ALGUMAS RELAÇÕES ENTRE A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O ENSINO SUPERIOR DE QUÍMICA

Marcelo Eichler

Shirley M. Silva

José C. Del Pino

Resumo

    Em um panorama de ampla e grandiosa produção bibliográfica, entende-se que existe arbitrariedade na seleção dos atuais conteúdos para o ensino superior de química. Por isso, sugere-se ampliar a inclusão das bases de dados de produção bibliográfica na formação do profissional de química. Nesse sentido, supõem-se que os tesauros podem servir de heurísticas para os usuários procurarem informações nessas bases.

Abstract

    Living in a context of broad and grand bibliographic production, we think that there isn’t an objective criterion for selecting the present contents used in higher education on Chemistry. For this reason, we suggest an increase in the inclusion of citation databases in the Chemistry professional’s formation and think that thesaurus may stand as a heuristics for the users to search for information in such databases.
 
 

    Recentemente, um físico tornado cientista da informação (Meadows, 1999) publicou um livro onde analisa algumas características históricas da produção e circulação da informação científica. Nele, por exemplo, sugere que desde há três séculos o número de pessoas envolvidas em pesquisas e o número de publicações que elas produziram aumentaram com crescente rapidez. No entanto, a partir da segunda metade do Século XX, parece que a produção bibliográfica teria aumento muito mais rapidamente do que o tamanho da respectiva comunidade científica. Essas ampliações configuraram um volume de informação científica em circulação tão amplo que alcançou, nos dias atuais, uma impressionante e complexa estrutura de produção e difusão bibliográficas.

    O autor também traz e refuta a idéia que os pesquisadores de hoje olham para trás com inveja de seus predecessores, pois veriam como pequeno o mundo da pesquisa em que os antigos atuavam. A refutação ocorre porque ele entendeu que "a sensação de estar afogado em informações já era lugar-comum há muitos anos" (p. 20), haja visto o panorama em que se deu o surgimento das enciclopédias. Ao longo dos anos, a comunidade científica desenvolveu seu próprio mecanismo de defesa contra o insumo de informações em excesso. Assim, à medida que a ciência se expandiu, os pesquisadores restringiram sua atenção a formas e a partes selecionadas do conhecimento, de tal modo que a informação que precisavam absorver continuaria a se situar dentro de limites aceitáveis. São exemplos, os compêndios, as epítomes, as compilações, os periódicos, os resumos e os bancos de dados eletrônicos, em especial, as atuais versões atualizadas durante a operação (em inglês, on line e up-to-date).

    Então, entende-se que tais restrições indicam que uma pessoa que é aprendiz de uma certa especialidade exige mais tempo e a assistência para alcançar a frente de pesquisa à medida que o tempo passa. Portanto, a formação de pesquisadores vem se tornando mais complexa com o passar dos anos. Assim,

"os cursos de graduação sofreram mudanças não apenas no que tange à gama de informações com que se tem de lidar, mas também no que se refere à maneira como as informações são estruturadas. Os conhecimentos, à medida que se expandiam, foram desenvolvendo uma estrutura teórica cada vez mais complexa. Em geral, é somente depois de uma longa exposição a conhecimentos especializados que os pesquisadores potenciais chegaram a formar uma única idéia sobre como dar início a um trabalho que seja novo. Para a execução efetiva de um projeto de pesquisa eles precisam de uma capacitação adicional, que vem se tornando cada vez mais formalizada ao longo dos anos" (Meadows, 1999, p. 22).
 
 
    Reflexões como essas não são estranhas à química. Ainda mais porque, conforme o filósofo da química Joachim Schummer (1999), em relação ao número de publicações ela é de longe a mais produtiva das ciências. Chegou-se a um ponto que, atualmente, para um cientista estar em dia com todas as áreas da química ele deveria ler em torno de 2000 novas publicações a cada dia. Mesmo se sua atenção fosse mais restrita, focando somente os pequenos resumos, ele leria por volta de 200 páginas por dia ou cerca de 70000 páginas por ano. Ainda mais, como o número de publicações químicas aumenta também exponencialmente, esse cientista necessitará o dobro de sua capacidade de leitura nos próximos 15 anos. Dessa forma, se ler 20 publicações por dia é alguma coisa em um limite muito alto, o filósofo conclui que se as autoridades em química o fazem, seu escopo de conhecimento de fontes primárias é ao menos 1% da produção global. Como conseqüência, qualquer seleção do conhecimento químico por seres humanos é necessariamente arbitrária. Então supõe que o não-conhecimento químico aumenta mais rapidamente que o próprio conhecimento. É evidente que isso tem suas implicações. Uma delas é que, em nível superior, a educação química é forçada a adotar razoáveis princípios de seletividade. Por isso, sugere que o sistema de documentação e o sistema de educação são antes de tudo similares na orientação do conhecimento para o futuro.

    No entanto, enquanto o sistema de documentação tenta aplicar o processo de integralidade, para compreender todo o universo de publicação bibliográfica, o sistema educacional é forçado a aplicar, razoavelmente, princípios de seleção. Tais princípios são necessários, por exemplo, para organizar cursos de química, para escrever materiais didáticos introdutórios ou avançados de química. Além do mais, tal seletividade é ainda seguida de recursos limitados de tempo para educação química. Ou seja, qualquer seleção razoável pressupõe valores para decidir o que é mais importante e o que é menos e a que momento.

    É bem sabido e documentado o quanto os livros didáticos pautam o ensino fundamental das diferentes disciplinas. Mas, Schummer compreende que essa realidade também é encontrada no ensino superior, particularmente no de química. Ele suspeita que a necessidade e o surgimento de livros textos (textbooks, no original) com um gênero próprio de material didático veio do imenso crescimento da extensão dos manuais técnicos (handbooks) que eram utilizados 150 anos atrás. Naquela ocasião, os manuais técnicos eram constituídos pela compilação dos artigos mais relevantes publicados em periódicos. Por sua vez, o livro texto era composto por re-compilação, a partir dos manuais. Assim, obtinha-se uma coleção estruturada de recortes de experiências, eventos e teorias. Porém, o filósofo entende que mesmo nos últimos 20 anos, quando foram providenciados novos e excelentes negócios para fomentar a escritura de livros textos universitários, ainda existe uma tendência dominante em química de se escrever livros textos como uma re-compilação dos experimentos e das teorias efetivamente realizadas e debatidas.

    Então, dada a impossibilidade de uma supervisão sobre a produção do conhecimento químico atual, tais livros textos não devem ser entendidos como uma condensação de fontes primárias, ou seja, relatos de pesquisas ou análises e sínteses teóricas. Os livros textos devem ser entendidos, sim, como uma seleção inteiramente arbitrária de informação. Conforme Schummer, a seleção é, em sentido estrito, arbitrária porque ninguém pode dar quaisquer razões objetivas para justificar tal seleção. Mesmo que se saiba de algum autor que enuncie suas justificativas para a escolha dos principais ou centrais conceitos que aborda em seus livros (Atkins, 1999), isso se dá em nível de opinião, sem que fosse empreendido qualquer análise ou síntese epistemológica ou mesmo cognitiva.

    Dessa forma, se os livros textos são usados como a base para os cursos de química - e eles ainda são usados no nível universitário - então, nós podemos concluir que o conceito de ensino subjacente é uma confusão fundamental. Não é à toa que os estudantes fiquem confusos com bases de dados de fontes primárias, eles foram alimentados como uma seleção arbitrária de informação química (Schummer, 1999).

    Assim, o filósofo propõe um ensino que se aproxime mais das fontes primárias de informação, como forma de dirimir a confusão e controlar a arbitrariedade da seleção. Mas, para isso é necessário sabermos que tipo de informação é armazenada em que tipo de base de dados, bem como o que não é armazenado. Devemos saber que tipo de informação pode ser útil para resolver um certo problema, e como isso pode ser transformado ou adaptado para o problema em questão. Devemos saber como encontrar a informação na base de dados, isto é, como usar as categorias de busca. E, por último, qual o tipo de problema que pode ser resolvido usando as diferentes bases de dados químicos, tais como as de pesquisa, patentes, toxicidade, etc.

    Uma vez que as bases de dados provêem respostas para certas perguntas, os estudantes devem aprender a colocar questões para que eles possam achar as possíveis respostas. De um lado, o filósofo aponta que a ênfase a ser dada ao ensino deveria ser sobre os problemas. Nesse sentido, os estudantes deveriam antes de tudo ser formados para estarem aptos a reconhecer os problemas que podem ser lidados com conhecimentos químicos, bem como serem hábeis para reunir por eles próprios os conhecimentos relevantes. Por outro lado, quando são utilizadas as bases de dados, espera-se que se tenha alguma noção sobre o que se está procurando e sobre quais os termos a serem utilizados no sistema de busca. Entretanto, isso pode configurar algum tipo de problemas, ainda mais em áreas de pesquisas inovadoras, onde não as questões não podem ser formulados em termos de palavras-chave. Nessa ocasião, talvez o passar de olhos (to browse, no original) sobre as informações seja a conduta mais apropriada nos primeiros acessos.

    Então, na opinião de Schummer o principal debate na educação profissional de química está centrada na questão: que tipo de seletividade deve ser razoavelmente aplicada para extrair aquelas partes do conhecimento químico para serem abordadas nos níveis fundamental, médio e superior?

    Em um projeto de pesquisa que vimos desenvolvendo, seguindo uma abordagem totalizadora, além da seletividade nos interessa o problema da organização dos conhecimentos químicos. Nesse sentido, entendemos que os próprios sistemas de documentação, em função de suas tecnologias, podem servir de heurística tanto para esse tipo de questionamento como para as escolhas tomadas. Mais os fim deste artigo, sugerimos que tal heurística pode ser útil, também, para evidenciar as seleções adotadas por autores de livros textos. Por tudo isso, julgamos que algum conhecimento sobre ciência da informação é importante para o ensino superior de química.

    No entanto, antes que sejam abordados alguns dos conhecimentos relacionados à ciência da informação, talvez seja útil situar tais problemas à luz das tecnologias e das ferramentas que são por ela colocadas à disposição de pesquisadores e estudantes, tais como a Web of Science (http://webofscience.fapesp.br) e a WebSpirs (http://www.periodicos.capes.gov.br).

    Novamente, o livro de Meadows é útil como introdução ao tema e histórico do desenvolvimento nessa área. Não é surpreendente verificar que tal desenvolvimento iniciou pela química. Na década de 1890, os químicos norte-americanos estavam tão insatisfeitos com a cobertura de seus trabalhos primários pelos europeus que decidiram fundar a Review of American Chemical Research, um publicação secundária que trazia os resumos de seus trabalhos. No início, não havia uma cobertura mundial da produção primária. Mas, já em 1907, a American Chemical Society decidiu ampliar o alcance de sua publicação, substituindo-a pelo Chemical Abstracts, a primeira publicação secundária de âmbito global, que rapidamente se tornou a obra de referência dos químicos no mundo inteiro, eliminando a maioria dos concorrentes.

    A exemplo do que ocorreu com a química, outras ciências também foram contempladas com bases de dados que facilitavam a recuperação de informações publicadas na literatura primária. Assim, à medida que o número de periódicos cresceu rapidamente, também cresceu o número de periódicos de resumos. Hoje, a diversidade é ampla, inclusive dentro de uma mesma área, existindo diversas bases de dados para o mesmo ramo do conhecimento. Dessa forma, nos últimos anos surgiu um novo problema: qual a melhor maneira de localizar informações em periódicos de resumos?

    As novas tecnologias da comunicação e da informação vieram a configurar uma solução para esse tipo de problema. A partir da década de 60, os computadores começaram a armazenar as publicações secundárias. Os resumos eletrônicos foram essencialmente moldados à margem dos resumos impressos. Desde àquela época, a abrangência e a velocidade com que uma consulta poderia ser feita - em princípio, se bem que nem sempre na prática - foram as principais vantagens propiciadas pelo meio eletrônico. Assim, o computador começou a permitir o exame da literatura secundária de modo muito mais amplo do que o ser humano alcançara até então. Já na década de 1980, o desenvolvimento da tecnologia de informação chegou a uma etapa em que podia começar a competir com a impressão em papel como meio universal para difundir informações científicas.

    Em um primeiro momento, o desenvolvimento da microcomputação e das unidades de leitura de disco ótico permitiu a paulatina substituição do formato impresso para o digital. Atualmente, as redes internacionais de computadores permitem a manutenção de amplas bases de dados que são atualizadas inclusive durante sua operação. Além disso, o espectro das buscas foi ampliado. As buscas por palavras-chaves que, inicialmente, eram feitas apenas nos títulos, hoje incluem também o conteúdo dos resumos e, algumas vezes, o texto integral de documentos - livros e também artigos de periódicos.

    Na perspectiva de representar e possibilitar uma melhor recuperação das informações e permitir, também, comunicações mais precisas no campo da ciência e da técnica, tais ferramentas utilizam métodos de indexação e classificação, tais como a tabela de classificação, o tesauro e as terminologias. Através de tais métodos é possível sistematizar os conceitos de uma certa área de conhecimento, possibilitando uma visão panorâmica sobre o conjunto daquele saber. A sistematização é elaborada através de princípios comuns existentes entre aspectos teóricos que têm por base a Teoria da Classificação Facetada, a Teoria do Conceito e a Teoria Geral da Terminologia. Esses princípios são constituídos pelos elementos que estão na base da formação de tal sistema, que são os conceitos, a relações entre os conceitos e a própria apresentação do sistema de conceitos (Campos, 1995).

    Nesse sentido, a classificação é um meio de introduzir ordem numa multiplicidade de conceitos, idéias, informações, organizando-os em classes, isto é, grupos de coisas que têm algo em comum. Isso também significa que tais grupos têm algo que os distinguem entre si, diferenciando sua classe de outras classes, pois se excluem as coisas que não possuem a característica comum. Uma classe pode ser dividida em classes menores, mantendo-se as propriedades de identidade coletiva e diferenciação, sucessivamente, até que, teoricamente, toda a escala tenha sido abrangida (UDC Consortium, 1997).

    O desenvolvimento de uma classificação inicia pela coleta dos termos próprios existentes numa área. Esses termos podem ser coletados, por exemplo, em tratados, livros-texto, dicionários e glossários. Os termos, também, podem ser derivados examinando-se cuidadosamente artigos de periódicos, relatórios e outras literaturas dentro do assunto. Ou ainda podem ser obtidos de especialistas de assunto. O passo seguinte é o agrupamento dos termos em facetas, ordenando-as em categorias. (Vickery, 1980).

    Uma vez que a maioria de conceitos não são categorias de fronteiras rigidamente estabelecidas, senão limites aproximativos e difusos (Cabré, 1993), as facetas passam a ser de muita utilidade para a classificação. Grosso modo, entende-se por faceta cada um dos aspectos particulares pelos quais se considera algo. Porém, conforme Vickery (1980), um químico tornado cientista da informação, as várias hierarquias que podem ocorrer na classificação de um ramo do conhecimento tornaram-se conhecidas como facetas do assunto. Assim, a técnica da análise em facetas é a análise conceitual de um assunto para se escolher, do número ilimitado de características pelas quais ele poderia ser dividido, as que forem mais significativas para o estudo e aplicação do mesmo. Por exemplo, considerem-se seis termos da área de Química: ‘álcool’, ‘líquido’, ‘volatibilidade’, ‘combustão’, ‘análise’ e ‘bureta’. O primeiro é um tipo de substância química; o segundo, um estado dessa substância; o terceiro, uma propriedade; o quarto, uma reação; o quinto, uma operação e o sexto, uma aparelho para realizar uma operação. Esses seis termos são características da divisão pela qual os termos são derivados da classe de Química. Então, em vez de tentar construir uma vasta árvore do conhecimento, partindo do universo original, a análise de facetas agrupa primeiro os termos em categorias - ‘tipo’, ‘estado’, ‘propriedade’, ‘reação’, ‘operação’, ‘aparelho’ e assim por diante - e depois os arranja dentro de cada categoria na forma de uma árvore classificatória. Mas há de se notar que cada uma dessas características pode dar origem a sua própria árvore genealógica de termos - álcool, por exemplo, é um membro dos compostos orgânicos.

    Uma das áreas que tem relação estreita com a classificação é a terminologia. No entanto, se foi possível adotar princípios classificatórios para solucionar problemas da sistematização de conceitos, tanto nas classificações bibliográficas quanto nos tesauros, o mesmo não acontece com respeito aos termos ou descritores, sua forma e sua definição (Campos, 1995). Porém, pode-se interpretar que as características necessárias à descrição de um conceito são duas: 1) suas características intrínsecas ou inerentes; e 2) suas características extrínsecas ou a relação do objeto com outros objetos: origem, função e relação espacial, temporal e causal. Dessa forma, pode-se pensar que a indicação de categorias conceituais poderia ser expressa da seguinte forma: pertence ao grupo x, é feito de x, serve para x, é produzido a partir de x, ocorre quando causa x, etc. (Finatto, 1998). Nesse sentido, é útil observar que as definições dos termos, em dicionários, por exemplo, são estruturados em duas direções principais: a) as relações semânticas que o termo de entrada mantém com outros termos do domínio repertoriado e, por vezes, com o de outros domínios ou subdomínios afins; e b) os usos específicos do termo no interior do universo discursivo em que está inserido. Assim, a formalização dessas duas ordens de relações constitui um sistema segundo de informações que é chamado de rede de remissivas ou referências cruzadas (Krieger, Maciel e Bevilacqua, 1994). Por isso, as remissões em um dicionário constituem uma rubrica de circulação e pela remissão, ou seja, o processo de remeter a informação de um ponto a outros, é possível constituir trajetos de reconstrução de significados (Faulstich, 1993). Essa forma de estruturação, além dos dicionários, aparece também nas enciclopédias e nos tesauros, sendo esses incorporados e utilizados pelas bases de dados que propiciam a busca de informações.

    Os tesauros são documentos constituídos por listas de termos normalizados (e por tanto controlados) relacionados entre si semanticamente. Em um tesauro, cada ramo do saber recebe uma determinada organização semântica (Cabré, 1993). Entre as características se destacam: o controle da forma das palavras, a especificidade e o nível de coordenação dos termos de indexação, as relações estruturais e os artifícios auxiliares. Dessa forma, os tesauros tem a capacidade de mostrar as relações estruturais entre os termos, incluindo relações hierárquicas e não hierárquicas, assim como relações associativas e de equivalência. A estrutura apresentada nos tesauros foi, em algum momento, submetida a avaliação de especialistas do ramo de conhecimento abordado (Aitchison e Gilchrist, 1979).

    Vejamos como a Química aparece em dois sistemas de classificações, o Tesauro Spines (Unesco, 1998) e a Classificação Decimal Universal (CDU) (UDC Consortium, 1997).

    O reconhecimento do conteúdo conceitual do Tesauro Spines, relacionados a área de química, perfaz aproximadamente 200 termos. O tesauro apresenta a forma de um arranjo alfabético, no qual dentro de cada categoria os termos são arranjados alfabeticamente, conforme Quadro 1. Os termos são divididos conforme sua especificidade hierárquica, através das letras NT (do inglês, narrower term) e de qualificadores numéricos para enfatizar a ordem. Assim têm-se NT1, NT2 e NT3, por exemplo. As relações entre os termos não são puramente hierárquicas, mas podem ser também de caráter associativo, onde os termos estão semanticamente relacionados.

QUÍMICA

NT1 Propriedades Químicas

NT2 Acidez

NT2 Alcalinidade

NT2 Clorinidade

NT2 Ph

NT2 Propriedades Termoquímicas

NT2 Salinidade

NT2 Valência

NT1 Química Analítica

NT2 Análise de Alimentos

NT2 Análise de Gorduras

NT2 Análise de Espectroscopia

NT2 Análise Metalúrgica

NT2 Análise por Radioativação

NT2 Análise por Raios X

NT2 Análise Química Quantitativa

NT3 Análise Eletrólitica

NT3 Análise Volumétrica

NT3 Gravimetria

NT2 Centrifugação

NT3 Ultracentrifugação

Quadro 1: Estrutura de alguns termos do Tesauro Spines

    Por sua vez, a CDU é muito mais ampla, contém aproximadamente 3.000 termos da área de química. A notação que representa os conceitos é a de algarismos, que em geral expressam sua ordenação. A hierarquia numérica reflete a hierarquia conceitual, quanto maior a extensão dos algarismos maior o detalhe, ou seja, mais restrito o termo. A CDU é uma classificação por aspectos, onde o fenômeno é classificado segundo o contexto ou disciplina em que é considerado. A inserção de um mesmo termo em outra categoria é viável, visto que dependendo do enfoque um certo descritor também aparecerá em outros lugares. Um extrato de classificação dos termos de química pode ser visto na Tabela 1. Já a Figura 1 contém um representação da hierarquia de descritores associada ao termo ligação química.

Tabela 1 - Extrato dos descritores sobre química, enfatizando as relações com o conceito de cinética química.
  54 Química. Cristalografia. Mineralogia
  (54-1 / 54.081) Subdivisões auxiliares especiais (p.e., estado da matéria; substâncias químicas; tipos de radiação).
  542 Química prática de laboratório. Química operacional e experimental.
  543 Química analítica.
  544 Química física (i.e., Físico Química).
   

(544-931.2 / 544.0)

Subdivisões auxiliares especiais (p.e., substâncias e sistemas químicos; propriedades e fenômenos físicos; instrumentos e equipamentos).
    544.1 Estrutura química da matéria.
    544.2 Química física dos sólidos, líquidos e gases.
    544.3 Termodinâmica química.
    544.4 Cinética química. Catálise.
      544.41 Classificação da reação química.
      544.42 Cinética formal.
      544.43 Mecanismo das reações químicas.
      544.45 Combustão. Explosão. Cinética da combustão e da explosão.
      554.46 Topoquímica. Reações topoquímicas. Reações mecanoquímicas.
      544.47 Catálise. Reações catalíticas.
        544.472 Catálise segundo a natureza da interação química intermediária.
          544.472.2 Catálise ácido-base (heterolítica).
          544.472.3 Catálise redox (homolítica).
        544.473 Catálise segundo a natureza ou a composição dos catalisadores.
        544.474 Autocatálise.
        544.475 Catálise negativa. Inibição. Inibidores. Retardadores.
        544.476 Mecanismos de ação catalítica.
          544.476.2 Sítio catalítico. Sítio ativo. Número de mudança.
          544.476.4 Transbordamento.
        544.478 Catalisadores
          544.478.1 Atividade do catalisador. Ativação do catalisador. Promoção.
            544.478.12 Ativação do catalisador. Ativadores.
            544.478.13 Promoção do catalisador. Promotores.
          544.478.3 Imobilização do catalisador. Fixação do catalisador.
            544.478.32 Catalisadores adsortivos ou apoiados.
            544.478.34 Apoiadores do catalisador.
          544.478.4 Seletividade do catalisador.
            544.478.41  Catalisadores seletivos.
            544.478.42 Catalisadores multifuncionais.
          544.478.6 Envenenamento do catalisador. Envenenadores do catalisador.
          544.478.7 Regeneração da atividade catalítica. Regeneração do catalisador.
    544.5 Química dos processos de alta energia.
    544.6 Eletroquímica.
    544.7 Química dos fenômenos de superfície e dos colóides.
  546 Química inorgânica.
  547 Química orgânica.
  548 Cristalografia.
  549 Mineralogia.


 

Figura 1 - Rede hierárquica para os descritores do conceito de ligação química.

    Portanto, entende-se que os tesauros permitem a quem busca a informação uma "visão estrutural do todo, visão esta determinada pela classificação detalhada e pela valiosa disposição de facetas e hierarquias" (Aitchison e Gilchrist, 1979, p. 128). Muitas vezes, tal visão pode ser facilitada por gráficos e representações, como o fluxograma que consta na Figura 1.

    Mas é preciso enfatizar que o uso de um termo específico em dada disciplina técnico-científica pressupõe o conhecimento de uma certa configuração desse espaço conceptual, bem como o papel desse termo nesse sistema estruturado do conhecimento (Biderman, 1998). Porém, termos como átomos, elétrons e feixes luminosos são termos teóricos, ou seja, não se associam diretamente a coisas observáveis. O mesmo se dá com vocábulos como ego, id, grupo social, função de onda, cristandade. Assim, muitas vezes para interpretar o significado de tais termos teóricos, "é preciso que o vocábulo venha associado – e possivelmente de maneiras bem definidas – a muitos outros vocábulos, a toda uma rede de termos (teóricos e não teóricos). Nessa rede é que o termo ganha sentido" (Hegenberg, 1975, p. 68).

    É interessante verificar que, na classificação do conhecimento, os velhos modos subjetivos de divisão tem sido abandonados. A área do conhecimento é multidimensional, seus termos e conceitos são ligados de múltiplas maneiras, necessitando outras formas de representação. Nesse sentido, a restrição da classificação à tradicional árvore do conhecimento deu lugar ao reconhecimento das categorias que introduzem outras relações além das genéricas, valorizando as metáforas em rede (Vickery, 1980). Assim, como um mapa de associação esquematiza grupamentos de termos relacionados, é usual mostrar os diferentes níveis de correlação por meio de setas e outros símbolos. Nesse tipo de representação o conceito de origem no grupo de assunto é posto na posição central, e cada um dos outros conceitos no diagrama é disposto em relação a ele (Aitchison e Gilchrist, 1979). Muitas vezes, esses termos são representados conforme suas facetas ou categorias, podendo ser divididas, por exemplo em: 1) entidades (homem, coisa, parte, etc.); 2) ações (causar, ser, fluir, etc.); 3) casos (para, em, sobre, através, etc.); 4) qualificadores (bom, belo, claro, etc.) ou 5) tipos (como, modo, etc.) (Becker, 1990). Outras proposições (Sager e Rageura, 1995) sugerem separar essas divisões, deixando os dois primeiros itens para a diferenciação dos nós da rede e os outros para as características da ligação desses.

    Há uma certa quantidade de remissivas presentes na CDU, no entanto pela grande quantidade de termos, é quase impossível fazer uma representação gráfica de uma rede tão ampla e multifacetada. Portanto, na Figura 2, apresentamos como exemplo desse tipo de representação, particularizada em relação aos conceitos de química, a inter-relação dos termos principais enunciados por em um livro texto de Química Geral (Silva, Eichler e Del Pino, 1999).

    Conforme vimos abordando, por um lado, entendemos que listas de classificação, como o Tesauro Spines e a CDU, podem ser úteis para a orientação da seleção das palavras-chave a serem utilizadas na procura de informações nas bases de dados eletrônicas. Por outro lado, também procuramos evidenciar que essas próprias listas de classificação foram desenvolvidas através da extração de termos de documentos sobre os assuntos que elas abordam. Dessa forma, entendemos que através dessas ferramentas podemos pôr em evidência as escolhas dos autores de manuais técnicos ou de livros textos sobre a seleção e o encadeamento dos conceitos centrais que eles enunciam nesses materiais didáticos.

    Finalmente, esse tipo de análise tem duas finalidades. A primeira, é que ao extrair e comparar as diferentes seleções e encadeamentos que façam diferentes autores, pode-se procurar, em adição com conhecimentos das ciências cognitivas, inferir os critérios e as motivações que lhes estejam subjacentes, prescrevendo alguma ordenação conceitual que seja mais própria ao ensino superior de química. A segunda, é ampliar o escopo dos estudos em terminologia, inserindo a especificidade do texto didático-científico de química geral, que muitas vezes, parece opaco às interpretações do lingüista. Vale a pena salientar que os estudos em terminologia são aplicáveis (e também desenvolvidos, mostrando a circularidade envolvida com essa área de conhecimento) em áreas como a tradução, a versão e o desenvolvimento de métodos e de tecnologias de parser (do inglês, to parse, analisar gramaticalmente) incluídos em processadores eletrônicos de texto.
 
 


Figura 2 - Representação gráfica confeccionada a partir dos termos fundamentais indicados no capítulo de introdução do manual de Química Geral, de John Russel (1981).



Referências 



Aitchison, J. & Gilchrist, A. (1979). Manual para construção de tesauros. (H.M.P. Braga, Trad.). Rio de Janeiro: BNG/Brasilart.

Atkins, P (1999). Chemistry: the great ideas. Pure and Applied Chemistry, 71 (6), 927-929.

Becker, B.F. (1990). Conceitos de inteligência artificial aplicados a Lingüística. Letras de Hoje, 25 (4), 15-40.

Biderman, M.T.C. (1998). As ciências do léxico. Em A.M.P.P. de Oliveira e A.N. Isquerdo. As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. (pp. 11-20). Campo Grande, MS: Ed. UFMS.

Cabré, M.T. (1993). La Terminologia. Barcelona: Editorial Empúries.

Campos, M.L.A. (1995). Perspectivas para o estudo da área de representação da informação. Ciência da informação, 25 (2). Versão eletrônica em: http://www.ibict.br/cionline/250296/25029611.pdf

Faulstich, E.L.J. (1993). Rede de remissivas em um glossário técnico. Cadernos do I.L. (Instituto de Letras, UFRGS), 10, 91-97.

Finatto, M.J.B. (1998). A definição terminológica do dicionário Termisul: expressões lingüísticas de relações conceptuais complexas. Em A.M.P.P. de Oliveira e A.N. Isquerdo. As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. (pp. 209-221). Campo Grande, MS: Ed. UFMS.

Hegenberg, L. (1975). Significado e conhecimento. São Paulo: EPU e EDUSP.

Krieger, M.G.; Maciel, A.M.B. & Bevilacqua, C.R. (1994). Relações semânticas de um dicionário ambiental. Em: Actas del IV Simposio Iberoamericano de Terminología – Tomo II. (Outubro, Buenos Aires): Rede Iberoamericana de Terminología. Pp. 127-131.

Meadows, A. J. (1999). A comunicação científica. (A.B. Lemos, Trad.). Brasília: Briquet de Lemos.

Russell, J.B. (1981) Química Geral. São Paulo: Makron Books.

Sager, J.C. & Rageura, K. (1994/5). Concept classes and conceptual structures: their role and necessity in terminology. Actes de Langue Française et de Linguistique (ALFA) 7/8, 191-216.

Silva, S.M.; Eichler, M. & Del Pino (1999). Análise de conceitos para a proposição de uma rede semântica para o conhecimento químico. Em: [CD-ROM] Livro de Resumos do XI Salão de Iniciação Científica. Porto Alegre: UFRGS.

Schummer, J. (1999). Challenger for chemistry documentation, education, and working chemists. Educación Química, 10 (2), 92-101.

UDC Consortium (1997). Classificação Decimal Universal, edição-padrão internacional em língua portuguesa - Parte 1. Tabelas sistemáticas. Brasília: IBICT.

UNESCO (1998) Tesauro Spines. Brasília: Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica.

Vickery, B.C. (1980). Classificação e indexação nas ciências. (M.C.G. Pirolla, Trad.). Rio de Janeiro: BNG/Brasilart.