A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS PRÁTICOS NO LABORATÓRIO ESCOLAR

Antônio Tarciso Borges
tarciso@coltec.ufmg.br

Oto Neri Borges
oto@coltec.ufmg.br

Marcus Vinícius Duarte Silva
marquinhos@coltec.ufmg.br

Alessandro Damásio Trani Gomes
alessandro@coltec.ufmg.br
Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais


Resumo

    A pesquisa educacional sobre o papel e os objetivos do laboratório escolar de Ciências identificou um conjunto de crenças e expectativas entre professores e planejadores de currículos e materiais para o ensino. Entre elas, uma das mais disseminadas é a de que as atividades práticas desempenham um papel fundamental na aprendizagem de Ciências. Porém, o que realmente os estudantes fazem em suas atividades de laboratório é ainda pouco compreendido. Este trabalho relata parte de nosso programa de pesquisa que visa desenvolver um currículo de Ciências baseado em modelos e modelagem. Compartilhamos a crença de que as atividades práticas e, em especial, as investigações, devem desempenhar um papel central em um currículo com essa orientação. Aqui discutimos como grupos de estudantes do ensino médio realizam atividades práticas abertas com auxílio de um sistema de aquisição e apresentação de dados baseado em computador. Analisamos os desafios e as dificuldades que essa atividade colocou para eles, focalizando a relação entre o planejamento e a execução da investigação.

Abstract

    Educational research has identified a number of views and beliefs concerning the role and purpose of school laboratory prevailing among science teachers. One of the most popular is that practical activities are of paramount importance for securing science learning. However, little is known about what is really done by students in their school practical activities. This paper reports part of our research programme aiming at developing a more relevant science, and physics, curriculum based on models and modelling. Our view is that practical activities and investigations, in particular, should play a central role in a curriculum having this orientation. In this paper we discuss how small groups of secondary students manage to do open practical investigations mediated by a data logging system. We analyse the challenges and difficulties they face when performing the investigation, focussing on their planning and execution of the task.
 
 

Introdução

    Neste trabalho, discutimos como estudantes da primeira série do ensino médio realizam atividades práticas abertas. Registramos em vídeo as atividades e discussões de três grupos, mas aqui, apresentamos em detalhe o caso de apenas um grupo composto de três estudantes investigando os fatores que afetam o período de um pêndulo simples, analisando os desafios e as dificuldades que essa experiência colocou para eles. Para realizar a investigação, os estudantes usaram um sistema de aquisição e apresentação de dados baseado em computador para deslocar o foco de sua atenção da coleta e apresentação dos dados para a o planejamento da investigação e interpretação dos resultados obtidos.

    Os últimos anos foram caracterizados por um interesse marcante em vários países com a rediscussão das metas curriculares, motivada por uma insatisfação generalizada com os currículos então vigentes e pela rápida disseminação de novas tecnologias que vem modificando nossa vida em vários aspectos fundamentais. Estes desenvolvimentos pautam, há algum tempo, os debates sobre as instituições educacionais, sobre as metas principais do currículo escolar de Ciências e sobre as estratégias de ensino-aprendizagem que parecem mais adequadas para preparar os estudantes de hoje para a cidadania e para lidar com as incertezas de um mundo em rápido processo de mudança. Nesse contexto, o debate sobre o laboratório escolar ganha nova importância, a partir de preocupações educacionais e curriculares mais amplas.
 
 

A atividade prática no ensino de Ciências

    O laboratório escolar é uma questão perene na educação em Ciências, discutida sob diferentes perspectivas. O papel do laboratório, seus propósitos e sua efetividade em contribuir para a aprendizagem de Ciências têm sido o foco de um contínuo debate, com uma longa história (White, 1996; Tamir, 1991; Hodson, 1988). No entanto, parece haver consenso entre pesquisadores em educação em Ciências de que as atividades práticas têm enfatizado demais a preparação de montagens experimentais e a realização de medidas, deixando pouco tempo para que os estudantes pensem, analisem e discutam os resultados conseguidos e as idéias que estão envolvidas naquela situação (Hodson, 1988; Millar, 1991; White, 1996). Essa orientação tem conseqüências sobre as aprendizagens que resultam da realização de tais atividades.

    Uma das tendências predominantes na área de educação em Ciências é a de que os currículos devam visar a ‘alfabetização científica’ de todos os estudantes. As recomendações de pesquisadores e fóruns educacionais e científicos priorizam a substituição das atividades práticas tradicionais ("hands-on") ou orientadas em processos, por atividades mais abertas, de natureza investigativa. Atividades investigativas são problemas práticos abertos nos quais os estudantes não possuem, de antemão, uma resposta conhecida, sendo portanto, desafiados a solucioná-los (Borges, 1997).

    A pesquisa sobre o papel e os objetivos do laboratório escolar de Ciências na educação secundária identificou um conjunto de crenças e expectativas entre professores e planejadores de currículos. Uma das mais disseminadas delas é a de que as atividades práticas desempenhem um papel fundamental na aprendizagem de Ciências. Porém, não há clareza sobre como estas preencheriam tal papel e, assim, uma importante relação se perde: o propósito de cada atividade e o que tem sido realmente feito dentro do laboratório é pouco compreendido, o que contribui para torná-lo extremamente improdutivo. Lazarowitz e Tamir (1994) fizeram uma vasta revisão bibliográfica sobre as atividades laboratoriais entre 1957 e 1990 e concluíram que ainda falta um suporte empírico para se definir a importância do laboratório no ensino e quais os meios para se obter essa relevância. Estudos (Borges, 1997; González, 1992; White, 1996) evidenciam as falhas dessas atividades, apontando que, com raras exceções:

    Assim, esse tipo de laboratório, chamado de "tradicional" ou "hands-on", resulta em aprendizagens muito aquém daquelas expectativas mais otimistas das últimas décadas. Nele, os estudantes geralmente coletam dados sem compreender o sentido de suas ações (Roychoudhury e Roth, 1996), bem como o porquê dos resultados obtidos. Ao longo do tempo, ele acaba se transformando em mais uma rotina, por não apresentar desafios aos estudantes.

    O grau de abertura das atividades práticas pode ser caracterizado de várias formas. Uma delas é o sistema de quatro categorias desenvolvido por Herron (veja Tamir, 1991), que se baseou no nível de controle que o estudante possui sobre o experimento. Nas atividades do Nível 0, o objetivo, o procedimento e até mesmo a conclusão são fornecidos pelo professor ou pelo roteiro. No Nível 1, somente a conclusão fica a cargo do aluno. No Nível 2, apenas o problema é proposto ao aluno e, finalmente, no Nível 3, o aluno é responsável, também, pela identificação de um problema interessante para a investigação. Em atividades desses últimos níveis, o aluno planeja a atividade, formula hipóteses, define os procedimentos, coleta e analisa os dados, discute os resultados e obtem uma conclusão. Como outras, essa taxonomia tem apenas valor heurístico. De forma geral, podemos pensar em um contínuo, cujos extremos são, por um lado, atividades ou problemas completamente bem definidos, onde há uma resposta que pode ser obtida através de aplicação de alguns procedimentos já especificados na definição do problema, e de outro, problemas ou situações completamente abertas.

    Levantamentos apontam que há uma utilização excessiva de atividades de Nível 0 e 1 (Gomes, Silva, Borges e Borges, 1999a). Há, e deve haver, espaço para atividades de verificação, mas é necessário dosá-las. Currículos em que predominam atividades dos níveis 0 e 1, pouco contribuem para promover uma melhor compreensão conceitual das principais idéias envolvidas nas atividades e, também, para aproximar a atividade dos estudantes às atividades de fazer Ciência. Como conseqüência, os estudantes frequentemente desenvolvem imagens de que a Ciência é um conjunto de conhecimentos provados verdadeiros, rígido e imutável, descobertos por pessoas geniais. Além disso, desenvolvem um entendimento de que aprender Ciências significa aprender a aplicar as fórmulas e raciocínios propostos em aula ou em livros para chegar às respostas corretas.

    As atividades promovidas nos laboratórios devem ser diversificadas e balanceadas, estimulando o desenvolvimento dos alunos. Dentre tantas atividades, acreditamos que investigações, de variados níveis de complexidade, propostas pelos próprios alunos ou pelo professor, têm o potencial de engajar e motivar os estudantes, permitindo a superação das deficiências das atividades práticas tradicionais e fazendo com que os estudantes tenham um papel mais ativo no seu processo de aprendizagem.
 
 

Atividades Investigativas

    Este trabalho insere-se em um programa de pesquisa que busca desenvolver um currículo de Ciências mais relevante, baseado em modelos e em modelamento. Nosso entendimento é que as atividades práticas e as investigações são centrais em um currículo de Ciências dessa natureza. Argumentamos que promover o desenvolvimento de um entendimento de como planejar uma investigação, de como interpretar e avaliar os resultados obtidos e de como julgar a qualidade das afirmações derivadas desses resultados é essencial para se adquirir uma alfabetização científica e para desenvolver o pensamento baseado em modelos. Por outro lado, reconhecemos que isso é uma meta muito ambiciosa e de longo prazo.

    Diversos trabalhos (Gomes, Silva, Borges e Borges 1999a; White 1996; Borges 1997; Tamir 1991; Varela e Martínez 1997) sugerem alternativas semelhantes, propondo estruturar as atividades de laboratório como investigações ou problemas práticos com variados níveis de abertura. Segundo esses pesquisadores, laboratórios investigativos, que podem ser utilizados em quaisquer níveis de ensino, têm o potencial de envolver mais os estudantes ao conferir-lhes uma maior responsabilidade na determinação do planejamento e condução da atividade. Com isso, a atividade requer, do estudante, uma articulação de habilidades e conhecimentos práticos e conceituais, desenvolvendo-os e integrando-os simultaneamente. White (1996, p.764) vai além, argumentando que "investigações abertas seguidas de discussão em classe sobre os métodos utilizados e validade dos resultados obtidos das diversas observações podem ser melhores para promover a compreensão de como a Ciência é feita do que as atividades comuns pré-determinadas dos laboratórios tradicionais".

    Para realizar uma atividade investigativa, o estudante precisa aprender a planejar e a conduzir suas ações de acordo com o planejado. Acreditamos que tais questões precisam ser explicitamente trabalhadas no currículo de Ciências, iniciando-se ainda no ensino fundamental, de forma simples e progressiva, mas bem antes dos estudantes ingressarem no ensino médio. De fato, nossa pesquisa, bem como a de vários outros pesquisadores (Millar, 1991; Borges, Vaz e Borges, 2001), indicam que mesmo em contextos educacionais com forte orientação para atividades experimentais mais abertas, os estudantes que estão concluindo sua educação secundária, e mesmo aqueles de cursos universitários, aprendem pouco sobre essas questões.
 
 

Laboratórios Centrados em Computador

    O LCC - Laboratórios Centrados em Computador ou MBL (Microcomputer-based Laboratory) – consiste na integração de sensores de diversos tipos ao computador por meio de uma interface, que realiza a conversão analógico-digital e envia os dados de forma serial ou paralela ao computador. Esse, por sua vez, permite ao usuário definir os parâmetros da coleta de dados, controlando sua aquisição e exibição. A principal característica dessa ferramenta é a coleta e a disponibilidade dos dados para análise em tempo-real, em forma de tabelas e gráficos. Isso torna mais fácil a leitura de várias grandezas físicas como força, velocidade, aceleração, temperatura, pressão, pH, campo magnético, humidade e outros, o que seria mais difícil de se fazer com equipamentos convencionais.

    Numa revisão da literatura, pudemos identificar as principais características e hipóteses sobre os usos no ensino de MBL[1] (Gomes, Silva, Borges e Borges, 1999a, 1999b):

    O processo de aquisição e exibição de dados é razoavelmente simples de se aprender, rápido e controlado pelo computador, o que resulta numa economia de tempo durante a prática que pode ser utilizada para a análise e discussão dos resultados obtidos. Além disso, livra os estudantes das tarefas mais demoradas do laboratório, encorajando-os a repetir procedimentos ou modificá-los quando os julgam necessário, o que é importante dentro de uma investigação.

    Porém, acreditamos que apenas a disponibilidade de novas ferramentas não é suficiente. Elas devem vir acompanhadas de um currículo e de uma série de atividades apropriadas que forneçam aos alunos mais liberdade de pensar e criar soluções para os problemas propostos e que utilize ao máximo as vantagens do MBL para se obter um ganho significativo no aprendizado. Ao desenvolver uma atividade investigativa em um Laboratório Investigativo Centrado em Computador, o controle passa do professor e do roteiro para o estudante que, "de mero coletor de dados, passa a assumir todo o controle do processo, desde a escolha do que estudar, passando pelo planejamento, execução da investigação e interpretação dos resultados" (Borges, 1997, p.9), tornando-se também responsável pela sua própria aprendizagem.

Metodologia

    Para a realização deste estudo, trabalhamos com grupos de três alunos. Essa escolha foi feita tentando simular um ambiente de laboratório escolar, onde os estudantes raramente trabalharão isoladamente. Isso facilita a externalização de seus conhecimentos durante as interações, permitindo ao pesquisador uma melhor compreensão do que está ocorrendo ao longo da investigação.

    Três grupos dispuseram-se a participar voluntariamente da pesquisa, que se desenvolveu fora do horário das aulas. Dois grupos foram compostos por estudantes da 1º série do Ensino Médio de uma escola pública federal. O outro grupo consistia de dois alunos da 1º série e um da 2º série do Ensino Médio de um tradicional colégio, que participavam, na época, de um grupo de estudos em Física e foram convidados a participar da pesquisa.

    Selecionamos dois tópicos para que os grupos investigassem – pêndulo simples e força de atrito. Escolhemos esses temas pois apresentam um número reduzido de variáveis que, além disso, são do tipo contínuas e completamente separáveis. Entretanto, a escolha de qual deles e quais aspectos tratar, em cada investigação, ficou a cargo dos estudantes. Em vista de limitações em termos da quantidade de equipamentos disponíveis, decidimos por trabalhar com cada grupo isoladamente. Cada sessão durou, em média, duas horas e meia, sendo necessário então, trabalhar com apenas um grupo por dia. Todos os experimentos foram filmados por duas câmeras, uma centrada na tela do computador e outra, mais aberta, para filmar os três alunos durante a investigação. Os registros em vídeo constituíram uma parte do material que analisamos. Analisamos os registros dos três grupos que participaram da pesquisa e escolhemos um para fazer uma transcrição completa dos diálogos.

    Inicialmente, tivemos uma curta entrevista pouco estruturada com os participantes para explicitar seus conhecimentos sobre os temas e estimulá-los a definir o tópico a ser investigado. Ao mesmo tempo, apresentamos o sistema da aquisição/exibição de dados e explicamos como trabalhar com ele. Após a definição do tópico de investigação, os estudantes passavam a discutir o seu planejamento da investigação, enfocando objetivos, formulando hipóteses sobre que fatores deveriam ser investigados, que procedimentos adotar e os resultados esperados.

    Durante a sessão, nossa participação limitou-se a fazer questionamentos e dar-lhes orientações adicionais que fossem necessárias, pois a maioria deles não tinha prática em trabalho com sensores nem em atividades investigativas. Ao final de cada tomada de dados, discutimos com os alunos os resultados obtidos, levando em consideração suas hipóteses iniciais, quais se concretizaram, quais não foram confirmadas e as suas justificativas para o resultado. Os estudantes encerravam as atividades quando os objetivos propostos fossem alcançados. A partir daí, discutíamos o comportamento deles frente a uma atividade investigativa.

Resultados

    O objetivo principal do trabalho é buscar compreender o que acontece quando os estudantes resolvem problemas práticos no laboratório, organizados como atividades investigativas. Por isso,examinamos como os estudantes planejaram e executaram a investigação que escolheram fazer. Do nosso ponto de vista, o planejamento constitui-se de vários processos, entre os quais a identificação de um problema, a identificação de variáveis relevantes, o levantamento de hipóteses, o controle das variáveis relevantes e a maneira como a atividade será executada. Porém, ao analisar os registros em áudio e vídeo, notamos que a ordem de execução de cada um dos processos acima mencionados não é linear. Por exemplo, em vista de nossas orientações, o primeiro a ser desenvolvido foi a identificação de variáveis mesmo antes da definição de um problema. Além disso, um mesmo processo desenvolveu-se em momentos diferentes como será mostrado, diferindo de um grupo para outro.

Identificação de variáveis

    Os três grupos optaram por investigar o período do pêndulo simples. Porém, depois de escolhido o tema, notamos uma certa dificuldade em todos os grupos em identificar um problema a ser investigado. Isto já era esperado, visto que os estudantes não estão habituados a fazê-lo em suas aulas de Ciências. Para manter o engajamento, tivemos que ajudá-los com perguntas sobre possíveis variáveis que pudessem influenciar o período de oscilação do pêndulo:

Entrevistador: ... que fatores vocês acham que influenciarão o período do pêndulo?

Estudante 1: Vai depender da amplitude.

Entrevistador: Alguma outra coisa?

    A partir de perguntas desse tipo, os estudantes começavam a sugerir variáveis. Conforme o que falavam, questões adicionais eram colocadas, buscando tornar claras suas hipóteses.

Levantamento de hipóteses

    Passada a fase de identificação e seleção de variáveis que eles julgaram relevantes, passamos a questionar como cada variável influenciaria o período do pêndulo, fazendo com que surgisse um grande número de hipóteses. Mas, em todas as hipóteses levantadas, a relação entre a variável e o período era de natureza qualitativa. Entre tantas hipóteses levantadas pelos estudantes, pudemos distinguir algumas que conseguimos encontrar em maior número. Essas hipóteses encontram-se no quadro 1 abaixo.

Variável
Hipótese (período do pêndulo)
Massa Relação direta ou independente
Comprimento do fio Relação direta
Gravidade Relação inversa ou independente
Amplitude Relação direta

Quadro 1

    O que denominamos relação direta é quando o aluno propõe, por exemplo, que "quanto maior a massa, maior o período", mas não especifica como seria esta dependência. Analogamente ocorre na relação inversa. Consideramos hipótese também, quando os estudantes associavam uma variável ao período do pêndulo, mas não conseguiam formular ou externar uma relação entre eles.

Assim, foi surgindo uma gama de hipóteses que foram levantadas nas discussões entre os alunos e o entrevistador.

Entrevistador: Você quer dizer que o período do pêndulo aqui na Terra e o período do pêndulo na lua é o mesmo?

Estudante1: Com certeza que não.

Entrevistador: Por que?

Estudante1: Lá não vai ter uma força puxando o pêndulo pro centro dele.

Entrevistador: Lá tem gravidade também e ela é de aproximadamente 1,6m/s2 . Seis vezes menor que a da Terra.

Estudante1: Lá vai ser muito menor e muito mais lento do que aqui.

Entrevistador: "Mais lento" o que é mais lento?

Estudante2: Período maior.

    Essa fase é fundamental para identificarmos algumas concepções iniciais dos estudantes e suas idéias acerca das variáveis envolvidas, pois ao justificar suas hipóteses, eles fazem uso de seus conhecimentos prévios, como fica evidenciado no diálogo acima.

    Apesar de decidirmos analisar a identificação de variáveis e o levantamento de hipóteses separadamente, no decorrer da investigação dos três grupos, essas etapas ocorreram simultaneamente.

Identificação de um problema

    O problema a ser investigado surgiu somente após a discussão sobre as hipóteses levantadas. Em dois grupos, o problema escolhido foi conseqüência da divergência entre essas hipóteses.

Entrevistador: Do que mais o período do pêndulo vai depender?

Estudante 1:Da massa dele...

Entrevistador: Do que mais?

Estudante 2: Não sei se a massa influencia.

Entrevistador: Será que a massa influencia?

Estudante 2: Eu não sei. Eu acho que não.

Entrevistador: Você acha que o período depende da massa?

Estudante 3: Eu acho que depende.

    A existência desses entendimentos diferentes indica que a resposta para o problema proposto não era conhecida por eles. De outra forma, algum deles poderia ter mencionado a fórmula do período do pêndulo simples e as respostas seriam obtidas mais facilmente, o que não ocorreu com nenhum estudante dos 3 grupos estudados. Nesse sentido, o desafio proposto afigurava-se como um problema genuíno, no sentido discutido anteriormente, para os participantes da atividade.

    A dificuldade inicial na proposta de um problema para a investigação é facilmente entendida, pois os alunos não estão habituados a tal atividade. Mas, passada a fase de discussão, o problema foi sendo progressivamente definido e entendido pelos grupos.

Controle de variáveis

    Para que fosse feito o controle das variáveis envolvidas no problema, foi necessária uma reavaliação de todas as variáveis já citadas, tendo em vista o problema definido e como tais variáveis poderiam influenciar na investigação. Em um diálogo com o entrevistador, os estudantes mostraram preocupação em controlar variáveis:

Entrevistador: Manter constante o quê?

Estudante 3: Manter constante a amplitude, a amplitude tem que ser a mesma.

Entrevistador: Por que manter constante a amplitude?

Estudante 1: A gente tem que saber o tamanho da amplitude e tem que ser a mesma (manter constante a amplitude) para medir (o efeito da variação da) a massa. (no período do pêndulo)

Entrevistador: Porque?

Estudante 1: Por que senão perde o sentido. Como é que agente vai confiar no resultado se os dados (variáveis) não forem iguais para duas experiências com massas diferentes.

    Observamos que os estudantes, mesmo não sabendo se algumas variáveis eram ou não relevantes para a solução do problema, resolveram mantê-las constante. Ao explicitarem a maneira de como realizar a atividade, definindo os passos básicos a serem seguidos, os alunos demonstraram reconhecer a importância do controle de variáveis. Isso foi facilitado pela escolha de situações para investigação, conforme antecipamos na discussão da metodologia. De fato, há indicações de que alunos do Ensino Médio podem ter dificuldade em lidar com problemas envolvendo grande número de variáveis (Duggan, Johnson e Gott, 1996; Borges, Vaz e Borges, 2001)

Execução da atividade

    Julgamos que a execução de uma atividade prática envolve o ajuste de toda uma estrutura experimental para testar um conjunto de hipóteses, além de outros aspectos como decisões sobre como tratar e controlar as variáveis, a reflexão sobre as limitações e sobre as técnicas experimentais usadas.

    Os alunos, de forma geral, não tiveram dificuldades na execução da atividade. Não houve, por parte dos entrevistadores, qualquer indicação de como os estudantes deveriam conduzir o experimento.

Entrevistador: Tudo bem. Então você tem que manter constante a amplitude?

Estudante 1: Só que aí é que está o problema, como é que eu vou conseguir manter constante a amplitude?

Entrevistador: O procedimento é com vocês, como é que vocês acham que podem fazer isso?

    Assim, a liberdade, dada a eles, os deixou um pouco indecisos já que não havia as instruções que normalmente existem nos roteiros dos laboratórios tradicionais. Por diversas vezes tivemos que repetir a indicação de que a execução da atividade era de responsabilidade dos alunos.

    Foi interessante perceber que, apesar da limitada experiência de investigação dos estudantes, surgiram soluções criativas:

Estudante 2: A gente pega alguma coisa e coloca como ponto de referência (para definir a amplitude máxima) . A gente pega isso aqui (referindo-se a um bloco de madeira), por exemplo, coloca ele aqui (definindo o ponto de referência) até alinhar e depois solta.

    Quanto à coerência entre o planejamento proposto e a execução da atividade, analisamos três aspectos: a relação entre o que foi proposto e o que foi feito; a adoção de estratégias para o controle de variáveis e o exame da conformidade entre os resultados obtidos e a questão colocada pelo problema. Julgamos que isso é importante, pois muito se tem argumentado sobre resolução de problemas práticos e sobre investigações, mas pouco se sabe sobre o entendimento dos estudantes acerca de questões que são cruciais para a obtenção de uma solução satisfatória de um problema prático. Tais questões podem comprometer seriamente a validade e qualidade de suas afirmações.

    Percebemos que a dificuldade maior nos três grupos foi a de planejar a atividade investigativa. Porém, depois de definido o problema, sua execução foi coerente com os procedimentos básicos definidos inicialmente, obtendo dados que respondiam ao objetivo proposto. Durante a execução, os alunos demonstraram a preocupação de modificar apenas uma variável, a fim de entender as conseqüências dessa modificação no sistema.
 

Conclusões

    Tentamos, com este trabalho, explorar caminhos de se obter uma melhor compreensão sobre o que acontece e o que pode resultar da organização das atividades abertas no laboratório escolar de Ciências. Com isso esperamos começar a compreender como um ambiente de aprendizagem implementado no laboratório escolar, criado especialmente para deslocar o centro da atividade do aluno da manipulação de equipamentos e da medição para o pensar sobre o que se está fazendo pode contribuir para promover o desenvolvimento do pensar científico dos estudantes.

    Procuramos compreender a atitude dos estudantes frente a uma atividade investigativa. Durante a atividade, eles assumiram, com o nosso apoio, a responsabilidade de estruturar todo o experimento, reconhecendo e definindo o problema, o planejamento da investigação, elaborando os objetivos e procedimentos, levantando os materiais necessários, realizando a experiência e analisando os resultados obtidos.

    Pela análise do comportamento dos estudantes, percebemos que os três grupos que participaram da pesquisa conseguiram planejar e executar satisfatoriamente uma atividade investigativa. Isso nos deixa otimistas quanto ao progresso que pode ser conseguido ao longo de um currículo especialmente desenhado para estimular esse tipo de prática. Mas, por outro lado, alertamos para pontos potencialmente problemáticos, como a identificação de um problema. Por isso, a identificação de variáveis foi o primeiro processo realizado da investigação. As dificuldades encontradas pelos alunos foram devido à sua pouca ou nenhuma experiência com atividades mais abertas e de caráter investigativo. Isso ficou mais evidente no planejamento da atividade, que não foi claramente definido pelos estudantes.

    Analisamos ainda, que os estudantes, ao realizarem a investigação e obterem os resultados, demonstraram coerência entre o que foi planejado e aquilo que realmente foi realizado, atendo-se aos objetivos propostos.

    Atividades investigativas podem ser implementadas independentemente da utilização de novas tecnologias. Em sala de aula, os professores podem utilizar materiais convencionais para criar uma situação de aprendizado baseado em investigações. Para isso, é necessário que eles ajam de acordo com uma postura mais construtivista, sendo um motivador, guia e inovador-investigador, não podendo, assim, antecipar percepções e resultados, buscando sempre motivar os estudantes.

    Os resultados obtidos são animadores e relevantes porém, outras pesquisas sobre a avaliação e implementação desse tipo de atividade nos laboratórios são necessárias para um maior embasamento teórico/empírico. Enfrentamos neste trabalho dificuldades como a pouca disponibilidade de equipamentos e no recrutamento voluntário de estudantes, devido ao extenso ano letivo das escolas. Mas esperamos que outras pesquisas tragam também resultados favoráveis às atividades investigativas e ao uso de sistema de aquisição/disponibilização de dados no ensino de Ciências.
 

Referências

BORGES, A.T. (1997). O papel do laboratório no ensino de Ciências. Atas do I Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências. Águas de Lindóia, SP, 27 a 29 de setembro de 1997, p. 2-11.

BORGES, A.T.; VAZ, A. e BORGES, O.N. (2001). Students’ Practical Investigation Design. Trabalho aceito para apresentação na IX Conferência da EARLI. Friboug, Suíça.

DUGGAN, S., JOHNSON, P. e GOTT, R. (1996). A critical point in investigative work: defining variables. Journal of Research in Science Teaching, 33 (5), 461-474.

GOMES, A.D.T, SILVA, M.V.D., BORGES, Oto N., BORGES, A.T. (1999a). Formação e Desenvolvimento das Habilidades Relativas ao Processo de Investigação Científica Mediado por Sensores. Atas do II Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Valinhos, 1 a 4 de setembro de 1999.

GOMES, A.D.T, SILVA, M.V.D., BORGES, Oto N., BORGES, A.T. (1999b). Laboratórios Centrados em Computador. Atas do XIII Simpósio Nacional de Ensino de Física, Brasília, D.F, de 25 a 29 de janeiro de 1999, p. 225-227.

GONZÁLEZ, E. (1992). Qué hay que renovar en los trabajos prácticos?. Ensenaza de las Ciencias, 10 (2), 206-211.

HODSON, D. (1988). Experiments in science and science teaching. Educational Philosophy and Theory, 20 (2), 53-66.

LAZAROWITZ, R e TAMIR, P. (1994) . Research on using laboratory instruction in science. In, Gabel, D. (ed.). Handbook of Research on Science Teaching and Learning. New York: MacMillan, 94-128.

MILLAR, R.(1991). A means to na end: the role of process in science education. In B.Woolonough (ed.) Practical Science. Milton Keynes: Open University Press, 43-52.

Roychoudhury, A. e ROTH, W. (1996). Interactions in na open-inquiry physics laboratory. Int. J. Sci. Educ., 18 (4), 423-445.

TAMIR, P. (1991). Practical work at school: an analysis of current practice. In B.Woolonough (ed.) Practical Science. Milton Keynes: Open University Press, 13-20.

VARELA, M.P e MARTÍNEZ, M.M. (1997). Una estrategia de cambio conceptual en la ensenanza de la física: la resolución de problemas como actividad de investigación. Ensenanza de las Ciencias, 15 (2), 173-188.

WHITE, R. T. (1996). The Link between the laboratory and learning. Int. J. Sci. Educ., 18 (7), 761-774.

[1] Na literatura, o termo MBL se refere, muitas vezes, à utilização da ferramenta de aquisição automática de dados associada a atividades de caráter investigativo. Nesta seção fazemos referência ao MBL apenas como uma ferramenta.