente e úteis para informar decisões sobre políticas educacionais (HARLEN, 2001). Em conseqüência deste tipo de resultado, cientistas e educadores foram chamados a estabelecer conhecimentos, habilidades e atitudes que uma pessoa cientificamente alfabetizada deveria possuir.
Neste contexto, surgiu nos EUA o Projeto 2061, da AAAS. Foram elaboradas listas muito longas com uma grande quantidade de aspectos que nunca haviam sido abordados antes como: história da ciência; natureza da ciência; relações de ciência e tecnologia.
Resultados de projetos deste tipo são contestados como base em dois argumentos de naturezas distintas. O primeiro se refere à qualidade da medida, que segundo SHAMOS (1995) e BAUER (1994), mede um conhecimento passivo, quando seria necessária uma medida do conhecimento prático na ação. Também MILLAR & OSBORNE (1998) concordam que tais surveys podem ser avaliações baseadas em exercícios que medem a memorização e não as competências. O segundo tipo de argumento se refere à concepção de alfabetização científica.
A alfabetização científica no OECD/PISA é definida como a capacidade de usar os conhecimentos científicos para identificar questões e estabelecer conclusões, baseadas em evidências, visando compreender e auxiliar a tomada de decisões sobre o mundo natural e as mudanças feitas ao mesmo pela atividade humana.
Alfabetização científica pode ser interpretada metaforicamente para significar o desenvolvimento de uma competência geral ou uma forma científica de entender as coisas. Se algo é para ser desejado e desenvolvido ao longo da vida, é essencial que comece na escola. (HARLEN, 2001)
SHAMOS (1995) e BAUER (1994) entendem a alfabetização científica como um termo cheio de imprecisões, que se tornou o jargão da comunidade de educação em ciências.
Apresentaremos a seguir os três aspectos principais
desta metáfora curricular: os conteúdos de ciências
que devem ser ensinados; o conhecimento que se deve adquirir sobre o processo
da ciência; e o que se deve aprender sobre a relação
entre a ciência e a sociedade.
Componentes da alfabetização científica
Conteúdo
O primeiro componente da alfabetização científica se refere aos conceitos científicos, ou seja, ao ‘vocabulário básico’ do cidadão cientificamente alfabetizado.
O que se deve ensinar sobre ciências não é ponto pacífico. Os currículos antigos prescreviam o que se deveria ensinar sobre ciências através de um programa muito detalhado. Ao longo das décadas de 80 e 90 houve um movimento no sentido de especificar o que se deve alcançar no ensino de ciências e não enfatizar o conteúdo que deve ser ensinado. Os currículos fazem mais uma descrição sobre critérios de seleção e sobre metas deixando à escola e a definição do que deve ser ensinado.
Curricularistas ingleses focalizam sobre a questão da seleção de conteúdo e enfatizam que os critérios de seleção de conteúdo são importantes. MILLAR (1996) recomenda que se desenvolva gradualmente um pequeno número de conceitos sobre o mundo natural. OGBORN (1994) propôs que o currículo fosse organizado em torno de cinco eixos para selecionar conteúdos e também defende a idéia de que "menos é melhor". Este critério significa que mais do que enfatizar a lembrança de detalhes específicos e fatos não relacionados, o currículo deveria dar um peso muito maior a qualquer avaliação da compreensão holística das principais idéias científicas e o entendimento crítico da ciência. MILLAR & OSBORNE (1998)
O conteúdo de ciências é uma problemática da educação em ciências (FENSHAN, GUSTONE & WHITE, 1994). Os autores argumentam que precisamos considerar a questão do conteúdo porque muitos assumem que o conteúdo a ser ensinado está dado e exemplificam citando o fato de que a grande maioria das publicações das revistas americanas é sobre educação, o que indica que a ciência a ser ensinada ou aprendida é como se fosse dada.
Os PCNs não especificam o que deve ser ensinado apontando no máximo alguns temas transversais. Estes parâmetros identificam metas curriculares, porém não determinam os conteúdos conceituais que devem ser trabalhados, deixando esta escolha a critério dos professores.
Em Minas Gerais o grupo de educação em ciência adotou, nos projetos de reforma curricular conduzidos junto à Secretaria Estadual de Educação - SEE-MG- entre 1996 e 1999, a idéia de que o professor deveria ter um conjunto de temas possíveis para selecionar dentre estes alguns para desenvolver em sala de aula, segundo seus interesses, o plano pedagógico da escola, e os interesses dos alunos.
MOREIRA & BORGES (1997) num estudo sobre os documentos da proposta curricular do Programa Escola Plural verificam que a tarefa de selecionar conteúdos é delegada à escola, à qual foi dada autonomia para elaborar seu projeto educativo a partir de sua realidade. Os documentos normativos não estabelecem referências curriculares específicas e os autores questionam se existiria um programa mínimo de conteúdos disciplinares para o ensino fundamental. Além disso, questionam se, ao delegar aos professores a tarefa de desdobrar os conteúdos a partir de eixos norteadores decorrentes de uma perspectiva de formação global do educando, fica garantida a função da escola como espaço de aquisição de um conteúdo mínimo derivado do saber historicamente acumulado.
Neste contexto de reformas curriculares que se caracterizam pela ênfase em metas, é pertinente questionar que critérios o professor usa para selecionar conteúdos, onde ele seleciona os conteúdos e quais são aqueles de fato trabalhados em sala de aula.
Abordaremos uma questão semelhante a esta neste trabalho: se fosse dada chance ao professor de fazer um ensino nas condições que ele considera ideais, que conteúdos ele abordaria ou como ele selecionaria conteúdos?
Processo
Nos anos 90 houve muito interesse sobre a natureza da ciência, ou seja, sobre o que caracteriza a ciência como uma atividade humana. Este aspecto, no que concerne ao ensino de ciências, pode ser entendido como o objetivo de levar os estudantes a aprenderem uma forma disciplinada de levantar questões, fazer investigações e construir explicações de natureza científica e tecnológica, desenvolvidos num contexto pessoal e social. Recomenda-se que a investigação não seja pensada isolada, mas como uma ferramenta para encontrar respostas a questões sobre o mundo em que os estudantes vivem". BYBEE & BEM-ZVI[1] citados por HARLEN (2001)
Autores como SHAMOS (1995) e BAUER (1994) trazem contribuições para a discussão sobre este objetivo da alfabetização científica ao discutirem aspectos da natureza da ciência e mostram quão complexa é a incorporação do objetivo de ensinar sobre o processo da ciência, através da ciência escolar. Para justificar tal afirmativa, argumentam que a maioria das pessoas está principalmente envolvida com o ponto onde a ciência começa (os fenômenos naturais) e com o ponto onde termina (os produtos tecnológicos) e muitos poucos podem ter acesso à parte cognitiva da ciência, que é distante do senso comum, tem natureza cumulativa e apresenta forte componente matemático. Argumentam ainda que a ciência moderna é muito distante do senso comum e, portanto, impossível comunicar ou traduzir para uma linguagem acessível a todos.
Outros são mais otimistas quanto a este aspecto dizendo que seria necessário encorajar os professores a focar na habilidade dos alunos de entenderem e interpretarem a informação científica e a discutirem temas controversos, assim como seu próprio conhecimento e entendimento das idéias científicas. Se o currículo de ciências pode parecer com um catálogo de idéias desconectas, que carecem de coerência ou relevância, deveria ser dada mais ênfase em mostrar o tremendo trabalho intelectual que essas idéias representam, e como elas transformaram nossa concepção de nós mesmos e do mundo que habitamos. A ênfase nos conteúdos pode limitar o estudo de componentes como a natureza da ciência; o papel da evidência científica, probabilidade e risco; as formas como os cientistas justificam suas questões - todos os quais são importantes aspectos necessários ao entendimento da prática científica. (MILLAR & OSBORNE, 1998)
Relação ciência - sociedade
Também a partir da década de 80 há uma ênfase no aspecto da relação entre ciência e sociedade, como uma prioridade do ensino de ciências.
Difunde-se a meta de que os estudantes devem confrontar exemplos contemporâneos e históricos de como o conhecimento científico está relacionado com os progressos sociais e como a sociedade influencia os avanços científicos. Neste sentido o foco não deveria ser o aprendizado sobre ciência ou sociedade isoladamente, mas uma apreciação da complexidade da atividade científica e tecnológica, fornecendo contextos e explicações para as importantes mudanças sociais relacionados à ciência e tecnologia, que os indivíduos terão que terão que enfrentar.
Este componente da alfabetização científica apresenta uma forte pressuposição democrática, uma vez que se supõe que as pessoas devam opinar acerca de questões relativas à ciência e tecnologia que afetem suas vidas, enquanto indivíduos e enquanto grupos.
SHAMOS (1995) questiona o pressuposto democrático deste componente da alfabetização científica, afirmando que as controvérsias técnicas se relacionam com ciência de fronteira e que, portanto, o público em geral não teria como contribuir efetivamente. Além disso, salienta que frequentemente estes problemas vêm carregados de emoção, e poucas das questões controversas são baseadas em ciência, como distinta de tecnologia.
Foco no "ensino ideal"
Acreditamos que a ação docente não é determinada apenas pelas concepções expressas no nível normativo e que os professores são sujeitos ativos e reativos. Assim, ao mesmo tempo em que interpretam os documentos normativos, eles decidem o curso de suas ações em sala de aula, com base na articulação entre essas interpretações e as concepções que têm sobre seu papel, os recursos de que dispõe, a forma como os alunos aprendem e reagem às suas ações, entre outras.
Expressar-se sobre o ideal significa pensar e falar livremente sem as restrições que a realidade impõe e expandir as possibilidades ao máximo, de acordo com algo que temos de positivo dentro de nós que são nossas esperanças e nossos sonhos.
Ao planejar suas atividades, formal ou informalmente, o professor tem que lidar com as normas, com a realidade e com suas concepções. A imaginação utópica é inerente ao ser humano e está presente de forma subjacente quando se planeja, encoberta e limitada pela couraça da realidade que se impõe. O ideal seria pensar num mundo sem conflitos, sem dificuldades em que se possa realizar plenamente o que se deseja de melhor, de preferência, para todos.
Para VALLE (1997) a preservação dos ideais é compatível com a razão humana, que deve possibilitar que os sonhos se inscrevam na realidade sob forma de criação do novo. A apreciação da escola pode ser mais completa se incluir o exame das paixões que desperta e dos investimentos afetivos que atrai sob a forma de expectativas.
Consideramos, portanto, o "ensino ideal" um campo muito fértil para verificarmos elementos da realidade concreta da qual podemos partir, e dos sonhos que orientam o que pretendemos construir.
Resultados
Quando inquiridos de forma vaga sobre o que seria para eles o ensino de ciências ideal, os professores falaram durante vários minutos sobre este ensino.
Apresentaremos como os professores concebem o ensino de ciências ideal e para tanto dividiremos os resultados em três componentes principais, conforme foram organizados a partir da análise dos dados: as condições materiais e profissionais para sua execução, a descrição de como este ensino seria realizado, e as metas propostas para este ensino.
Para esclarecer aspectos de cada um dos componentes serão apresentados trechos das entrevistas, seguidos do nome fictício e do número que identifica a entrevista na seqüência em que foram realizadas.
Ao final será apresentado um quadro que facilite uma visão geral de como os professores concebem o ensino ideal.
Condições materiais e escolares
A maioria dos professores vinculou o ensino de ciências ideal às condições materiais e escolares. Alguns professores abordaram a questão de forma genérica afirmando que:
Os professores vinculam o ensino ideal à existência de melhores condições profissionais, entendendo por isto, os aspectos ligados à condições do desenvolvimento profissional, condições de atuação, salário e carga horária.
Alguns professores vincularam explicitamente a possibilidade da existência de um ensino ideal às condições que favorecessem seu desenvolvimento profissional como, por exemplo, a existência de suporte psico-pedadógico, para os professores, e também para os alunos:
Atividades práticas
A maioria dos professores relacionou o ensino ideal à realização de atividades práticas.
Houve o estabelecimento desta relação de forma genérica como quando os professores afirmam que:
"... ter uma atividade teórica, em paralelo com uma prática..." (Rosa - 13).
Alguns professores especificaram a prática desenvolvida em laboratórios afirmando que:
A fala destas pessoas expressa um desejo de que as atividades práticas, entendidas aqui como atividades de campo, possibilitassem tratar no ensino de ciências temas mais ligados à educação ambiental:
"O campo poderia ser a própria cidade... eu levaria este menino, por exemplo, para fazer uma visita à cidade. Amanhã, visitaríamos uma serra, uma montanha, para desenvolver os temas que estão sendo desenvolvidos ali" (Carlos – 01)
Formação integral do indivíduo
Os professores ao mencionarem o ensino de ciências ideal revelam a preocupação de que o ensino deva ser adequado à realidade social e associado a temas cotidianos.
Alguns revelam a preocupação de que o ensino de ciências deve ser voltado para formação integral do indivíduo:
"O ensino de ciências é primordial, ele é importantíssimo quando ele está em adequado à realidade social. Em que isto vai me tornar um ser humano melhor?" (Estrela - 05).
Outros professores abordaram a questão da formação integral, porém relacionada ao aspecto do desenvolvimento cognitivo dos alunos.
Alguns especificam que este ensino deveria favorecer o desenvolvimento do pensamento autônomo:
"Quando você fala em Internet, quando você fala em computador, o menino está envolvendo com um monte de coisas, além do aprendizado de ciências, não é isto? A manipulação, a entrada, deparar com as coisas, em termos de imagem, do ponto de vista dinâmico, etc. E isto é uma coisa imprescindível nas escolas, para que ela possa melhorar" (Pedro - 07).
Poucos professores explicitaram a meta da compreensão da ciência como processo:
Ao se expressarem sobre o ensino ideal, muitos professores manifestaram-se no sentido de valorizar aspectos que favoreçam a motivação do aluno para o ensino de ciências.
Isto poderia ser conseguido tornando-o mais prazeroso:
"... conhecer alguma coisa nova, utilizar recursos do próprio computador, de CD Rom e de coisas assim que enriquecem e que levam mais próximo, o aluno daquele conhecimento" (Rosa – 13)
Para motivar o aluno acerca do ensino de ciências, o mesmo deveria ser mais estimulante:
Três aspectos compõem as concepções dos professores sobre o ensino ideal de ciências: aspectos ligados às condições, (sejam elas materiais ou profissionais), a questão das atividades práticas e a questão das metas curriculares. A tabela 1 mostra como estes aspectos aparecem nas concepções dos diversos professores entrevistados. A última coluna indica o número total de professores que mencionaram este aspecto. Na tabela 1 usamos um indicador de ênfase que o professor coloca na questão, assinalando com X (maiúsculo), aqueles aspetos que foram mais enfatizados ou abordados em maior riqueza de detalhes.
Tabela 1 – Síntese dos resultados por professor
Aspectos das concepções sobre o ensino de ciências ideal | Professores | |||||||||||||||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | T | ||
Condições | Escolares e Materiais | x | x | X | X | x | X | X | X | X | X | X | 11 | |||
Profissionais | X | x | x | X | x | X | X | x | 8 | |||||||
Ensino | Atividades práticas | x | x | X | X | X | X | X | X | x | x | 10 | ||||
Metas | Formação integral | x | X | X | x | 4 | ||||||||||
Formação cognitiva | x | X | x | x | 4 | |||||||||||
Processo da ciência | x | X | x | x | 4 | |||||||||||
Motivação | x | X | X | x | x | x | 6 |
Discussão
Os professores apresentam o ensino ideal como aquele em que as condições materiais fossem adequadas. Isto inclui a disponibilidade de recursos tecnológicos, a existência de laboratórios e salas ambiente e uma organização da escola tolerante e facilitadora de atividades investigativas em campo. Desta forma os professores parecem enfatizar que o ensino ideal seria um ensino centrado no aluno, ou seja, numa perspectiva do aluno ativo. E também realizado prioritariamente através de atividades práticas em espaços adequados como laboratórios, sala ambiente ou através de trabalhos de campo. Neste ensino seriam oferecidas melhores condições de atuação profissional de forma a favorecer o desenvolvimento profissional dos professores. O ensino ideal, conforme concebido pelos professores, deveria visar, não uma compreensão de conteúdos específicos, mas uma formação geral do sujeito, entendida, por um lado, como uma formação humana integral, e por outro lado como a formação cognitiva ampla, sendo o ideal o sujeito que tenha a autonomia de pensamento e que seja criativo. Além disso, os professores consideram que o ensino ideal seria motivador tanto pelas condições em que seria executado, como também pelo temas estudados e pelas questões que se coloca para o estudante.
A seguir faremos algumas considerações com relação aos aspectos mais salientes do ensino ideal nas concepções dos professores, bem como apontaremos aspectos que seriam relevantes, porém que não foram apontados pelos professores, ao falarem sobre o ideal.
Três aspectos são marcantes pela ausência ou pela falta de ênfase na descrição do ensino ideal ciências: o papel do professor; a aula expositiva; e a ciência.
Foi verificado que os professores não julgaram
necessário especificar conteúdos e é neste sentido
que afirmamos que falta ciência no ensino ideal. Parece que o professor
pode estar deixando de ser um professor de ciências para estar virando
um professor indistinto, ou seja, que o compromisso disciplinar esteja
deixando de existir. A ausência da discussão sobre o conteúdo
nos preocupa no sentido de que, se o professor concorda que o conteúdo
está dado, é necessário investigarmos onde está
dado. Como argumentamos, os currículos mais modernos tendem mais
a especificar metas do que os conteúdos em si. Portanto, o conteúdo
tem que ser considerado como uma problemática, no sentido de se
pensar: o que tem sido selecionado pelo professor, quais são suas
fontes e quais são os critérios para esta seleção.
Os PCNs, por exemplo, não especificam conteúdo,
indicando apenas alguns temas transversais. Também na nossa pesquisa
os conteúdos que aparecem na fala dos professores, se referem aos
temas transversais como, por exemplo, educação ambiental.
Se, por um lado, consideramos esse um tema fundamental, por outro lado,
acreditamos que o ensino de ciências não deva se restringir
a este aspecto.
Outro aspecto que ficou ausente na descrição dos professores foi aula expositiva. Sabemos que a principal estratégia de ensino que o professor utiliza é a exposição, até mesmo pelas condições em que as escolas existem e pelas condições em que eles dão aula. A ausência do professor em mencionar a aula expositiva é reforçada pela expressão do desejo do ensino centrado no aluno. Questionamos se isto pode significar que o professor esteja abrindo mão do papel de ensinar, sendo apenas um mediador da aquisição de conhecimento pelo aluno. Nos preocupamos no sentido de que o professor possa estar se furtando a um papel mais específico de transmitir de forma sistematizada as informações e o conhecimento, a selecionar os conteúdos, a expor raciocínios, a contar as histórias principais da ciência. Observamos que o professor, exceto quando aparece como sujeito das condições profissionais adversas, é o grande ausente do ensino ideal de ciências, não tendo se projetado como agente de ensino.
A ênfase no anseio por melhores condições materiais pode indicar, por um lado, a real precariedade das condições atuais para o ensino de ciências de qualidade e, por outro lado, reforçar a idéia que apresentamos acima de que professor poderia ser apenas um facilitador, funcionando como um operador dos recursos tecnológicos, aos quais seriam delegadas as funções de ensinar.
Na visão do professor sobre o ensino de ciências ideal, um aspecto muito saudável é a presença do aluno. Os professores destacam a posição central do aluno demonstrando saberem que têm um compromisso com a formação das novas gerações. A centralidade do papel do aluno aparece na descrição das atividades práticas, bem como no estabelecimento de metas visando a sua formação integral e cognitiva e a sua motivação. Desta forma os professores mostraram o desejo de que a ciência da escola desenvolvesse a curiosidade dos jovens acerca da ciência e favorecesse o avanço dos alunos em direção a autonomia para pensarem sobre seus objetos. Poucos professores explicitaram como ideal a compreensão dos processos da ciência. Esta meta apresentada no movimento de alfabetização científica, talvez possa estar subjacente nas falas dos professores, quando se referem às atividades práticas e ao desenvolvimento cognitivo, porém não apareceram explicitamente.
Gostaríamos de salientar que procuramos refletir sobre a presença ou ausência dos elementos que constituem as concepções do ensino ideal à luz do contexto de reformas e dos discursos atuais acerca dos objetivos da educação em ciências.
Consideramos que as algumas das metas que os professores
almejam atingir com o ensino de ciências coincidem com metas da alfabetização
científica e que determinadas condições profissionais,
materiais e curriculares poderiam viabilizar o alcance dos objetivos propostos.
Além disto, consideramos necessário investigarmos mais a
fundo os desdobramentos das implicações deste trabalho e
pretendemos fazê-lo nos trabalhos subsequentes, frutos da investigação
mais ampla que estamos conduzindo acerca das metas curriculares.
Bibliografia
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