APRENDER PARA ENSINAR: A REFLEXÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE FÍSICA

Marcos Daniel Longuini [1] [2] [3]

Roberto Nardi [3] [4] 

Resumo

    A pesquisa aqui descrita parcialmente consiste em um estudo de caso envolvendo uma turma de licenciandos do último ano do Curso de Licenciatura em Física, composta de sete sujeitos cursando disciplinas de Prática de Ensino de Física. Observou-se o desempenho dos licenciandos durante todo o desenrolar das disciplinas que privilegiaram estudos de fundamentação teórica acerca do construtivismo, a elaboração de uma seqüência de ensino sobre o tema pressão atmosférica e a aplicação desta seqüência em situações de sala de aula (estágio supervisionado). As atividades realizadas na disciplina previram, entre as aplicações em sala de aula realizadas em três situações pelos licenciandos, discussões para avaliação da postura dos licenciandos frente às situações de ensino, privilegiando assim a reflexão dos pares sobre as metodologias empregadas, as posturas adotadas na condução do ensino de sala de aula e a relação destas com os referenciais teóricos previamente estudados. A pesquisa procurou analisar, através da gravação de todos os episódios vivenciados por estes licenciandos no período, a influência do processo sobre o conhecimento específico do conteúdo trabalhado (pressão atmosférica) e, especificamente, responder a questões como: dentre os elementos trabalhados durante o curso, quais os futuros professores utilizaram para transformar o "conteúdo específico" em um "conteúdo ensinável" aos alunos e de que forma o fizeram? A elaboração de aulas para alunos do ensino médio pelos licenciandos contribuiu para ampliar os seus ‘conhecimentos do conteúdo específico’? E, em caso afirmativo, Como isso se deu?

Abstract

    The research partially described here consists in a case study made among seven students, future High School Physics teachers, taken two courses called Physics Teaching Practicum during the last of the four years foreseen to conclude the formation program. It was observed their performance during the development of the two courses, which emphasized studies on theoretical foundations about the constructivism, the elaboration of a teaching plan on the concept of atmospheric pressure and the application of this sequence in real classroom situations (practicum). Among the activities developed during the course were the applications of the sequences taught in classroom situations by the future Physics teachers, discussions to evaluate the future teachers’ performance facing the teaching situations, stimulating the pairs’ reflection about the methodologies employed, the postures adopted in the teaching conduction of the classroom and the relation of these to the theoretical references before studied by the future teachers. The research tried to analyze, through videotape recording, the teaching episodes lived by the students during the period, the influence of the process on the subject matter knowledge studied (atmospheric pressure) and, specifically, to answer questions like: among the elements worked during the course, which of them do the future teachers took into consideration to change the "subject matter" into a "teaching subject" to their students and how they did it? The elaboration of teaching activities for High School students by the future teachers contributed to amplify theirs "subject matter contents"? If so, how it happened?
 
 

I. Introdução

    Um elo importante entre o conhecimento do "conteúdo específico" a ser ensinado e o conhecimento a ser construído pelos alunos, o "conteúdo ensinável", é o professor, que tem neste processo se não a maior, uma de suas mais importantes tarefas. Estudar como este processo ocorre tem sido objeto de questionamento de inúmeros pesquisadores nos últimos anos, tais como SHULMAN (1986), EISENHART et al. (1993), NÓVOA (1998), COCHRAN e JONES (1998), HASHWEH (1987), GROSSMAN et al. (1989), VILLANI e PACCA (1997), CARVALHO e GIL PÉREZ (1995) etc. Estas pesquisas procuram explicar como o docente transforma o conteúdo a ser ensinado em conteúdo pedagógico e estas explicações podem ser de grande importância para repensar os projetos acadêmicos e as estruturas curriculares dos cursos de formação de docentes nas universidades e centros de formação para o magistério.

    Dentre esta vasta gama de pesquisas, algumas delas destacam-se por apontar para o envolvimento do professor na atividade de pesquisa, pois esta seria uma maneira do profissional vivenciar um processo que, na maioria das vezes, os resultados já lhe são passados prontos, como aponta AMARAL (1998), em relação a inovações implantadas na área de Educação nos últimos vinte e cinco anos no Brasil, que não têm levado em conta o professor como participante em suas elaborações. As pesquisas acima citadas mostram a necessidade de o professor pesquisar sobre sua própria prática, rompendo com o modelo da ‘racionalidade técnica’ em que a atividade de pesquisar é vista como distinta à de ensinar. Pesquisar sobre a própria prática é trabalhar segundo uma postura reflexiva, conforme apontam vários pesquisadores da área como SCHÖN (1992), por exemplo. Este é o objetivo central da pesquisa aqui relatada.

I.1 A formação de professores reflexivos
 
    O conceito de reflexão sobre a prática iniciou-se com os trabalhos de John Dewey nos EUA e integrou-se à formação docente, como reação à concepção tecnocrática de professor, ou seja, o de um aplicador de ‘receitas’ prontas, numa perspectiva descendente da ‘racionalidade técnica’ (ALARCÃO, 1996). Segundo GARCÍA (1992), atualmente a atividade reflexiva é o conceito mais investigado por pesquisadores e formadores de educadores, segundo as novas tendências na formação docente.

    Os currículos baseados na ‘racionalidade técnica’ segundo SILVA E SCHNETZLER (2000), tendem a separar o mundo acadêmico do mundo da prática. Neles, as disciplinas em que se ‘aprende’ os conhecimentos específicos geralmente aparecem no início dos currículos de cursos de formação de docentes, seguidas, ao final, pelas de aplicação do conhecimento.

    Deste modo, pesquisas atuais vêm destacando a busca da formação do ‘professor-pesquisador’, ou seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo; aquele que pensa-na-ação" (SCHÖN, 1992, p.41), uma vez que grande parte dos professores assume posições sobre o processo de ensino e o papel docente com base em concepções do senso comum, aceitando posições acríticas adquiridas ao longo do tempo por introjeções e valores dominantes, sem antes ter passado por um processo de reflexão (LUCKESI, 1994).

    Segundo GARCÍA (1992), Donald Schön é um dos autores de maior impacto na difusão do conceito de reflexão. SCHÖN (1992) ressalta três componentes da atividade reflexiva: o "conhecimento-na-ação’, que é o fator que orienta a atividade humana; a ‘reflexão-na-acão’, que é o pensamento realizado no mesmo momento da prática e a ‘reflexão sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação’, que é análise que o indivíduo realiza posteriormente à prática.

    Segundo PERRENOUD (1993, p.21) os professores que não pensam sobre sua prática são regidos por seu habitus, ou seja, por "esquemas de percepção e de ação que não estão total e constantemente sob o controle da consciência".

    Buscar uma postura reflexiva para o professor é almejar que ele saia de seu habitus e, conseqüentemente, de seu modelo de docência do senso comum, construído durante sua vida escolar.

    Deste modo, é importante que o professor reflita na e sobre a sua prática. AMARAL et. al. (1996, p.110) aponta que esta reflexão auxilia no

"desenvolvimento de atividades que saem do mero ‘treino’ de destrezas, o grau de conscientização dos formandos e o seu controle dos princípios subjacentes à planificação, organização, gestão e execução efetivas; e começar a ser capaz de formular os seus próprios juízos sobre o que se passa na sala de aula".
 
 
    Uma atividade que se tem mostrado positiva para este fim são as gravações em vídeo. Segundo VILLANI e PACCA (1997), este pode ser um ponto de partida para o questionamento do comportamento espontâneo dos professores em sala e aula para que eles percebam as características de sua prática. Para AMARAL et. al (1996, p.119) o recurso de observação das aulas "implica investigar fundamentos científicos que ajudem na reflexão sobre a ação observada para melhor compreender a sua prática, articulando-a com os saberes teóricos".
 
 
    Muitos são os problemas e desafios encontrados na busca da formação de um profissional que pense sobre e na ação. Uma mola mestra que auxiliaria na formação deste profissional é, segundo NÓVOA (1992, p.29), "conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar e formar não sejam atividades distintas", onde pesquisa e ensino caminhem juntas rompendo, deste modo, com a ‘racionalidade técnica’, tão imperante nos meios onde ocorre a formação do docente.
 
 

2. A pesquisa

    Partindo dos pressupostos acima, ou seja, da importância da reflexão sobre a prática docente, buscamos investigar nesta pesquisa a mudança de postura de licenciandos em Física de uma Universidade Pública, cursando o último ano a disciplina Prática de Ensino de Física, disciplina esta embasada em pressupostos teóricos defendidos recentemente na área de Educação e Educação em Ciências, principalmente os acima descritos.

    As disciplinas cursadas no semestre (Prática de Ensino de Física VI e VII) constaram basicamente de estudos visando à fundamentação teórica acerca do construtivismo (discussões sobre a importância de se considerar as concepções alternativas dos estudantes, a inserção da História e Filosofia da Ciência no ensino dentre outras), a elaboração de uma seqüência de ensino sobre o tema pressão atmosférica e a aplicação desta seqüência em situações de sala de aula (estágio supervisionado). As atividades realizadas na disciplina previram, entre as aplicações em sala de aula realizadas em três situações pelos licenciandos, discussões para avaliação da postura destes frente às situações de ensino, privilegiando a reflexão dos pares sobre as metodologias empregadas, as posturas adotadas na condução do ensino de sala de aula e a relação destas com os referenciais teóricos previamente estudados. A pesquisa procurou analisar, através da gravação de todos os episódios vivenciados por estes licenciandos no período, a influência do processo em seus conhecimentos específicos sobre o tema trabalhado e, especificamente, responder à questão: dentre os elementos trabalhados durante o curso, quais os futuros professores utilizaram para transformar o "conteúdo específico" em um "conteúdo ensinável" aos alunos? e de que forma o fizeram?

    A fim de avaliar a mudança de postura dos licenciandos desde o início das atividades de pesquisa foram cuidadosamente levantados dados. Uma das contribuições para a análise destes foi a elaboração de um amplo diagnóstico constituído de questionários para levantamento de suas concepções sobre História e Filosofia da Ciência e a respeito de um dos objetos de elaboração de atividades didáticas: o conceito de pressão atmosférica. Além destes dados, foram gravados todos os episódios de ensino durante as disciplinas de Prática de Ensino e as atividades didáticas desenvolvidas pelos licenciandos durante o estágio supervisionado. Uma entrevista final auxiliou também na avaliação do processo e na análise da mudança de postura dos licenciandos.
 
 

3. Os pressupostos teóricos norteadores da unidade didática

    O tema proposto aos licenciandos para a organização dos planos de aula foi pressão atmosférica. Buscou-se embasar a elaboração destas atividades em referenciais construtivistas, em função dos resultados de pesquisas recentes que os apontam que estes podem oferecer resultados mais promissores para a aprendizagem dos alunos, se comparado com o ensino tradicional, pautado no professor como centro do processo.

    Assim, por se nortear em referenciais construtivistas, dois dos pilares em que tais referenciais se sustentam foram levados em consideração. Um deles trata-se do respeito às concepções prévias dos alunos como ponto de partida para a aprendizagem. Para tanto, buscamos que os licenciandos tivessem contato com resultados de pesquisas que apontassem a presença de idéias prévias em alunos dos mais variados níveis de ensino e, especificamente, buscamos trabalhar as concepções espontâneas sobre o tema a ser desenvolvido nas atividades de ensino: o conceito de pressão atmosférica. Constou das atividades dos licenciandos a realização de um levantamento sobre as concepções prévias dos estudantes do ensino fundamental e médio sobre o conceito.

    Outro dos referenciais estudados foram os estudos para a inserção da História e a Filosofia da Ciência no ensino. Estes estudos procuraram subsidiar a elaboração das atividades pelos licenciandos. Em função do tempo reduzido das disciplinas (um semestre), além de discussões teóricas sobre como inserir a HFC no ensino de ciências foi apresentado aos licenciandos um texto contendo um histórico sobre as origens e evolução do conceito de pressão atmosférica, previamente elaborado pelo pesquisador.
 
 

4. Os objetivos
 

    No acompanhamento desses licenciandos durante um semestre e, portanto, no decorrer do período em que eles elaboraram e ministraram suas aulas, algumas perguntas nortearam a pesquisa.

    Uma delas é baseada nos trabalhos de SHULMAN (1986), que apontam para o fato de que os professores, quando fazem a transposição do conteúdo específico de ciência para situações de ensino, estão utilizando o chamado ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’. Essa foi, portanto, a questão principal pesquisada: dentre os elementos trabalhados durante o curso, quais deles os futuros professores utilizaram para transformar o "conteúdo específico" em um "conteúdo ensinável" aos alunos e de que forma o fizeram?

    Um outro ponto investigado por esta pesquisa, foi o desenvolvimento do conhecimento específico. Alguns autores de trabalhos da área apontam que muitos professores, mesmo ao terminarem seus cursos de formação, apresentam deficiências em relação ao conteúdo específico da disciplina que irão ensinar, o que também pôde ser observado com a maior parte dos licenciandos participantes desta pesquisa, através dos resultados do questionário inicial.

    Deste modo, esta foi a segunda questão norteadora da pesquisa: a elaboração de aulas para alunos do ensino médio pelos licenciandos contribuiu para ampliar os seus ‘conhecimentos do conteúdo específico’? E, em caso afirmativo, Como isso se deu?
 
 

5. A amostra

    A amostra consiste de sete licenciandos, regularmente matriculados no curso de Licenciatura em Física, período noturno, de uma Universidade Pública da região de Bauru, São Paulo. Eles pertencem à turma ingressante do ano de 1997, e no segundo semestre de 2000, período onde se deu a coleta de dados da pesquisa, estavam cursando o quarto e último ano do curso.

    Dos sete licenciandos quatro deles eram do sexo masculino e três do sexo feminino; todos, no período, regularmente matriculados nas disciplinas de Prática de Ensino de Física VI e VII, que ocorreram paralelamente no último semestre daquele curso.
 
 

6. A aplicação das aulas elaboradas

    As aulas, em número de três, foram ministradas em classes de ensino fundamental e médio de escolas públicas da região de Bauru. Os licenciandos foram divididos em grupos de 2, 3 e 2 elementos respectivamente para a primeira, segunda e terceira aulas. As atividades desenvolvidas nas aulas foram devidamente gravadas. No intervalo entre as aplicações em sala de aula (cerca de duas semanas) foram promovidas sessões de reflexão sobre a prática dos ministrantes. Entre a primeira e a segunda aula e entre a segunda e terceira, os licenciandos tiveram oportunidade de assistir ao videotape da aula anterior e criticar o desempenho dos colegas, ou seja, discutir os erros, acertos, sugerir outras metodologias, conteúdos e novas alternativas didáticas. A análise das gravações efetuadas destas sessões de reflexão sobre as práticas docentes procurou verificar se os licenciandos se apropriaram do discurso construtivista no qual embasaram seus planos de aula, assim como procurou investigar quais elementos trabalhados durante a unidade didática foram levados para sala de aula e o modo como isto se deu. Os licenciandos também foram entrevistados individualmente ao final do processo com a finalidade de verificar possíveis mudanças de postura com relação às concepções de ensino e aprendizagem apresentadas no questionário aplicado no início do processo.
 
 

7. Os resultados

    A análise das gravações contendo as reflexões coletivas sobre as práticas de ensino realizadas durante todo o processo, a comparação entre os questionários inicial e final e as entrevistas individuais realizadas ao final das atividades foram elementos usados para buscarmos responder às questões inicialmente sugeridas pela pesquisa.

    Os dados obtidos do questionário aplicado ao início do semestre mostram que a maior parte dos futuros professores analisados, apesar de cursarem o último ano do Curso de Licenciatura e, portanto, prestes a exercerem a profissão, apresentou conhecimentos sobre o conteúdo específico trabalhado (pressão atmosférica) próximo a de alunos de nível médio, ou seja, mostrou na maior parte das vezes, concepções diferentes das aceitas hoje como corretas pela comunidade científica.

    Em análise ao questionário aplicado ao final do semestre, após a elaboração, aplicação e reflexão das aulas de todos os grupos, verificamos que os licenciandos apresentaram uma melhora significativa em relação ao conhecimento do conteúdo específico trabalhado durante o semestre, o que implica que o curso contribuiu para os licenciandos ampliassem e aproximassem suas idéias das cientificamente aceitas.

    Os dados de ambos os questionários também apontaram que os licenciandos apresentaram um bom conhecimento em relação a aspectos de História e Filosofia da Ciência, porém, isto em pouco contribuiu para que eles trabalhassem segundo estas posturas em sala de aula, ou seja, os estudos realizados sobre a inserção da História e Filosofia da Ciência não foram assimilados pelos licenciandos.

    Acreditamos que o estudo do desenvolvimento histórico do conceito tenha sido um fator que influenciou positivamente na ampliação do conhecimento específico sobre pressão atmosférica, uma vez que os licenciandos puderam, durante o curso, estudar e discutir como ocorreu a construção do conceito, sua evolução e vários outros aspectos.

    Outro fator que acreditamos ter contribuído para a ampliação deste tipo de conhecimento foram as discussões entre os licenciandos sobre o tema, durante o processo de construção dos planos de aula, em função da troca de experiências entre os pares e com o docente responsável pela disciplina. Algumas vezes, estas discussões se estenderam até mesmo após a aplicação das aulas pelos licenciandos, pois muitos dos aspectos relacionados ao tema ainda permaneciam presos às idéias alternativas.

    GROSSMAN et al. (1989), com base em pesquisas realizadas junto a docentes novatos, apontam que muitas das deficiências destes eram supridas no próprio processo de ensino, ou sejam, eles aprendiam enquanto preparavam suas aulas. Os autores apontam que muitas vezes os professores só irão reconhecer suas deficiências em relação ao conteúdo quando se defrontarem com situações de sala de aula, como ocorreu com os sujeitos da amostra nesta pesquisa, e que pôde ser evidenciando, posteriormente, no momento de reflexão com os pares.

    Os dados coletados permitem concluir que o processo de ensino proporcionado pelo curso aos licenciandos contribuiu para que estes tivessem melhorado suas concepções para outras cientificamente aceitáveis, se comparado ao início do semestre em que se iniciou o estudo. É importante ressaltar, entretanto, que nem todas as concepções iniciais dos licenciandos foram significativamente melhoradas. Tais constatações conferem com pesquisas realizadas anteriormente por GROSSMAN et. al. (1989) que ressaltam que o processo de desenvolvimento do conhecimento dos conteúdos específicos é vagaroso e não ocorre de maneira abrupta.

    Um outro aspecto investigado nesta pesquisa é o que SHULMAN (1986) aponta como ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’, ou seja, aquele que os professores utilizam quando fazem a transposição de um conteúdo específico para o ensino deste conteúdo.

    Dos elementos trabalhados durante o curso de Prática de Ensino, verificamos que alguns deles aparecem concretizados no ensino ministrado pelos licenciandos nas situações de sala de aula observadas, tais como a importância em se considerar as idéias prévias dos alunos, a importância da interação através de grupos e a utilização da História da Ciência no ensino. Apesar destes elementos terem sido registrados, as aulas nem sempre se pautaram por posturas construtivistas; percebemos que persiste ainda uma tendência ao ensino tradicional baseada, provavelmente, em suas experiências anteriores enquanto alunos.

    Pesquisas sobre formação de professores (ADAMS e KROCKOVER, 1997; GROSSMAN et. al. 1989) vêm apontando que muitos dos licenciandos, ao iniciarem sua prática pedagógica, acabam reproduzindo modelos de ensino baseados nas práticas de ex-professores que tiveram durante sua vivência como aluno. No caso dos cursos de formação inicial, estas práticas geralmente estão baseadas em modelos tradicionais de ensino, não contemplando resultados das recentes pesquisas da área educacional. CUNHA (1989) aponta que o docente acaba repetindo comportamentos que considerou positivos em seus ex-professores.

    A reversão deste quadro, ou seja, a incorporação na formação inicial do professor de práticas inovadoras, passa pela oportunidade dele vivenciar estes processos. Para tanto é necessário que sejam ampliadas, durante a formação inicial do docente, discussões sobre a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo em diversos outros tópicos da física previstos para serem ensinados no ensino fundamental e médio. A reflexão sobre este processo de construção é importante também durante a formação continuada de docentes.

    Isto é demandado pelos próprios licenciandos sujeitos desta pesquisa que, consultados na entrevista realizada ao final do processo, mostram se sentir preparados para atuar no ensino do tópico estudado (pressão atmosférica), mas, apontam a necessidade de maior contato com estudos sobre as concepções prévias, história da ciência para ensinar outros tópicos da Física.

    Da pesquisa pôde-se inferir também que o processo de reflexão continuada das atividades docentes, através da utilização das gravações, mostrou-se como positivo ao colocar o licenciando em contato direto com a ‘visualização’ de sua prática e com as discussões, sugestões e críticas entre seus pares, os demais licenciandos e o professor. A vivência deste processo na formação inicial, portanto, mostra-se como um campo promissor para a análise das práticas pedagógicas, uma vez que se constitui num elemento facilitador no processo de mudança de posturas. Deve ser incentivado nas disciplinas de Prática de Ensino, Didática e outras que visam a preparação de futuros profissionais do ensino.

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Bibliografia

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[1]   Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência –  Faculdade de Ciências – Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Bauru, São Paulo – Brasil  (e-mail: longuini@polinet.com.br)
[2] Apoio: FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
[3] Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências
[4]  Professor Assistente Doutor  - Departamento de Educação, Faculdade de Ciências, UNESP – Campus de Bauru (e-mail: nardi@fc.unesp.br)