UMA PROPOSTA DE TRABALHO INTERDISCIPLINAR ENVOLVENDO A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL



Regina Helena Munhoz[1]
Lizete Maria Orquiza de Carvalho[2]



Resumo

    A proposta dessa pesquisa é observar como a matemática foi desenvolvida, a partir da temática ambiental, durante a implantação de um projeto interdisciplinar, realizado no âmbito de um curso de formação de professores de ensino fundamental (CEFAM - Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), num período destinado ao ‘Enriquecimento Curricular’, bem como investigar como as experiências vividas pelos futuros professores, durante as atividades interdisciplinares, influenciaram na construção de novos valores, crenças e ações relacionados com o desenvolvimento sustentável.


Abstract

    This research aims at observing how Mathematics was developed, from the environmental thematic point of view, during the implementation of an interdisciplinary project that took place in a teacher education program (CEFAM - Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério), during a period destined for ‘Curriculum Enhancement’, as well as investigating how the prospective teachers experiences influenced their construction of new values, beliefs and actions related to sustainable development.
 

Pressupostos teóricos

    Quando usamos o termo Educação Ambiental estamos nos referindo a problemas tais como poluição, lixo, desmatamento, buraco na camada de ozônio, entre outros, bem como a problemas de cunho sócio-econômico, como a violência, injustiças sociais, fome, mortalidade infantil etc. Entendemos que todos esses fatores estão relacionados e influenciam-se reciprocamente, contribuindo para o processo de degradação do meio ambiente.

    A crença de que "o desenvolvimento sustentável exige uma mudança global no modo de funcionamento da sociedade" (UNESCO, 1999:67), tem profundas implicações nas maneiras pelas quais a educação ambiental deve ser conduzida, apresentando desafios tanto aos professores como os pesquisadores da área. A Educação ambiental precisa estar voltada para o desenvolvimento sustentável, visando desenvolver valores, crenças e ações relacionados ao uso racional dos recursos naturais, bem como a permanência constante destes recursos em nosso Planeta.

    A dificuldades da Matemática, por sua vez, relacionadas ao seu ensino e aprendizagem, são amplamente reconhecidas pela literatura. De um modo geral, estas dificuldades decorrem da maneira como a matemática é percebida por professores e alunos (‘ciência pronta e acabada’, ‘surgida do nada’, ‘neutra’, ‘que não estimula o envolvimento e capacidade de pensar’ etc.). Além disso, a matemática desenvolvida de forma tradicional também colabora com a manutenção do poder nas mãos da classe dominante por não propiciar a formação de indivíduos críticos diante de sua realidade de vida. Ela se constituí em uma das disciplinas que mais apresenta dificuldades no processo de ensino-aprendizado e os alunos acabam sendo apenas seres passivos, ouvintes, que em grande parte detestam a Matemática, e acreditam que a mesma está reservada para gênios ou super dotados. "O ensino de matemática vem reforçando a exclusão e a reprodução das desigualdades sociais dentro da escola" (Rocha, 2001:24). "O currículo de matemática está repleto de conteúdos de alto nível de abstração que não possuem nenhuma ligação com a vida dos alunos. Isso aumenta a dificuldade de compreensão, desestimula e desinteressa os alunos" (Rocha, 2001:25). No sentido de reverter esse quadro, a matemática poderia ser trabalhada como um instrumento de interpretação da realidade dentro de uma abordagem mais externalista.

    Por outro lado, muitas pesquisas têm apontado para a necessidade do desenvolvimento de estudantes mais criativos, autodirecionados no meio social (Decy e Ryan, 1994), preparados para enfrentar desafios e que assumam responsabilidade pessoal diante dos complexos problemas atuais relacionados à qualidade de vida bem como diante do conhecimento científico e tecnológico (PCNs,EM). A nova postura interdisciplinar, necessária para o ‘enfrentamento dos complexos problemas do mundo atual’ parece coadunar-se com a necessidade de um aluno com o perfil descrito acima.

    Paulo Freire afirma que o professor precisa respeitar a autonomia do ser do educando no sentido de respeitar suas idéias e também saber lhe impor limites. Para ele, o respeito à autonomia e dignidade do educando é um imperativo ético. O aluno precisa ser respeitado em todos os sentidos para que seja realmente autônomo. Segundo Decy e Ryan (1994), a autonomia é muito importante para que os estudantes tenham um melhor desempenho tanto em termos conceituais quanto até mesmo em memorização.

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno que o minimiza, que manda que "ele se ponha em seu lugar" ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que exime do cumprimento de sue dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta do dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (Freire,1999:66)
 
A pesquisa

    Uma definição de Educação Ambiental foi estabelecida, em 1977, na Conferência Intergovernamental de Tbilisi. Segundo esta definição, a Educação Ambiental é "uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução de problemas concretos do meio ambiente por intermédio de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade." (PCN’s - Temas Transversais,1998:229). Nesta definição, o papel da Educação Ambiental aparece, mais claramente, como orientadora na resolução de problemas. A necessidade de um trabalho interdisciplinar também é destacado: não existe uma disciplina específica chamada Educação Ambiental e nem cabe apenas à professora de Ciências e ou Biologia ensiná-la. Seria interessante que todas as disciplinas tradicionais do currículo pudessem envolver a temática ambiental justamente por esta ter um caráter abrangente.

    Como norteadora de atividades interdisciplinares, a Educação Ambiental deve então ser vista como um tema transversal. Embora fosse desejável que todas as disciplinas tradicionais do currículo pudessem envolver a temática ambiental, devido ao seu caráter abrangente, os trabalhos de pesquisa sobre a educação ambiental, percebida enquanto um tema transversal, ainda estão no início, de modo que se fez necessária a escolha de pelo menos uma disciplina para tecer o quadro de pesquisa esperado. Devido à trajetória de vida uma das pesquisadoras (R. H. M.), a matemática foi a disciplina escolhida para compor o quadro de estudo. No entanto, isso não impediu que conteúdos de outras disciplinas aparecessem, no decorrer do trabalho, e a interdisciplinaridade fosse considerada.

    Será que a aprendizagem de matemática também poderia ser beneficiada pelo enfoque interdisciplinar introduzido por sua relação com a Educação Ambiental? A aprendizagem e ensino dos conteúdos matemáticos poderiam ser trabalhados a partir de temas ambientais para que pudessem ser contextualizados e ter um significado maior para os alunos? De um modo geral, quais os benefícios de um trabalho interdisciplinar envolvendo a Matemática e a Educação Ambiental? Através da ‘matematização’, as questões ambientais poderiam ser melhor avaliadas e compreendidas? Como desvendar a questão de a matemática reforçar à manutenção do poder da classe dominante?

    Diante deste quadro geral, de incipiência da pesquisa interdisciplinar, nossa escolha foi analisar a prática de uma professora/pesquisadora (uma das autora deste trabalho), na sua tentativa de realizar ‘um trabalho interdisciplinar real’, trabalhando ‘desmistificar a matemática’ e, também, tratando a Educação Ambiental como ‘um caminho para que o mundo possa ser melhor de se viver’. A proposta da professora/pesquisadora, de trabalhar com atividades que envolvessem a temática ambiental e que necessitassem da matemática em determinado momento do processo, foi vista por ela como uma ‘tentativa de inovação’. Ela se percebia também, tentando ‘dar um passo para reverter ordem social vigente, a partir da formação de pessoas críticas e transformadoras da realidade em que vivem’ e como ‘uma pessoa que se preocupa realmente com o nosso planeta e com seus habitantes e acredita que através de uma Educação inovadora podemos ter um caminho para que o mundo seja mais solidário e melhor de se viver’.

    Os objetivos da análise eram (1) aprofundar a compreensão sobre a relação entre Educação Matemática e Educação Ambiental, enquanto um campo de pesquisa em educação, e (2) obter subsídios para entender as dificuldades enfrentadas, por outros professores, no ensino interdisciplinares.

    A professora desenvolveu um projeto, chamado "Educação Matemática e Educação Ambiental: Implantação de Atividades Interdisciplinares", durante o ano de  2000, no CEFAM (Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério – Professora Lourdes de Araújo, Bauru SP), no período denominado de Enriquecimento Curricular, com dois 1º anos (81 alunos). Os objetivos deste projeto eram: desenvolver a Educação Matemática a partir de atividades interdisciplinares partindo da temática ambiental e sensibilizar os estudantes quanto ao uso racional dos recursos naturais

    A pesquisa, por sua vez, pretendia responder seguinte pergunta: "Como a educação matemática foi desenvolvida dentro de um projeto interdisciplinar partindo do tema transversal ‘educação ambiental’? Esta pergunta se desdobrou em três outras:

- de que forma a interdisciplinaridade foi trabalhada?

- que conteúdos matemáticos foram desenvolvidos?

- quais as influências desse projeto sobre os valores e mudanças de atitudes perante a matemática e o uso de recursos naturais em alunos de um curso de formação de professores?

    Os dados analisados foram coletados a partir de produções escritas dos alunos, de vídeos referentes às atividades, de questionários e de descrições e comentários da professora. Como produções dos alunos, consideramos todos os relatórios, elaborados depois de cada uma das atividades, todas as respostas dadas, por eles, às perguntas feitas por ocasião dos roteiros e todas as descrições e comentários sobre as dramatizações e paródias, cartazes e jogos, por eles criados. As filmagens foram realizadas durante a aplicação de um dos roteiros (roteiro 4), durante a execução e discussão de um dos jogos (Excursão ao Mundo Natural), durante a apresentação de cartazes, dramatizações, paródias e jogos, elaborados pelos alunos, e durante a reunião de encerramento do projeto. Os questionários foram aplicados no início e seis meses após o encerramento do projeto. As perguntas feitas no questionário final foram as seguintes: "o que é educação ambiental?" e "o que é educação matemática?" As descrições da professora, sobre as atividades desenvolvidas, foram gravadas, em entrevista, algum tempo após a realização da experiência de pesquisa.
 

A trajetória da Professora/Pesquisadora

    A professora/pesquisador entrou no CEFAM, em 1990, como aluna. No último ano (1993), participou como monitora do Projeto "Educação Biológica a Céu Aberto", desenvolvido pela Sociedade Educativa Gaia, uma organização ambientalista do município de Bauru. Neste projeto, participou, pela primeira vez, de atividades interdisciplinares que envolviam questões ambientais. Sua participação nesta sociedade continua até o presente. A Sociedade Educativa Gaia vem desenvolvendo diversos projetos de Educação Ambiental, destacando cursos para professores e alunos do Ensino Fundamental e trabalhos de consultoria ambiental.

    A professora também atuou na Estação Experimental de Bauru – Instituto Florestal do Estado de São Paulo, realizando estágio, na área de Educação Ambiental. Por três anos, foi monitora das trilhas interpretativas existentes, bem como dos cursos de férias e acampamentos ecológicos.

    Em 1995, ingressou no Curso de Licenciatura em Matemática, da UNESP, em Bauru, continuando paralelamente com os trabalhos de Educação Ambiental e ministrando aulas eventuais na Rede Estadual de Ensino (disciplinas de Matemática, Física e Ciências). Enquanto aluna da graduação desenvolveu o projeto "Matemática e Educação Ambiental: uma proposta interdisciplinar para o aprendizado de razão e proporção partindo da coleta de materiais recicláveis". Esse projeto constituiu-se em sua primeira experiência de relacionar a matemática com a Educação Ambiental. Ainda durante a graduação, desenvolveu um projeto de iniciação científica, intitulado "Matemática e Educação Ambiental: sugestões de atividades interdisciplinares", quando trabalhou na criação de roteiros de atividades, partindo de artigos de jornais e revistas, bem como, iniciou um estudo teórico nas áreas em questão. Além disso, durante a graduação e Pós-graduação participou de eventos que envolviam tanto a Educação Ambiental como a Educação Matemática.


O CEFAM e o Enriquecimento Curricular

    O CEFAM foi criado, em 1988, com o objetivo de melhorar a formação de professores que atuariam de 1º a 4º série do ensino fundamental. Os alunos permanecem em período integral na escola, recebendo uma bolsa de estudos, no valor de um salário mínimo, justamente por ficarem o dia toda na escola e porque a grande maioria dos alunos é advinda das classes mais desfavorecidas. O Enriquecimento Curricular, como o nome já diz, visa ‘enriquecer’ as aulas do período da manhã, sendo geralmente desenvolvido em forma de projetos. Em termos de porcentagem temos 45% de horas-aulas destinadas ao Enriquecimento Curricular objetivando propiciar aos alunos (futuros professores), além do saber-sistematizado, entendimentos sobre os processos sociais mais amplos.

"Enriquecimento Curricular: é um acréscimo que se faz ao Currículo mínimo do curso. É o espaço destinado a instrumentalizar o futuro professor para compreender as realidades sociais, trabalhar o saber sistematizado, a sua própria existência e o papel que deve desempenhar na educação". (Plano de gestão do CEFAM)
 
Atividades desenvolvidas no Projeto

    Os encontros com os alunos do CEFAM se realizavam uma vez por semana, durante duas horas. Os relatos dos alunos, durante o primeiro encontro, demonstraram que "a matemática poucos gostam" e que as expectativas sobre as horas de Enriquecimento curricular que estavam começando eram boas: "que as aulas não sejam enjoativas, que sejam divertidas, ensinando a matemática brincando", " que não seja algo cansativo e sim gostoso de se fazer".

    No segundo encontro, a proposta de desenvolvimento de um projeto relacionando a Educação Matemática e a Educação Ambiental foi apresentada e os alunos puderam expor sua visão sobre Educação Ambiental. Eles revelaram a idéia de Educação Ambiental como "preservação da natureza: "é a consciência de que devemos preservar o ambiente em que vivemos, que não podemos deixar a natureza ser destruída enquanto ficamos de braços cruzados". A professora contrapôs esta idéias dos alunos, `as quais julgou "pouco amplas", argumentando que a Educação Ambiental envolve também questões sócio econômicas, relacionadas com a preservação do meio-ambiente.

    No terceiro encontro, durante a vivência "Conhecendo o Planeta Gaia", a professora providenciou para que os alunos estivessem bem confortáveis, e então, descreveu uma viagem imaginária por todos os continentes destacando as belezas naturais do Brasil até chegar na vegetação típica de nossa região.

    Com o objetivo de relacionar "problemas do meio ambiente com as questões sócios econômicas", após a vivência, a professora promoveu uma reflexão sobre os problemas do Planeta, quando, então, os problemas que iam sendo identificados eram registrados na lousa. Estes problemas deram origem à temas para possíveis dramatizações. Os alunos reuniram-se em grupos e cada grupo recebeu um dos temas para elaborar uma dramatização. Os temas escolhidos foram: violência, drogas, miséria, desmatamento, preconceito, poluição, entre outros. Ao final desta aula e durante a próxima, ocorreram as apresentações das dramatizações.

    No quinto encontro, os alunos trabalharam, em grupos, com o primeiro roteiro (atividade elaborada a partir de artigo de jornal ou revista, cujo tema envolvia questões ambientais e que necessitavam de alguns conteúdos matemáticos para serem melhor compreendidos), sobre enchentes e favelas de São Paulo. No sexto encontro, os alunos trouxeram propagandas de jornal, sobre venda de apartamentos. Usando as áreas, determinadas nas propagandas, eles fizeram comparações com as áreas de suas casa e com as de barracos de favelas.

    No próximo encontro, foi desenvolvido um jogo, chamado "Mordida da Piranha", que consistia em desenhar figuras geométricas no chão (quadrado, triângulo, retângulo, hexágono, etc.), de diferentes tamanhos, que eram numerados. Os alunos, divididos em duas equipes, deviam entrar nas figuras, conforme a ordem do coordenador do jogo, que dava o sinal de partida, dizendo um número que indicava em qual figura o grupo deve entrar. Com os participantes não podiam pisar no contorno da figura, porque senão seriam "mordidos pelas piranhas" e sairiam do jogo, a discussão que se seguiu versou sobre o equilíbrio e harmonia, que estão presentes na natureza, e ‘que muitas vezes o homem acaba destruindo’. A questão do espaço foi analisada com diferentes conotações: espaço no sentido de limites de fronteiras; espaço de cada pessoa, que precisa ser respeitado; espaço da natureza que é invadido ‘sem nem se pedir licença’; espaço estudado na Física; etc.

    Na atividade seguinte, o texto "Reciclar o lixo é brincadeira" foi trabalhado, através de questões. A discussão que se seguiu versou sobre a problemática do lixo e as vantagens da reciclagem. No tocante à matemática, foram trabalhadas as noções de medidas de massa, baseada em informações o lixo produzido diariamente por uma pessoa e por todas as pessoas na cidade. Os alunos se surpreenderam com a grande quantidade de lixo que é produzida em uma cidade como Bauru.

    Nos encontros seguintes os alunos trabalharam em atividades que visavam expressar para a escola o trabalho realizado até então.

    Na continuidade do projeto teve, os alunos dois documentários: "Garagem Fechada" e "Ilha das Flores". O primeiro documentário aborda os problemas da poluição do ar, causada pelo monóxido de carbono que os veículos liberam, principalmente, em grandes cidades, e o segundo trata da problemática do lixo e da desigualdade social. Após assistirem os vídeos, os alunos fizeram relatórios em grupos.

    Nos próximos encontros, um novo roteiro foi trabalhado, baseado na reportagem "IBGE mostra que Brasil mantém desigualdade". Esta reportagem retrata problemas como analfabetismo, preconceito racial, entre outros. Os conteúdos matemáticos trabalhados foram porcentagem, fração, análises de gráficos, entre outros.

    Como a professora estivesse preocupada com o fato de a "matemática estar aparecendo pouco", no próximo encontro, ela conduziu uma discussão sobre os conceitos matemáticos tratados durante o desenvolvimento dos roteiros: potenciação, frações e média aritmética.

    Nos próximos encontros, foram confeccionados cartazes que formariam o painel a ser apresentado na Semana do Magistério. Na mesma aula, foi realizado um jogo, chamado de Pedras Marcadas, que enfatizava a vida de cada ser da natureza e, também, assim como a "Mordida da Piranha", enfatizava a importância do equilíbrio na natureza..

    No encontro seguinte, a atividade denominada "Excursão ao Mundo Natural" foi desenvolvida, com o objetivo de mostrar a importância dos recursos naturais e do uso racional destes para a sobrevivência do nosso planeta.

    No próximo encontro os grupos leram e discutiram o texto "Natureza e matemática possibilidades infinitas", que se referia a questões relacionadas ao uso sustentável dos recursos naturais. Após a leitura, os grupos recebiam a tarefa de destacar palavras relacionadas com a matemática, registrando o significado de cada uma delas. Em seguida, foram desafiados a desenvolver paródias, jograis ou dramatizações que pudessem interpretar o texto, o que ocorreu no encontro seguinte.

    Num dos últimos encontros, os grupos trabalharam na elaboração de jogos, envolvendo a Educação Matemática e a Educação Ambiental, para serem utilizados no ensino fundamental. Diferentes jogos foram elaborados (jogos da memória, baralhos, quebra-cabeças, dominós, entre outros) e apresentados para os colegas.

    O encontro final foi utilizado para reavaliação das experiências vividas durante o ano, no período de Enriquecimento Curricular de Matemática.


Análise das Atividades

    De uma forma geral, a professora esteve comprometida em ‘formar indivíduos críticos em relação a realidade em que vivem’, que pudessem ‘contribuir com o desenvolvimento sustentável e vissem a matemática como algo significativo em suas vidas’. Além disso, enquanto professora de um curso de formação de professores da primeira etapa do ensino fundamental, queria criar ‘possibilidades para que os alunos vivenciassem diferentes atividades, que pudessem enriquecer sua formação’, através da ‘prática interdisciplinar’.

    A matemática, desenvolvida no decorrer das atividades, foi aparecendo sempre no sentido de dar subsídios para interpretação de fatos do cotidiano relacionados com a temática ambiental. Os conteúdos matemáticos que surgiram (porcentagens, média aritmética, gráficos, áreas, frações, etc.) parecem ter sido somente aqueles que foram importantes para entendimento dos assuntos tratados.

    Embora a preocupação com o fato de a ‘matemática estar aparecendo pouco’ ter sido mais enfatizada do que a matemática tenha acompanhado a professora durante boa parte do tempo, a análise das produções dos alunos, principalmente o questionário aplicado seis meses após o término do projeto, mostram que um número significativo de alunos passou a perceber a matemática como ‘algo mais próximo’, que está presente em diversos acontecimentos da vida diária e de diversas maneiras. Da mesma forma, um número significativo de alunos mostrou que, ao identificar ‘Educação Matemática’ com a experiência vivida no Enriquecimento Curricular de Matemática, revela a percepção de um lado lúdico da "Educação Matemática" ("Educação matemática é aprendizagem da matemática de uma forma diferente mais divertida, fazendo assim os ensinamentos ficarem mais fáceis"; Educação matemática – a maneira divertida e prática de aprendermos matemática pois para nós matemática é um bicho de sete cabeças).

    A primeira vista, pode parecer, como de fato nos pareceu, que a observação de que a ‘Educação Ambiental foi mais enfatizada do que a matemática’ deve ser atribuída à forte influência dos ‘próprios ideais da professora/pesquisadora’ relacionados ao ‘desenvolvimento sustentável’. No entanto, somos tentados a dar uma segunda interpretação. O fato de os alunos terem modificado sua percepção quanto à matemática ("Eu entendo que a matemática não é somente utilizada dentro da escola, mas sim em tudo em que fazemos, desde o início de nossas vidas até o final de nossa existência. Me fez compreender que a vida é a matemática, pois sem a matemática não teríamos nada no mundo atual, todas essas tecnologias são tudo baseada na matemática") nos sugere que ‘os ganhos’ da professora, no tocante à interdisciplinaridade envolvida na Educação Matemática, foram além de suas expectativas. A pretensão da professora de trabalhar a matemática de ‘forma equilibrada com a questão ambiental’ nos parece hoje como ‘ingênua’, pois não estava levando em conta a ‘transversalidade’ do tema meio ambiente Assim, os nossos dados estão refletindo o fato de que a Educação Ambiental veicula um ‘tema transversal’, que é o meio ambiente. Segundo Busquets (1999), um tema transversal se constitui em um eixo central dos demais conteúdos. Esta visão nos permite sugerir que a relação entre a visão "externalista" da Matemática, veiculada na Educação Matemática, com a visão da Educação Ambiental, enquanto um ‘tema transversal’ pode ser melhor investigada.
 

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[1] Mestranda em Educação para Ciência pela UNESP de Bauru – Bolsista Capes/DS
[2] Professora Doutora do Departamento de Física da UNESP de Ilha Solteira e do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência da UNESP de Bauru.