AS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE E SUA ABORDAGEM EM LIVROS PARADIDÁTICOS[1]



Márcia Santos Anjo Reis
Professora do Departamento de Pedagogia
Universidade Federal de Goiás- Campus Avançado de Jataí
libra@jatai.ufg.br

Graça Aparecida Cicillini
Professora da Faculdade de Educação
Universidade Federal de Uberlândia
graca@ufu.br



Resumo

    O livro paradidático, nas últimas décadas, está conseguindo espaço no mercado editorial e na rede de ensino. Esta pesquisa tem como objetivo analisar qual a concepção de ambiente trabalhada nos livros paradidáticos de Ciências destinados aos primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental, por meio das formas de relação entre ciência, tecnologia e sociedade. Foram analisados 14 livros paradidáticos utilizando a metodologia de análise de conteúdo. Constatamos que a maioria dessas obras apresenta uma concepção conservadora de ambiente; o homem poucas vezes é considerado como parte integrante do ecossistema e os avanços científicos e tecnológicos visam a atender às necessidades de produção da sociedade, dentro da visão utilitarista de educação.
 
 

Abstract

    The para-didact book is getting room in the publishing market and in the teaching net in the last decades. This research has as its largest aim to analyse which is the conception of environment that is dealt with in the para-didactic books of science addressed to the primary school, by the forms of relation among science, technology and society and its influency on the environment and the place the man occupies in the ecosystem and his/her interation with the environment. Fourteen para-didactic books of three different publishers were analysed, specifically the descriptive tests, the illustrations and the proposed tasks. A research methodology called content analyses was used. We noticed that the majority of para-didact books presents a conservative conception of the environment; the man is only a few times considered as an integrate part of the ecosystem and the scientific and technological progresses are to attend the needs of production of the society, inside the utilitarian view of education.
 
 

Introdução

    Considerando a realidade de nossas escolas - insuficiência de salas de aula, inexistência de espaço físico para bibliotecas e laboratórios, ausência de uma política de formação e capacitação de professores, falta de condições de trabalho para os docentes, falta de recursos materiais e didáticos, dentre outros - o livro didático tem sido utilizado como o principal recurso disponível de ensino, para não dizer o único.

    A partir do final da década de 70, o livro didático tem sido objeto de vários estudos, tanto nacionais quanto internacionais. Vários trabalhos com análises críticas sobre essas obras foram publicados nos últimos anos[2]. Temos observado também publicações em jornais e revistas semanais artigos que discutem com o grande público o conteúdo ideológico e formal desse material.

    Por meio de cursos de formação em nível de graduação e de cursos de capacitação e aperfeiçoamento, análises críticas desse tipo estão chegando aos professores. Visando superar as possíveis deficiências dos livros didáticos e a angústia que experimentam a cada reiteração da crítica a essas obras, alguns professores passam a utilizar recursos diferenciados, tais como jornais, revistas, apostilas, textos avulsos e livros paradidáticos.

    Sabemos que os livros didáticos continuam sendo importante fonte de consulta para o professor ao preparar suas aulas e ao produzir seu próprio material didático, porém a partir da década de 80, os livros paradidáticos surgem ocupando parte deste espaço. Com sua descoberta pelo mercado editorial, preenchendo a capacidade ociosa das editoras provocada pela sazonalidade do livro didático e seu baixo custo de produção quando comparados ao dos livros didáticos, as grandes editoras têm aumentado, a cada dia, a produção de livros paradidáticos, visando atender essa nova fatia no mercado.

    Assim, os livros paradidáticos começaram a definir seu espaço no ensino devido à sua inovação, principalmente no que se refere à formatação variada, à qualidade do papel, à variedade de cores e de ilustrações, bem como por apresentarem temas e propostas teórico-metodológicas aparentemente inovadoras, como, por exemplo, quadrinhos, ficção, experiências, entre outras.

    Segundo Schapochnik e Hansen (1993), os livros paradidáticos passaram a se constituir em uma nova alternativa pedagógica para os profissionais interessados em reavaliar seu cotidiano nas salas de aula, pois tendem a ampliar o horizonte temático com a inserção de novos objetos associado a uma atualização das referências bibliográficas, propõem "renovação formal com a exploração de diferentes linguagens" e se caracterizam como "antologias de textos ficcionais ou mesmo de seleções de documentos". Para esses autores, o trabalho pedagógico com esses livros pode se transformar positivamente no sentido de estimular o debate e a iniciação à pesquisa quando ocorre a participação efetiva dos estudantes nas atividades escolares.

    Vivemos nos últimos tempos uma profunda revolução tecnológica, que transforma o nosso contexto de vida num ritmo acelerado. A abordagem da relação Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS) torna-se cada vez mais necessária no ensino de Ciências, possibilitando aos alunos a compreensão dos avanços científicos e tecnológicos presentes em seu cotidiano.

    Análises feitas de livros didáticos de Ciências sobre a questão da Ciência e Tecnologia e, nos mais recentes, sobre a tríade Ciência/Tecnologia/Sociedade, constatam que nos textos das séries iniciais do Ensino Fundamental, a Ciência e a Técnica praticamente não são trabalhadas. Quando aparecem, a Ciência é apresentada de forma descontextualizada e sem nenhuma referência ao seu processo de criação e desenvolvimento. Quanto à questão da Ciência e suas aplicações, esta raramente é abordada e, quando o é, se refere à utilização da Ciência e da Técnica para o bem da sociedade como um todo, sem distinções, interesses econômicos e políticos, reforçando a dicotomia entre a Ciência e a Tecnologia e destacando a idéia de que a Ciência precede a Tecnologia (AMORIM, 1995).

    Historicamente a relação Ciência/Tecnologia/Sociedade é tema relativamente recente dentro da nossa sociedade e do ensino. Na década de 80 ocorreram profundas reformulações nas propostas curriculares da Educação Básica. Especificamente para o ensino de Ciências surgem novas diretrizes tais como a inserção de discussões sobre o cotidiano e a temática ambiental. Nessa perspectiva, torna-se imprescindível a abordagem da relação C/T/S no processo educativo.

    Embora as propostas curriculares tenham avançado na discussão sobre o papel da Ciência e da Tecnologia na Sociedade moderna, AMORIM (1995) conclui em sua pesquisa que o ensino de Ciências permanece com orientação tradicional de transmissão de conhecimento e pouca aceitação, por parte dos professores, para discutir as conseqüências da interação Ciência/Tecnologia na sociedade.

    A importância de se discutir com os alunos os avanços da Ciência e da Tecnologia, suas causas, conseqüências, interesses econômicos e políticos de forma contextualizada, está no fato de concebermos a ciência "como fruto da criação humana, por isso, intimamente ligada à evolução do ser humano, desenvolvendo-se permeada pela ação dialética de quem sofre/age as diversas crises inerentes a este processo de desenvolvimento." (PRETTO, 1985,p.23).

    Assim, este trabalho tem como objetivo analisar os livros paradidáticos buscando verificar as formas de interação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade apresentadas nesse tipo de recurso didático que ora ocupa espaços no ensino de Ciências.


Metodologia da pesquisa

    Neste estudo, foram analisadas três coleções de obras paradidáticas, perfazendo um total de catorze volumes, conforme referências apresentadas no anexo 1. O principal critério de seleção destes livros foi o tratamento da temática ambiente. A construção metodológica deste trabalho fundamentou-se nas pesquisas desenvolvidas por AMORIM (1995) e CICILLINI (1991).

    A investigação sobre a relação Ciência/Tecnologia/Sociedade deu-se por meio da análise de conteúdo, observando indícios presentes nos textos descritivos, nas figuras e/ou ilustrações, bem como nas atividades propostas que aparecem nos paradidáticos. Procuramos identificar palavras e/ou expressões mais comumente empregadas nos textos dos diferentes livros selecionados que fizessem referência a essa relação.

    Para essa análise,optamos por verificar separadamente as seguintes relações: Ciência e Sociedade (C/S), Ciência e Tecnologia (C/T) e Tecnologia e Sociedade (T/S). Esta separação justifica-se pela praticidade de análise do material, considerando-se que a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade estão intrinsicamente relacionadas.

    Quanto à relação Ciência e Sociedade, observamos se os paradidáticos ressaltam a Ciência como entidade autônoma; a Ciência integrada à sociedade tanto no fator produtivo como no social ou a Ciência como componente essencial para o desenvolvimento e progresso da sociedade.

    No que se refere a Ciência e Tecnologia, procuramos verificar se os paradidáticos trabalham com a perspectiva de a tecnologia ser dependente da ciência básica ou se possui seus recursos culturais próprios. Na relação entre Tecnologia e Sociedade, o foco de análise voltou-se para as questões políticas, econômicas e ideológicas presentes nesse tipo de obra didática.

A relação Ciência/ Tecnologia/ Sociedade nos livros paradidáticos de Ciências

    Consideramos a Ciência como uma atividade social e dinâmica cujo objetivo consiste na produção do conhecimento sobre a natureza, buscando soluções para satisfazer novas necessidades de ordem ideológica, econômica e política. Essa produção científica é realizada pelo homem que partilha de valores, normas e padrões de comportamento de uma sociedade. A seguir analisamos as relações C/S, C/T e T/S na perspectiva definida na metodologia do presente estudo.

A) Relação entre Ciência e Sociedade

    Durante a análise dos livros selecionados, observamos serem raros os exemplos que mostram a influência da Ciência na Sociedade no sentido de gerar transformações no ambiente ou nos seres vivos. As descobertas científicas são utilizadas pela sociedade para melhorar suas condições de vida:

... as estações de tratamento de esgotos e as usinas de compostagem de lixo da cidades funcionam à custa desses micróbios ...(L13, p. 45)     Vemos, neste exemplo, a Ciência apresentada como um componente essencial para o funcionamento e para o progresso da sociedade; dando uma conotação de que com as descobertas científicas os homens são capazes de solucionar todos os problemas e dificuldades da humanidade, independentemente das forças políticas, econômicas e dos interesses e ideologias da sociedade, encarando esta última como neutra. Assim, a Ciência se torna força produtiva para a sociedade. Concordando com Habermas, apud Fontanella (1997, p.84), "os sistemas de investigação que engendram saber tecnicamente utilizável têm se convertido, com efeito, em forças produtivas da sociedade industrial. Mais do que isso: a ciência tornou-se a diretriz da vida produtiva."

    Considerando a perspectiva da a Ciência como capaz de produzir e alterar as estruturas sociais por meio da aplicação tecnológica de descobertas científicas, assumindo instâncias políticas, econômicas e de caráter de poder na sociedade, encontramos o seguinte exemplo:

... o consumo de borracha no mundo cresceu muito, com a invenção dos pneus para automóveis. Eles substituíram as antigas rodas de madeira usadas nas carroças e carruagens. (L11, p. 44)     Verificamos, indiretamente, que o texto enfoca a historicidade e evolução da Ciência e da Sociedade, evidenciando uma concepção de ciência não neutra, em constante modificação frente às novas descobertas e necessidades da sociedade, bem como dos interesses econômicos e políticos. "Em todos os Estados a questão econômica é, ao mesmo tempo, uma questão política. E nunca a política foi executada à margem da economia. São inseparáveis."(Fontanella, 1997, p.88).

    Quanto à concepção de Ciência como entidade autônoma da sociedade, estabelecendo uma forte ligação com o caráter de inventividade e inovação (produção do saber) atribuídas apenas aos cientistas, observamos que os livros paradidáticos analisados não fizeram nenhuma referência a esse respeito.

B) Relação entre Ciência e Tecnologia

    Esta relação pode ser entendida sob dois aspectos. Em um deles a Tecnologia se apresenta como dependente da ciência básica; em outro, a tecnologia não é apenas a mera aplicação da Ciência, ela tem seus próprios recursos culturais, ou seja, a relação entre a Ciência e a Tecnologia se dá de forma interdependente. Segundo Amorim (1995, p.37),

Da Ciência, a Tecnologia deriva os conhecimentos básicos das leis naturais relevantes; os instrumentos; as técnicas; o método científico de investigação com o estabelecimento de fatos por experimentos controlados, além da crença na utilidade da pesquisa. Da Tecnologia, a Ciência recebe nova instrumentação, problemas para solucionar; e prática no avanço da explicação científica – a Tecnologia pode ser encarada como o elemento da prática que dará ao conhecimento de Ciência, teórica, o caráter de veracidade.     Nos livros analisados, mais especificamente no livro L3, observamos essa relação de interdependência, especificada no exemplo a seguir: A roseira está cheia de pulgões.O jardineiro cuida dela jogando inseticida. (p. 4)

E então ... adeus pulgões! (p. 6)

[...] As grandes plantações precisam ser defendidas contra os parasitas.

Com um avião fica fácil espalhar o inseticida bem depressa. (p. 8)
 
 

    Neste caso, o inseticida é o resultado de uma aplicação prática e de pesquisas científicas. A simples atividade do jardineiro, de colocar inseticida para matar os pulgões, depende da Ciência básica, ou seja, de pesquisadores que descobriram e produziram os inseticidas, testando-os e avaliando-os por meio de observações e experimentos desenvolvidos sistematicamente. Ao mesmo tempo, precisa-se de grandes produções de alimentos para atender à população. Para tanto, necessita-se da contribuição do avanço da Ciência e da Tecnologia, desenvolvendo aparelhos que combatam as pragas das lavouras em grande escala. As autoras trabalham a interligação e o avanço da Ciência e Tecnologia, mostrando a aplicação de inseticida, em pequena escala, pelo jardineiro, de forma manual e, depois, um avião aplicando, em grande escala, inseticida nas lavouras. A ilustração reforça o texto, mostrando, indiretamente, como o conhecimento científico está associado à tecnologia hoje para o desenvolvimento de grandes plantações. Neste caso, a Tecnologia é apresentada como Ciência aplicada, expressando a cultura de uma sociedade influenciada pelas forças sociais e econômicas nesse processo.

    Outro aspecto observado durante nossa análise é a abordagem da relação Ciência/Tecnologia trazendo conseqüências para o ambiente:

Uma indústria lançou, durante muito tempo, pequenas quantidades de mercúrio junto com seus esgotos ao mar. Esse mercúrio foi sendo concentrado por bactérias que viviam no fundo do oceano. Protozoários, que se alimentavam de grande número dessas bactérias, concentraram ainda mais o mercúrio e assim por diante, passando por vermes, moluscos e peixes... até o homem. Acontece que no Japão as pessoas comem muito peixe, camarão e outros frutos do mar e, como todos esses animais continham mercúrio, as populações se envenenaram. Isso causou a morte de dezenas de pessoas e centenas de outras ficaram aleijadas. Muitos outros venenos têm essa mesma propriedade de se acumular no interior de vegetais e animais aquáticos e terrestres, aumentando sua concentração e transformando-se em uma verdadeira armadilha para o homem. (L13, p.31)     É importante ressaltar que por meio desses exemplos, utilizando-se de produtos químicos como inseticidas ou mercúrio, os livros paradidáticos analisados utilizam fatos, seres e exemplos do cotidiano das crianças, partindo de situações, tempo e espaço vividos, experimentados e percebidos pelos alunos, respeitando o seu desenvolvimento cognitivo; o que facilita sua aprendizagem desenvolvendo sua criticidade.

C) Relação entre Tecnologia e Sociedade

    Nesse tipo de relação a vinculação da tecnologia às questões econômicas, políticas e ideológicas se faz muito mais evidente. É um tipo de relação de interdependência; ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico pode ser aplicado ao processo produtivo, assegurando o aumento de produtividade e acúmulo de capital, o emprego de recursos econômicos pela sociedade pode estimular e conduzir à descoberta de novos conhecimentos.

    Na maioria das vezes, a tecnologia nos é apresentada como mecanismos, processos e resultados, que fazem parte de um domínio e controle da natureza em benefício de todos, em busca da igualdade e justiça social, sem interesses específicos de nenhuma classe, ocultando o caráter de dominação e exploração da força de trabalho.

    Poucos são os livros que abordam a questão da ambigüidade presente quando surge um conhecimento novo aplicado tecnologicamente; ou seja, mostrando que um mesmo avanço da tecnologia pode ter seu impacto na sociedade e no ambiente de diferentes formas, apresentando aspectos positivos e negativos deste avanço. Vejamos de outro ponto de vista a aplicação de inseticidas no combate às pragas apresentada no texto:

Mas ...COFF! COFF! ...[respiração ofegante de um ser vivo]

O inseticida acaba com os pulgões e, também, com muitos outros seres vivos...(L3, p. 7)

A aplicação descontrolada de inseticidas e herbicidas nas matas e plantações está causando hoje graves prejuízos ao meio ambiente. (L13, p. 28)

    Desta forma, a criança pode começar a compreender a relação entre o aspecto econômico e o avanço da Tecnologia, verificando que a aplicação dos inseticidas feita em grandes plantações ou mesmo em jardins acaba com parasitas a curto prazo, permitindo uma grande produção. Mas, ao mesmo tempo, esses inseticidas trazem conseqüências a médio e longo prazo, como a poluição (do ar, solo, água) e a destruição de outros seres vivos.

    As autoras do livro L3 apontam no texto os benefícios e os malefícios dos inseticidas na lavoura, das queimadas, dos carros e indústrias e propõem como solução, de maneira não específica, através do texto e da ilustração, a conscientização da população através de reunião na comunidade. Elas assim se expressam a esse respeito:

Depende de nós reduzir a fumaça e os venenos que se acumulam no nosso ambiente. (p. 17)

O mundo será muito mais bonito e saudável sem o COFF! COFF! (p. 19)

    Desse modo, cabe às pessoas o controle da utilização dos recursos e produtos da tecnologia, de modo a reduzir os malefícios que a má utilização desses produtos e recursos provocam ao ambiente e à sociedade. A ilustração referente a esse texto mostra um grupo de pessoas diversificado, em que há homens, mulheres e crianças, representando a comunidade, reunidos para pensar em projetos para evitar a poluição e melhorar o ambiente em que vivemos. Falamos que a reunião é da comunidade, pois no grupo, pela ilustração, temos pessoas com profissões diferenciadas, como os que trabalham na lavoura (homem de chapéu usado por lavradores), mecânicos ou que trabalham em indústrias (homem de capacete e com uma ferramenta na mão), entre outros. Não notamos na ilustração a presença de políticos ou governantes dessa comunidade. Apesar da proposta de uma reunião, as autoras não trazem nenhum indicativo de como seria uma mudança de comportamento e nem apontam possíveis soluções práticas para se tentar diminuir a situação atual de poluição na qual nos encontramos. É como se bastasse a população saber quem é responsável pela poluição e reduzir a fumaça e os poluentes lançados no nosso ambiente, para que a poluição atmosférica se acabe. Segundo Fontanella (1997, p.87), "quando um grupo de pessoas numa sociedade é capaz de fazer acontecer algo, temos que reconhecer que este grupo detém muito poder; se tem condições de fazer acontecer muita coisa, então detém demasiado poder! Se pudéssemos identificar sempre os detentores do poder, os responsáveis pelo que acontece na sociedade, talvez a solução dos problemas ficasse facilitada".

    Verificamos que de modo geral, dentre os problemas ambientais focalizados, o da poluição é o mais destacado nos livros paradidáticos. A coleção Viva a Natureza apresenta este problema dedicando um livro inteiro para trabalhar A poluição atmosférica (L3). As fontes de poluição provocada pelo homem apontadas nesse livro são decorrentes de atividades humanas ligadas ao processo agrícola e industrial:

As pessoas põem fogo nas matas e nos campos para construir suas casas, fazer suas plantações ou para criar o gado. (p. 10). Mas... COFF! COFF!

Que mal a fumaça faz ... E o fogo ainda mata plantas e animais e destrói o solo. (p. 11)

    A ilustração reforça o texto, mostrando as transformações que podem ocorrer no ambiente com troncos de árvores queimados, ossadas de animais e nenhuma planta ou animal vivo.

    Esse exemplo da queimada, bem como outros utilizados pelas autoras, mostram que as transformações realizadas pela ação humana visam o bem estar social, físico e material de uma sociedade, como as vastas produções agrícolas, os grandes rebanhos de gado leiteiro e de corte, o crescimento e desenvolvimento das cidades, as indústrias, etc. Mas, se por um lado essas transformações trazem benefícios à sociedade, por outro podem trazer conseqüências gravíssimas ao futuro dessa mesma sociedade, como a poluição, a destruição e até mesmo a extinção de algumas espécies de animais e vegetais de uma determinada região, o desgaste do solo e outros. As autoras, via articulação entre os recursos narrativos e ilustrativos, passam para as crianças, de forma resumida e simples, a questão da dualidade das transformações induzidas pelo homem, mostrando o lado positivo e o lado negativo de cada uma.

    Durante nossa análise, constatamos que a maioria dos livros paradidáticos selecionados trabalha o problema da poluição relacionando-o aos distúrbios causados ao Homem e aos animais; raros são os exemplos que estabelecem relação com os efeitos provocados no ecossistema como um todo:

... grande desastre ecológico que esses derrames de óleo provocam. Cada vez que isso acontece, são milhões e milhões de peixes, crustáceos, moluscos e até aves aquáticas que morrem. O plâncton diminui muito por causa da nata de óleo que se forma na superfície da água e, como conseqüência disso, diminui muitíssimo a produção de todo tipo de vida no mar. Além disso, a camada desse piche que se forma no fundo asfixia e mata todos os tipos de estrelas-do-mar, animais cavadores e outros que habitam o leito do oceano. É uma imensa riqueza natural que se perde por descuido dos petroleiros [...] Essa diversidade levou muitos milhões de anos para ser criada e não é justo que um simples navio, dirigido por pessoas que não têm nenhum cuidado com a vida, destrua tudo em tão pouco tempo, só para levar gasolina aos postos de serviços ...(L9, p. 45-46).     Dorotéa Fracalanza (1992, p. 136) faz constatações semelhantes ao analisar livros ddidáticos de Biologia para o Ensino Médio.

    De modo geral, os livros analisados atribuem tanta poluição à industrialização, à produção de alimentos, ao transporte. As questões de poluição relacionadas à explosão demográfica e à concentração humana foram trabalhadas apenas por uma das coleções:

Mas não é só isso que destrói os mangues. Há também os aterros [...] milhares de quilômetros de manguezais do nosso litoral já foram destruídos e transformados em depósitos de lixo ou aterros para formação de novos bairros. (L9, p. 46)     Este é o único exemplo dos livros paradidáticos analisados que se refere à modificação da estrutura do ecossistema. Por necessidade de espaço físico ou mesmo por interesse econômico (das construtoras), com a justificativa de ser para o bem da sociedade humana, alguns ambientes são destruídos sem a preocupação com a eliminação de seu ecossistema e com as conseqüências a médio e longo prazo. Como afirma Dorotéa Fracalanza (1992, p. 44), trata-se de um "descaso para com a Natureza por parte de uma sociedade voltada para a obtenção de lucros crescentes e imediatos, para quem um desenvolvimento sustentado ainda é um sonho de uma minoria".

    Várias expressões representam transformações conseqüentes da ação humana. As mais empregadas foram: "destruição" (destroem, destruindo, destrua, destruídos e outras); "transformação", (transformada, transformá-lo, transformará, transformam e outras); "desequilíbrio", todas elas mostrando as transformações ambientais provocadas pelo homem:

Todo esse progresso necessita de energia, de queima de combustível, e isso produz resíduos tóxicos, lixo, poluição. O aumento da poluição e dos desequilíbrios na natureza... (L13, p. 2)     O termo "desequilíbrio" é o que melhor representa a idéia de transformação do ambiente ligada à visão ecossistêmica; e ele é empregado apenas em uma das coleções analisadas. Uma ilustração representativa de produtos tecnológicos produzidos para solucionar problemas conseqüentes da poluição ambiental aparece no livro L3: mostra uma criança tomando aerosol em um posto de saúde, ou hospital, para melhorar sua respiração, prejudicada pela fumaça liberada pelos carros e pelas indústrias; ao mesmo tempo, um adulto tosse do seu lado.

    Com relação às atividades, são poucas as que exploraram a relação T/S. Geralmente, os exercícios apresentam exemplos, ilustrações e situações idênticas às abordadas no texto, impossibilitando que as crianças tenham oportunidade de ampliar seus conhecimentos recorrendo a situações do seu cotidiano, de outros seres, ou fenômenos que existem na natureza.

    As atividades são pouco criativas e raramente trabalham com o lúdico, pouco diferenciando-se das dos livros didáticos. São basicamente de associar, completar, ordenar, assinalar verdadeiro ou falso ou a alternativa correta com um X e questões que solicitam definições. Apenas os livros L9 e L12 trabalham com temas para debate possibilitando que os alunos reflitam e discutam sobre o assunto tratado. Os temas propostos para discussão estão relacionados às transformações ambientais ocorridas no meio ambiente provenientes de acidentes (derrames de óleo no mar), da poluição provocada por ações humanas (L12) e visam a concluir que atitudes devemos tomar para proteger as florestas e animais (L9).

    Por outro lado, o L3, p. 21, na atividade 3, explora de forma interessante a relação entre Tecnologia e Sociedade. Apresenta um texto narrativo descrevendo uma cidade chamada Água Suja que está crescendo muito, tem várias indústrias, grandes plantações, vários carros e caminhões; e outra cidade, a Céu Azul, que também está crescendo, mas não apresenta problemas de poluição. Com essa atividade, as autoras possibilitam a abordagem sobre as conseqüências do avanço da Ciência/Tecnologia para o ambiente, alertando para que a sociedade esteja atenta e consciente sobre a ambigüidade advinda de progressos relacionadosà utilização de novas tecnologias.

Considerações finais

    A importância da análise da relação C/T/S em livros paradidáticos permitiu ao leitor uma tomada de decisão mais crítica frente a uma sociedade cada vez mais influenciada e alterada pela interação entre a Ciência e a Tecnologia.

    A maioria dos livros analisados apresenta a Ciência de forma descontextualizada, pouco estabelecendo sua relação com a Sociedade. Verificamos que alguns livros paradidáticos de Ciências evidencia a relação de interdependência entre Ciência e Tecnologia.

    Durante a análise, os exemplos que mais encontramos foram os que tratam da ambigüidade dos avanços da Ciência e da Tecnologia, mostrando as conseqüências que podem acarretar ao ambiente.

    Analisando a relação Tecnologia e Sociedade, constatamos que as questões econômicas, políticas e ideológicas foram abordadas em poucos livros. Reduzido número deles aborda a questão da ambigüidade moral, provocada pelo avanço da Tecnologia aplicada pela Sociedade no ambiente. Quando isto acontece, comentam sobre os inseticidas, as queimadas, a fumaça liberada pelos carros e indústrias, destacando, mais uma vez, a poluição como o problema ambiental de maior relevância.

    Dos catorze livros analisados, poucos abordaram as questões históricas, econômicas e políticas; quando o fizeram, foi de forma superficial. Poucos consideraram como os avanços da Ciência e da técnica têm contribuído para que as pessoas e regiões tenham fins lucrativos em detrimento de outros.

    Acreditamos que outras categorias de análise possam ser levantadas e estudadas nos livros paradidáticos, de modo que este material continue sendo fonte de consulta para os pesquisadores para podermos ampliar os nossos conhecimentos sobre eles, como foi e ainda é feito sobre os livros didáticos.

    Com essa perspectiva há necessidade de continuar a discussão sobre os livros paradidáticos, o que possibilitaria aos profissionais da educação melhores condições de escolha, até como forma de pressão para que mudanças efetivas ocorram na área de produção, compra e distribuição do livro paradidático no Brasil.
 

Referência


AMORIM, Antônio Carlos Rodrigues de. O ensino de Biologia e as relações entre Ciência/Tecnologia/Sociedade: o que dizem os Professores e o Currículo do Ensino Médio. Campinas, 1995. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.

CICILLINI, Graça Aparecida. A evolução enquanto um componente metodológico para o ensino de Biologia no 2º grau - Análise da concepção de Evolução em livros didáticos. Campinas, 1991. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.

FONTANELLA, Francisco Cock. Atividade científica e ética: quem educará os cientistas? Impulso. p. 83-92, out. 1997.

FRACALANZA, Dorotéa Cuevas. Crise ambiental e o ensino de ecologia: o conflito na relação homem–mundo natural. Campinas, 1992. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.

FREITAG, Bárbara et alii.. O livro didático em questão. 2. ed. São Paulo : Cortez, 1993.

PRETTO, Nelson De Luca. A ciência nos livros didáticos. Campinas/Salvador : Unicamp/UFBA, 1985.

REIS, Márcia Santos Anjo. Livros paradidáticos de Ciências : o ambiente como tema investigado. Uberlândia, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Uberlândia.

SCHAPOCHNIK, Nelson: HANSEN, Lygia. A escalada dos livros paradidáticos em busca de um ensino criativo e de melhor qualidade. LECIONARE. Ano 1, n. 1, p. 8-9, set. 1993.

[1] Este trabalho é resultante de reflexões sobre parte de uma pesquisa de Dissertação de Mestrado.
[2] Dentre esses estudos, temos PRETTO (1985), FREITAG et alii. (1993); FRACALANZA (1992),  FARIA (1996); CICILLINI (1991).