ANÁLISE DOS TRABALHOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL APRESENTADOS NOS ENCONTROS DE BIÓLOGOS DO CRB-1 DE 1996 A 2001

Taciana Neto Leme

Resumo

    O objetivo deste trabalho é fazer um levantamento da atuação do biólogo em programas, projetos e atividades de Educação Ambiental (EA). Para tanto analisei os resumos apresentados na sessão de EA presente no livro de resumos dos Encontros de Biólogos do CRB-1 ente 1996 e 2001. O número de resumos na sessão de EA, entre 1996 e 2001, é de 126. No entanto, analisei 98 resumos, pois os demais não se tratavam de EA, ou ainda, por ser uma pesquisa não se enquadravam à minha categoria de análise, que foi baseada no Levantamento Nacional de projetos de EA (MMA, 1997). Os temas mais abordados foram: fauna, flora e lixo. Os locais/ instituições preferenciais de ocorrência dos projetos em EA são os que permitem visitação (Unidade de conservação, parques, museus, trilhas, shoppings etc). E o público mais atendido é de estudantes de nível básico e professores. Através da análise dos resumos, dentre outras coisas, constatei que a maioria dos programas, projetos e atividades se destinam ao público escolar, no entanto, eles não acontecem dentro da sala de aula. O que me deixou bastante surpresa, pois a EA que acredito e que está de acordo com autores como Giordan e Souchon (1997), deve contribui para o indivíduo ter uma visão crítica do meio em que vive. Também deve possibilitar que os indivíduos possam atuar sobre o meio de modo a contribuir com a resolução dos problemas ambientais. Muitos trabalhos reforçam a idéia do ambiente natural como um ideal, dificultando o desenvolvimento de uma visão crítica do contexto histórico, político, social e econômico ao qual estamos inseridos.
 
 

Summary

    The objective of this work is to do a rising of the biologist's performance in programs, projects and activities of Environmental Education (EE). Then I analyzed the summaries presented in the session of EE in the book of summaries of the Encontro de Biológos of CRB-1 being 1996 and 2001. The number of summaries in the session of EE, between 1996 and 2001, is of 126. However, I analyzed 98 summaries, because the others if they didn't treat of EE, or still, for being a research if they didn't frame to my analysis category, that was based on the National Rising of projects of EE (MMA, 1997). The themes more approached were: fauna, flora and waste. The preferential places/ institutions of the projects in EE are the ones that allow visitation (Unit of conservation, parks, museums, trails, shopping centers etc). And the public more assisted is students of basic level and teachers. Through the analysis of the summaries, among other things, I confirmed that most of the programs, projects and activities are destined to the school public, however, they don't happen inside of the classroom. What left me surprise, because EE that I believe and that it is in agreement with authors as Giordan and Souchon (1997), it must contributes for the individual to have a critical vision of the environment in that he/she lives. He/she should also make possible that the individuals can act on the environment in way to contribute with the resolution of the environmental problems. Many works reinforce the idea of the nature as an ideal, hindering the development of a critical vision of the context historical, political, social and economical to which we are inserted.
 
 

Introdução

    Com este estudo pretendo fazer uma análise dos trabalhos desenvolvidos por biólogos que fazem/ investigam Educação Ambiental (EA), ou seja, pretendo diagnosticar como os biólogos vêm atuando em atividades/ projetos/ pesquisas na área da Educação Ambiental. A partir de um referencial teórico apresento algumas perguntas que pretendo discutir durante o desenvolvimento deste trabalho.

    Segundo o Levantamento Nacional de Projetos de Educação Ambiental realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, por ocasião da I Conferência Nacional de Educação Ambiental, a maior parte dos profissionais que atuam nos projetos de EA é de biólogos, representando 36,6%; seguido pelos pedagogos (14,5%), agrônomos (12,3%) e geógrafos (10%) (MMA, 1997). Este dado nos faz pensar de que modo nós biólogos estamos atuando? Será que a EA desenvolvida está de acordo com os objetivos da EA proposta por Tblise?

    Segundo a Primeira Conferência de Educação Ambiental, realizada em 1977 em Tbilisi, capital da Geórgia (Ex URSS), a EA envolve a aquisição de conhecimentos, valores, comportamentos e habilidades práticas, a partir da reorientação e articulação das diversas disciplinas, para a participação/ação na prevenção e solução de problemas ambientais (Secretaria do Meio Ambiente, 1994).

    Entre os interesses que motivaram esta análise, a primeira questão que se coloca é a forma como os biólogos estão dando conta da articulação com outras disciplinas/ áreas? Será que os trabalhos desenvolvidos são interdisciplinares?

    Um dos elementos fundamentais de um trabalho em EA é a questão da interdisciplinaridade, a concepção de Fazenda (1991) é de que a temática ambiental deve estar baseada em uma "atitude ambiental", que representa uma série de atributos de diferentes naturezas interagindo de forma integrada, tais como: humanidade, interação, autenticidade, esperança, troca, respeito ao outro, compreensão integrada e ampliada do que corresponde o meio ambiente. Faz-se extremamente necessário que as pessoas possam entender a complexidade e as diversas facetas das questões ambientais, para que possam atuar de modo a contribuir com soluções para os problemas. Já Dias (1994) afirma que a interdisciplinaridade é um dos princípios da EA, e que o conteúdo específico de cada disciplina deve contribuir para a formação de uma perspectiva global e equilibrada. Este enfoque interdisciplinar pressupõe a ação conjunta das diversas disciplinas em torno de temas específicos.

    Segundo Leff (1999) as questões ambientais representam elementos questionadores dos paradigmas atuais do conhecimento e dos modelos de modernidade e são provocadores para construção de um novo paradigma. O autor propõe a construção de uma racionalidade ambiental, para a qual são necessárias novas formas de organização democrática, nova racionalidade social, e ainda, novos esforços metodológicos e epistemológicos. A EA tem papel fundamental neste processo, pois representa o instrumento para construção desta racionalidade ambiental. Para Leff, a EA deve ter dois princípios básicos, estar baseada em uma nova ética orientada por valores e comportamentos em vista da sustentabilidade ecológica e a equidade social, e deve promover uma nova concepção de mundo como sistemas complexos.

    As questões ambientais são, por natureza, complexas, e portanto, a interdisciplinaridade apresenta-se como uma necessidade metodológica, a fim de dar conta de uma educação calcada em problemas/ questões ambientais, caso contrário corre-se o risco de promover uma visão reducionista. O simples fato de falar de um problema ambiental, não pressupõe uma abordagem complexa. Um dos meios de tratar de uma questão ambiental diminuindo os riscos de recair no reducionismo, é basear em problemas ambientais reais locais; estes problemas devem ser tratados como um tema gerador, ou seja, um tema a partir do qual nascem inúmeras questões a respeito da questão ambiental, de onde se irradia uma concepção pedagógica comprometida com a compreensão e transformação da realidade. No entanto, muitos dos trabalhos em EA desenvolvidos na escola partem de um problema ambiental real, e procuram resolvê-lo pontualmente, mas não discutem as causas do problema, como constatou Leonardi apud Layrargues (1999) em pesquisa realizada sobre uma proposta educativa de resolução de um problema local na prática. O que acontece é a ação pela ação, como por exemplo, a recuperação de uma área degradada com o plantio de espécies nativas, sem o menor questionamento sobre as causas do problema. Atividades deste gênero equivalem a um adestramento ambiental e não a uma educação ambiental (Layrargues, 1999).

    Segundo Reigota (1994), a EA deve estar presente em todos os espaços educativos, sejam eles formais ou informais A escola (espaço formal da educação) é um dos locais privilegiados para a promoção da EA, desde que dê oportunidade para a criatividade. Sansolo, André & Manzochi (1995) afirmam que a temática ambiental, de forma simples ou bem elaborada, encontra-se presente nas escolas, evidenciando desta forma, que os professores estão conscientes de sua importância no contexto escolar. No entanto, é necessário orientar esforços no sentido de aprimorar as iniciativas já existentes, ou seja, é preciso contribuir com a qualidade das iniciativas em EA que ocorrem na escola.

    Uma possível forma de melhorar a qualidade da EA presente na escola é através da formação (inicial ou continuada) de professores. Nóvoa (1997) e Cunha (1999) afirmam que não existe inovação pedagógica sem uma adequada formação de professores, sendo esta uma saída possível para a melhoria da qualidade do ensino.

    Será que os trabalhos em EA, feitos pelos biólogos, são de fato desenvolvidos na escola? Ou em outros tipos de instituições? A que público se destinam estes trabalhos? Será que existem iniciativas para melhorar as iniciativas existentes na escola?

Metodologia

    Este artigo refere-se a uma análise a respeito da atuação dos biólogos em trabalhos de EA a partir dos resumos apresentados em alguns encontros de biólogos, organizados pelo Conselho Regional de Biologia 1a região CRB.

    Foram realizados doze encontros anuais de biólogos, sendo que somente tive acesso (na sede do Conselho Regional de Biologia – 1a região) aos anais dos últimos seis anos. Selecionei os resumos apresentados na sessão de EA destes seis encontros.

    Para analisar estes resumos foi utilizado como referência o Levantamento Nacional de projetos de EA (MMA, 1997), que categorizou os projetos segundo diversos elementos.

    Os critérios adotados para análise foram: tema do projeto, público alvo, local/ instituição que promoveu/ocorreu o trabalho.

    Tenho ciência de que os resumos analisados não representam a totalidade dos trabalhos, mesmo porque o espaço cedido para cada trabalho é bastante limitado, o que dificulta a descrição na íntegra. Em conseqüência, uma análise mais aprofundada de cada trabalho torna-se inviável; no entanto algumas considerações são cabíveis.

Resultados

    Os livros de resumos dos encontros de biólogos reúnem, além do programa, os resumos dos painéis apresentados durante o evento. Tais resumos são divididos em sessões/ áreas de conhecimento que sofreram inúmeras modificações ao longo dos anos. Algumas sessões foram acrescentadas e outras retiradas. A análise refere-se aos resumos apresentados na sessão de EA.

    Entre 1996 e 2001, 126 resumos foram apresentados na sessão de EA. A distribuição dos mesmos no decorrer dos anos foi de acordo com a tabela 1. No ano de 1998, houve uma brusca diminuição nos trabalhos apresentados nesta área e em 2001 foi o encontro que teve o maior número de resumos. No entanto, em termos relativos é possível perceber que o ano que teve maior representatividade de trabalhos foi o de 2000 (15,5%), e o de menor foi 2001 (9,8%). Nestes seis anos, os trabalhos em EA representaram em média 12% dos resumos apresentados no encontro, o que demonstra a existência de uma demanda razoável para esta área, que fica atrás apenas das atrás apenas das áreas de Ecologia e Zoologia (tabela 2).
 

Tabela 1: Distribuição absoluta e percentual dos resumos em EA de 1996 à 2001.

  1996 1997 1998 1999 2000 2001
Número de resumos apresentados na sessão de EA 17 13 3 30 31 32
Percentual dos resumos em EA em relação aos demais trabalhos apresentados 10,4% 12,5% - 10,6% 15,5% 9,8%

    Na tabela 2, há uma sessão com o nome de educação, no entanto esta sessão sofreu inúmeras alterações ao longo destes seis anos. No anais de 1996, esta sessão não se encontra presente. Em 1997, um único resumo foi apresentado. Em 1999 e 2000, o nome foi modificado para "Ensino de Ciências e Biologia", e retornando o nome original "Ensino" no ano 2001. É interessante destacar a presença desta sessão, pois muitos dos resumos apresentados em Educação Ambiental poderiam fazer parte da área de Ensino e caberia à comissão científica sugerir/ fazer a reclassificação dos trabalhos.

    Não consegui obter informações sobre os demais resumos apresentados no ano 1998, somente os 3 resumos de EA.

    Tive inúmeras dificuldades em categorizar os resumos, e que talvez se refizesse tal classificação eu obteria algumas pequenas mudanças, no entanto, o objetivo desta classificação foi de encontrar tendências, e isto os dados me permitem.
 

Tabela 2: Número (absoluto e relativos) de resumos por sessão, entre 1996 e 2001. A tabela não contém informações sobre o ano de 1998.

Área Número de resumos Porcentagem
Ecologia 206 20
Zoologia 191 18.5
Educação Ambiental 123 12
Botânica 117 11.5
Genética 113 10.5
Morfologia 81 8
Microbiologia 50 5
Parasitologia 30 3
Fisiologia 32 3.
Educação 60 6

    Procurei identificar os temas abordados nos trabalhos, e para tanto, usei o Levantamento Nacional de Projetos de Educação Ambiental (MMM, 1999), a maior parte dos resumos cabia à classificação proposta neste levantamento. No entanto, alguns trabalhos por se tratarem de pesquisas tal identificação foi inviável. Além disso, muitos resumos não tinham uma aparente ligação com a EA, por exemplo, quando um trabalho se propõe a estudar a biologia de determinada espécie, ou mesmo o levantamento florístico de uma região. Na minha opinião, estes casos e outros resumos não representam ser uma pesquisa nem um projeto educativo na área ambiental, e que portanto, desconsiderei-os durante minha análise, sem tirar o mérito dos trabalhos, só que eles não cabem à referida sessão. Enfim, do total de resumos apresentados em EA, 28 trabalhos foram desconsiderados, pelos dois motivos acima mencionados, restando 98 resumos que foram de fato analisados.

    Os temas encontrados durante a leitura dos resumos encontram-se na figura 1 e tabela 3. Muitos trabalhos aparecem em mais do que uma categoria de tema, por exemplo, um trabalho pode abordar ecossistemas, desmatamentos, lixo, água, etc. Eu só classifiquei um resumo em determinado tema, quando a temática estava explícita por escrito. A categorização também dá margem ao mesmo trabalho estar em mais do que um tema, pois eles se sobrepõem, por exemplo, saúde/ doença, saneamento e água.

    Os temas que tiveram maiores ocorrências foram: fauna e flora local (17,7%) e lixo (17%), seguidos pelos EA no conteúdo escolar e Ecossistema local (figura 1 e tabela 3).


Figura 1: Ocorrência dos temas apresentados nos encontros de biólogos

    O tema de maior ocorrência é estritamente de caráter biológico, demonstrando uma possível falta de diálogo com as outras disciplinas do currículo escolar. Não nego a importância de tratar este assunto, e também acredito ser o biólogo o profissional mais competente para assim o fazer. No entanto, o que pude perceber nos resumos é que a informação sobre a fauna e flora local, muitas vezes não contribui para o indivíduo ter uma visão crítica do meio em que vive, também não possibilita que os indivíduos possam atuar sobre o meio de modo a contribuir com a resolução dos problemas ambientais, estes elementos segundo Giordan e Souchon (1997) são os diferenciais da EA, juntamente com um enfoque pluri/ inter/ transdiciplinar; desenvolvimento de uma metodologia de análise do meio obedecendo a uma relação com o cotidiano do aluno e promoção de análise crítica das situações permitindo o confronto de pontos de vista variados que envolvam juízos de valores. Reigota (1994) afirma que a EA não deve priorizar a transmissão de conceitos específicos da biologia e/ou geografia, mas alguns conceitos básicos (ecossistema, hábitat, nicho ecológico, cadeia alimentar, etc) devem ser compreendidos, e não simplesmente decorados.

    Muitos dos trabalhos que tratam da questão da fauna e flora local refere-se a locais de visitação (unidade de conservação, um parque, uma trilha, um jardim, etc) em que os alunos passam um dia (ou poucos dias) no local, onde desenvolvem uma série de atividades. É de extrema valia estes tipos de trabalhos, em geral, ficam marcados na memória dos alunos, quem não se lembra da excursão com a escola. No entanto, ressalta Reigota (1994), a natureza conservada não deve ser apresentada como modelo, já que a relação homem x natureza sofre constantes transformações. Além disso, este tipo de abordagem reforça a idéia de separação de homem e natureza, sendo o espaço natural entendido como o mito da natureza intocada (Diegues, 2001) e sem questionar o modelo de desenvolvimento adotado pela nossa sociedade.

Tabela 3: Porcentagem de ocorrência dos temas encontrados nos resumos durante os anos 1996 a 2001.

Tema Porcentagem de ocorrência[1]
Fauna e flora local 17,7
Lixo 17,1
EA conteúdo escolar 9,6
Ecossistema local 8,9
Água (poluição e tratamento) 8,1
Outros 7,4
Áreas costeiras ou marinhas 5,9
Plantas medicinais 4,5
Saúde/ doença 4,5
Arborização urbana 3
Problema de uma realidade local 3
Ambiente escolar 2,2
Bacia hidrográfica/ área de manacial 2,2
Legislação ambiental 2,2
Meio urbano 2,2
Recuperação de áreas degradadas 1,5

    O segundo tema mais abordado é o lixo, um assunto que permite estabelecer conexões com diversas disciplinas e permite abordagens variadas, desde a origem do problema como a discussão acerca do consumismo, passando pelo gerenciamento (propostas de reciclagem, são as mais comuns), até as conseqüências como os problemas de saúde pública. No entanto, poucos são os trabalhos que abordam o problema em sua totalidade/ complexidade, a maioria dos trabalhos tratam da questão do lixo abordando a reciclagem como a solução de tudo, esquecem dos tão famosos 3Rs (redução, reutilização e reciclagem) e das dificuldades técnicas da reciclagem, dificuldades como disposição e coleta seletiva, a impossibilidade de reciclar determinados produtos e a inviabilidade econômica para alguns materiais. Alguns trabalhos são limitados a uma oficina de papel reciclado ou de reutilização de materiais, algumas vezes acompanhada por palestras que "vendem" a idéia de que a reciclagem é algo fácil de se fazer e a única solução para o problema. Segundo Barcelos e Noal (1998), um dos grandes problemas dos trabalhos em EA é ter como objetivo a resolução definitiva dos problemas, esquecendo de que os problemas ambientais são complexos, e que não existe uma única solução para os mesmos.

    Este tema é interessante no sentido de estar próximo de todos, o lixo faz parte do nosso cotidiano; mas ao mesmo tempo um tema tão distante, na medida em que muitas pessoas desconhecem tal problemática como relata Cunha (2000), ou nunca pensaram o que acontece com o lixo depois que ele sai de nossas casas. Além disso, a problemática do lixo é sem dúvida complexa, e permite a discussão das múltiplas causas dos problemas ambientais, como o modelo de desenvolvimento, os valores e lógica em que nossa sociedade está calcada. É um tema privilegiado em termos de interdisciplinaridade, podendo perpassar todas as disciplinas escolares, cada qual contribuindo com elementos a fim de construir um saber que não é de nenhuma das disciplinas e que só se revela através da contribuição de todas, principalmente se a temática nascer de uma constatação de um problema real da comunidade, seja ela escolar ou do entorno. Mas para que os indivíduos identifiquem o problema é necessário dar espaço para tal, estimular a observação, propor atividades em que a constatação seja inevitável, pois os problemas muitas vezes são tão evidentes/ tão comuns que passam a ser normais, muitas pessoas não se incomodam de ver uma criança passando frio nas ruas, pedindo dinheiro nos faróis enquanto deveria estar na escola, pessoas disputando espaços na rua para dormir. É necessário enxergar o problema, entendê-lo em sua complexidade em suas múltiplas facetas, para poder agir e ter ciência dos limites da ação.

    Segundo Leff (1999), o que vemos é a simples incorporação da questão ambiental à educação formal, reduzindo-se a uma consciência ecológica no currículo tradicional, o que se transmite é uma consciência geral do ambiente, induzindo a uma mudança nas capacidades perceptivas e valorativas dos alunos. A EA está muito longe de penetrar e trazer suas novas visões de mundo ao sistema educativo formal. Para o autor, é necessária uma pedagogia da complexidade que induza os alunos a uma visão de multicausalidade e de interrelações de seu mundo nas diferentes etapas do desenvolvimento psicogenético, que gerem um pensamento crítico e criativo baseado em novas capacidades cognitivas.

    Na minha opinião, estamos ainda muito longe desta "simples" incorporação da questão ambiental à educação formal, nem professores nem alunos mudaram suas capacidades de perceber e valorar o meio; e portanto, estamos mais distantes ainda de produzir na escola uma pedagogia da complexidade, que estimule a criação de novas capacidades cognitivas, que dê conta da construção da racionalidade ambiental.

    Comparando os dados obtidos com o Levantamento Nacional, o lixo está entre os temas mais abordados nos projetos, representando cerca de 32,6%, percentual este maior do que na presente análise (17, 1%). O tema mais citado no Levantamento é "problemas de realidade local" (47.2%) na minha análise representou apenas 3%. Vale lembrar que os dados para o Levantamento foi obtido através de um questionário preenchido pelos responsáveis do trabalho, e que portanto, as comparações são limitadas, talvez se eu entregasse um questionário para cada um dos autores dos trabalhos responder os resultados poderiam ser bastante diferentes, uma coisa é o que eles escreveram outra é o trabalho que eles desenvolvem.

    Quantos aos outros temas que representam 7,4% (tabela 3), por terem aparecido nestes seis anos uma única vez, ou seja, foi citado em um único resumo do total de 98; eu os reuni em um único grupo, a fim de facilitar a análise. Os temas que se encontram neste grupo são: agrotóxicos, desenvolvimento sustentável, desmatamento, poluição, saneamento e a vida/ cultura de extrativistas.

    O terceiro tema mais citado refere-se à EA e o conteúdo escolar. Associando este dado com o público a que se destinam os trabalhos é possível perceber que os estudantes da educação básica (ensino fundamental e médio) representam o público preferencial (figura 2).

Figura 2: Público alvo a que se destinam os trabalhos apresentados nos encontros de biólogos.



    Os estudantes representam 38,5% do público; seguido pelos estudantes universitários, que na maioria das vezes, promoveram/ participaram destes trabalhos. Os estudantes universitários, em geral, relatam trabalhos que desenvolveram em escolas, representando um processo educativo tanto para os estudantes da escola como para os universitários. Em seguida, temos o público de professores (18,5%) que participam dos projetos através de cursos, oficinas, palestras, etc.

Tabela 4: Público-alvo a que se destinam os trabalhos apresentados nos encontros de biólogos.

Público alvo Porcentagem
Estudante nível básico 38,5
Professores 18,5
Comunidade específica 17,7
Estudantes nível universitário 14,6
Público geral 10
Escoteiros 0,8

    Se um dos temas preferidos dos trabalhos é a EA no conteúdo escolar, e ainda se os estudantes representam o público preferencial dos trabalhos em EA, era de se esperar que a EA estivesse acontecendo no meio escolar.

    No entanto, ao analisar a tabela 5, que se refere ao local/ instituição onde o trabalho foi desenvolvido é possível perceber que a escola não é o local onde esses alunos estão fazendo/ participando dos trabalhos. A maior parte (41.6%) dos projetos em EA ocorre fora da escola, em um local de visitação. Este local de visitação pode ser o mais variado possível, desde um zoológico, um lixão, um museu, um ecossistema natural, ou mesmo um shopping.

    Estes dados indicam que a maior parte dos trabalhos, apesar de ter como público os escolares, não está ocorrendo no meio em que os alunos de fato possam atuar. Essa tendência é ratificada, com o dado da tabela 3, que indica que o tema ambiente escolar é pouco trabalhado (2,2%). Nestes seis anos, apenas três resumos encararam o meio escolar como um tema a ser abordado em um projeto de EA. Acredito que isso é um dado importante para repensarmos que tipo de EA está se promovendo. Será que este tipo de EA está comprometido com a formação de indivíduos capazes de transformar/atuar no meio em que vivem?

    É comum acreditar que a EA só pode ser feita quando se sai da sala de aula e se estuda a natureza in loco. Eu concordo com Reigota (1994) e Barcelos e Noal (1998) quando afirmam que as atividades extra-classes, ocorridas em zoológicos, parques, trilhas, podem ser muito ricas do ponto de vista pedagógico, porém não podem ser encaradas como a única alternativa. Inclusive dependendo da forma com que é conduzida pode transmitir conceitos equivocados e preconceituosos em relação à espécie humana para com os demais seres vivos. Este tipo de trabalho reafirma a visão naturalista, em que o homem não faz parte da natureza.

    Se a escola é um ambiente privilegiado para o desenvolvimento da EA e se é consenso promover uma educação que possibilite o indivíduo atuar sobre seu meio. Não podemos admitir que os trabalhos para o público escolar sejam realizados preferencialmente/ exclusivamente fora do meio escolar. Talvez esteja faltando criatividade, eu até diria autonomia para o professor trabalhar a EA na escola. E, autonomia em um sentido amplo, muitas vezes a própria instituição escolar impede que o professor possa desenvolver um trabalho mais criativo; ou mesmo o professor não detém de uma autonomia intelectual, pois a questão ambiental é bastante complexa, e é preciso ter um tipo de postura diferente da tradicional onde aparentemente o professor detém todo o conhecimento. Em se tratando de meio ambiente, não há profissional que possa dizer que sabe/ conhece tudo de determinado assunto, afirmações deste tipo são no mínimo pretensiosas.

    Nestas condições a afirmação de Sansolo, André & Manzochi (1995) deve ser contraposta, os autores dizem que a temática ambiental encontra-se presente nas escolas. Eu diria que estes resumos indicam que a EA é voltada para o público escolar, mas não acontece ou não é uma iniciativa da escola.

Tabela 5: Local/ instituição de ocorrência ou promoção do trabalho.

Local/ tipo de instituição Porcentagem 
Visitação (Unidade de conservação, parques, museus, trilhas, shoppings etc) 41.6
Comunidade 22.8
Escola 14.8
Escola x entidade 14.8
Universidade 5.9

    Uma outra possibilidade é que os biólogos que atuam nas escolas podem não ter o hábito de participar deste encontro. E neste sentido, o conselho regional deveria ter o papel de estimular a participação destes profissionais.

    Na leitura dos resumos, fica evidente que muitos dos resumos são de estudantes universitários que usam este espaço científico para divulgação dos trabalhos desenvolvidos em parceria entre universidade e a escola, por exemplo, em estágios de prática de ensino. Estes resumos foram colocados na categoria Escola x entidade, por ser realizado em parceria, onde ambos tem seu papel; nesta categoria também entrou outros tipos de parceria da escola com outro tipo de entidade, por exemplo, uma ONG ou um zoológico.

Conclusões

    Os biólogos, de fato, estão desenvolvendo pesquisas/ projetos/ atividades em EA, no entanto, é necessário repensar o modo pelo qual estes profissionais vêm trabalhando. É raro encontrar trabalhos que abordem os problemas/ questões ambientais em uma perspectiva complexa, não acredito que seja o biólogo o único a dar conta de tal abordagem. É necessário o diálogo entre os diferentes profissionais para que a abordagem seja mais ampla, este talvez seja o primeiro passo, embora não o único. Também é preciso repensar a formação destes profissionais que muitas vezes são colocados "na fogueira" para desenvolver um projeto de EA, e que durante toda sua formação não tiveram a oportunidade de discutir a educação nesta perspectiva. A EA precisa estar presente na escola e, se estes trabalhos já acontecem e não são divulgados, é preciso criar mecanismos para estimular a divulgação dos trabalhos pois, certamente teremos muito o que aprender com os mesmos, em especial, com os trabalhos que abordem problemas locais reais como um tema gerador, representante do pontapé inicial para discutir a complexidade e multicausalidade dos problemas, bem como a promoção de novos valores e comportamentos para um ambiente ecologicamente equilibrado e socialmente justo.

    Quanto aos objetivos da EA proposta por Tbilise eu acredito que os trabalhos estão um pouco distante de alcançar estes objetivos, principalmente pela carência de articulação dos trabalhos com as demais disciplinas/áreas e pela pouca participação/ ação dos indivíduos na prevenção e solução de problemas ambientais.

    Quanto às atividades extra-classe, acredito que elas devam continuar acontecendo, mas que precisam ser articuladas com um projeto maior. A saída da escola precisa ser repensada, ela pode ser tanto um elemento iniciador de um projeto, como também pode ser algo que finalize um projeto, ou mesmo pode ocorrer no meio, não importa quando aconteça, o fundamental é o comprometimento com objetivos mais amplos.

Bibliografia

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[1] Este cálculo foi feito da seguinte maneira, numerei todos os resumos e fiz 4 tipos de tabelas (tema, instituição/local, público alvo e resumos não analisados). Cada tabela foi separada por colunas que indicam o ano do resumo.  Somei o número de ocorrência de cada tema/ público/local e calculei a porcentagem de cada um. Um mesmo trabalho pode ter mais de uma ocorrência de tema/ público/ local.