SABERES PROFISSIONAIS DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: CARACTERIZANDO ALGUNS EXEMPLOS E BUSCANDO SUAS ORIGENS



Renato Eugênio da Silva Diniz
Instituto de Biociências/UNESP – campus de Botucatu-SP.

Luciana Maria Lunardi Campos
Instituto de Biociências/UNESP – campus de Botucatu-SP.

Fernando Bastos
Faculdade de Ciências/UNESP – campus de Bauru- SP.



Resumo

    Enfatizando a experiência prática e os conhecimentos adquiridos por professores de Ciências, buscou-se, no presente trabalho, por meio de entrevistas com um grupo de professoras dessa disciplina, investigar como tais conhecimentos teriam se originado, ou incorporado às atividades pedagógicas das mesmas. Observou-se que as professoras entrevistadas relacionam, prioritariamente, a origem desses conhecimentos à sua experiência profissional e que essa é interpretada basicamente como o trabalho vivenciado em sala de aula.




Abstract

    The starting point of this work is the practice of the Sciences Teachers and the knowledge that comes out of it. The aim was to research how such knowledge came about and how it was incorporated in the pedagogical activities. It was observed that for the teachers who were consulted the origin of knowledge was mainly related to their professional activity and this was basically understood as the work in the classroom.



Introdução

    Quando se pensa nas contribuições, ou mesmo no papel que as pesquisas devem assumir no campo educacional, destaca-se a necessidade de que, formas de aproximação e de compreensão efetiva da realidade escolar sejam rpevilegiadas. Considera-se que tal papel se traduziria no entendimento das investigações como fontes geradoras de possíveis diretrizes ou referencias teóricos para o planejamento e o desenvolvimento de ações, nos mais diferentes níveis, visando a superação de problemas e a incorporação consciente das inovações educacionais.

    Nesse sentido, dois fatores têm merecido destaque nas proposições teóricas, nos últimos anos, no campo da pesquisa educacional, quais sejam: a prerrogativa de que a prática docente, o cotidiano da escola, devem ser o ponto de partida e de chegada das investigações e, o destaque dado ao professor como um dos agentes fundamentais dentro da dinâmica escolar.

    A relevância, ou o enfoque na prática pedagógica fundamenta-se, principalmente, na contraposição evidenciada por Schön (1992), entre a racionalidade técnica e a racionalidade prática, assim como na percepção de que os saberes profissionais dos professores (Tardif, 2000), mesmo que não se reduzam a essa dimensão, nela que se consolidam e se legitimam (Therien e Therrien, 2000).

    Estabelecendo a racionalidade prática ( Schön, 1992) como "eixo" norteador e, admitindo a epistemologia da prática profissional como "o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas" (Tardif, 2000), tem-se como decorrência uma perspectiva de aproximação desse profissional, das suas idéias, seus saberes e da sua atuação individual.

    Entender como o professor desenvolve seu fazer pedagógica, como o interpreta, que valores atribui ao mesmo, indicam o destaque para a ação e o pensamento dos professores, entendendo-o não apenas como o paciente, como aquele que recebe as influências ou as conseqüências das determinações decorrentes da realidade social e cultural, mas também como "um ator e um profissional dotado de competências" (Tardif, 2000).

    Tardif (2000), ao apresentar uma caracterização possível dos saberes profissionais dos professores, destaca três aspectos básicos, considerando que os mesmos são: temporais ("são adquiridos através do tempo"); plurais e heterogêneos ("provêm de diversas fontes", "não formam um repertório de conhecimento unificado" e pelas próprias características de sua atividade profissional, que exigem diferentes habilidades e competências); e personalizados e situados (difíceis de "dissociar das pessoas, de sua experiência e situação de trabalho").

    A complexidade e a pluralidade dos saberes profissionais do professor são também destacadas por Ramalho, Nuñez e Gauthier (2001), ao mencionarem que:

"Hoje sabemos que os saberes dos professores são plurais e se apresentam como um ‘amálgama’de saberes vindos tanto da formação (inicial ou continuada) como da prática (Tardif, Lessard, Lahaye, 1991). Sabemos ainda que cada um desses saberes é interpretado e retraduzido na ação pelo docente, docente este com um perfil, história de vida profissional, concepções acerca do métier e outros aspectos bem variados."     Inserido nessas perspectivas, de enfoque na prática pedagógica e de busca de uma melhor compreensão dos saberes profissionais de professores de Ciências, teve início, no ano de 1999, o projeto de pesquisa denominado: "Saberes Profissionais de Professores de Ciências: contribuições da Prática de Ensino e da Psicologia da Educação". Seus principais objetivos foram estabelecidos como sendo os seguintes: "- identificar saberes profissionais de professores de Ciências da rede pública estadual de ensino;

- identificar, nesses saberes, aqueles que possam ser relacionados de forma direta à Psicologia da Educação e à Prática de Ensino;

- identificar e analisar fatores determinantes na constituição desses saberes;

- apresentar elementos que contribuam para a reflexão sobre a formação inicial e contínua de professores de Ciências."

    A primeira etapa do projeto, ocorrida no primeiro semestre de 1999, se concertizou por uma consulta feita a 43 professores de Ciências e Biologia rede pública estadual, ligados à Diretoria Regional de Ensino do município de Botucatu-SP. Aos professores foi solicitado que respondessem a um questionário e, especificamente, os de Ciências (20 do total), foram convidados a participar de um grupo de estudos para discutir questões relacionadas a essa disciplina.

    A análise e discussão dos dados obtidos nos questionários foram apresentados em publicação recente (Campos e Diniz, 20001) e, dos professores de Ciências convidados, cinco professoras se interessaram em participar dando início, no final de 1999, ao Grupo de Estudos de Ensino de Ciências (GEEC), com encontros quinzenais de aproximadamente uma hora.
 
    Tendo em vista a preocupação com a discussão dos saberes profissionais dos professores, o foco principal do questionário aplicado em 1999, se configurou na seguinte questão aberta:

"Um estudante de graduação em Ciências Biológicas vai procura-lo(a) para conversar sobre sua prática como professor(a) e fica interessado em saber o que você aprendeu com sua experiência profissional. O que você contaria a esse estudante?"     As respostas obtidas dessa questão, permitiram que se refletisse sobre as características ou principais tendências dos saberes mencionados pelo conjunto de professores e, considerados por eles como significativos dentro da sua experiência profissional.

    Com o objetivo de ampliar essa discussão, os dados aqui apresentados resultaram de uma segunda etapa do projeto mencionado anteriormente, e tem por objetivo geral buscar, junto ao grupo das cinco professoras participantes do GEEC, suas compreensões ou possíveis explicações sobre como os saberes, mencionados por elas no questionário, teriam se originado ou sido incorporados à prática pedagógica das mesmas. Considera-se que investigar quais são os saberes profissionais do professor em exercício, suas principais características, como os professores os traduzem e interpretam suas origens, possa oferecer subsídios importantes para melhor entendimento dessa profissão e, conseqüentemente, fornecer diretrizes para ações de formação inicial e contínua.


Metodologia

    Ainda na fase inicial de trabalhos do GEEC,durante o primeiro semestre de 2000, tendo em vista a preocupação de investigar e aprofundar a compreensão dos saberes profissionais adquiridos pelas professoras, foram realizadas entrevistas individuais semi-estruturadas com as cinco participantes. O principal objetivo dessas entrevistas era recuperar as respostas dadas pelas professoras ao questionário inicial, mais especificamente o que elas responderam na questão apresentada acima, procurando solicitar que fizessem um esforço no sentido de tentar recuperar a possível origem ou as razões para a incorporação desses saberes na sua prática pedagógica.

    Tendo em vista tal objetivo, considerou-se que a entrevista semi-estruturada não diretiva (Michelat, 1982) seria a melhor opção, tendo em vista a natureza dos dados desejados (concepções, opiniões, idéias dos professores). Para Michelat (1982) esse instrumento seria o mais adequado, ou mesmo essencial "...todas as vezes que se procura apreender e prestar contas dos sistemas de valores, de normas, de representações, de símbolos próprios a uma cultura ou a uma subcultura".

    Outra característica, destacada por Michelat (1982), diz respeito à "qualidade" dos dados que podem ser gerados por esse tipo de instrumento, uma vez que a não-diretividade (mesmo sabendo que esta não se dá de forma absoluta), permitiria uma liberdade maior para a expressão do entrevistado o que pode levar a dados com um nível de profundidade maior.

"Considera-se que a entrevista não-diretiva permite, melhor do que outros métodos, a emergência desse conteúdo sócio-afetivo profundo, facilitando ao entrevistado o acesso às informações que não podem ser atingidas diretamente."
 
    As entrevistas realizadas, com duração média de uma hora, foram gravadas e tiveram como ponto de referência as idéias já apresentadas pelas professoras nos questionários, assim como a preocupação de solicitar outros possíveis exemplos que elas poderiam acrescentar. Uma vez realizadas as entrevistas, as fitas foram transcritas e o material analisado.

    Numa primeira fase de análise dos dados, foram utilizadas as mesmas dimensões definidas por Campos e Diniz (2001), quando da discussão dos questionários, ou seja, as três dimensões que agrupavam as diferentes idéias apresentadas, assim denominadas: Profissional, Pedagógica e Pessoal.

    Na dimensão Profissional (PRO) foram enquadradas as referências feitas pelos professores que se relacionavam às características da profissão (condições de trabalho, satisfação profissional, compromisso político, percurso profissional, etc.).

    A dimensão Pedagógica (PED) contemplou as idéias que "se referiam às estratégias de organização e manejo em sala de aula", compondo-se basicamente de comentários sobre aspectos metodológicos e sobre os alunos.

    Na dimensão Pessoal foram reunidas as referências que se relacionavam "às características e comportamentos do professor" e que se referiam principalmente aos campos afetivo/emocional e cognitivo.

    Uma segunda fase de análise se configurou, basicamente, na identificação ou caracterização e posterior categorização, das idéias apresentadas pelas professoras quanto a origem ou a razão pela qual incorporaram tais saberes às suas práticas pedagógicas.
 

Resultados

A) Caracterização geral das participantes:

    Conforme indicado anteriormente, as cinco professoras participavam, juntamente com os pesquisadores, das reuniões quinzenais GEEC, durante o primeiro semestre de 2000, ocasião em que as entrevistas foram realizadas.

    Quatro delas eram efetivas na rede pública estadual, lecionando em escolas do município de Botucatu-SP..A única exceção refere-se a uma professora que havia se aposentado como efetiva e que, retornando ao magistério, enquadrava-se agora na categoria denominada Ocupante de Função Atividade (OFA).

    Quanto ao tempo de exercício na profissão, as participantes estão assim distribuídas: uma com 32 anos de experiência, uma com 22 anos, duas com 20 anos e uma com 10 anos.Três professoras lecionavam em uma única escola e as demais em duas escolas.

    No que se refere à formação, duas professoras são formadas em instituições privadas e as outras três foram alunas do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Botucatu- SP. Uma delas fez também o mestrado na mesma universidade; três cursaram pelo menos uma Especialização e uma fez outro curso de graduação, em Pedagogia.

B) Os saberes destacados pelas professoras:

    Durante as entrevistas, além de comentar o que já haviam escrito nos questionários, foi também solicitado às professoras que procurassem se recordar de novos exemplos de saberes já incorporados à sua prática. O conjunto dos saberes mencionados pelas professoras, assim como sua respectiva classificação nas dimensões já citadas, podem ser observados no quadro I a seguir:
 

PROFESSOR
SABERES destacados
DIMENSÃO
Prof.01
Uso de revistas comerciais, normalmente lidas por adolescentes, para trabalhar educação sexual
PED
Despertar o interesse dos alunos usando histórias infantis
PED
Prof.02
Aprender com os alunos, valorizar o aluno
PES
Trabalhar com atividades práticas
PED
Prof.03
Gostar dos alunos, da convivência com eles
PES
Atribuir pontos para todas as atividades que os alunos realizam (Avaliação)
PED
Trabalhar com textos
PED
Prof.04
Respeitar os alunos
PES
Falar abertamente da vida
PED
Esclarecer bem os alunos sobre as atividades a serem desenvolvidas
PED
Os alunos não gostam de ler
PED
Usar pontos positivos
PED
Prof.05
Além de informação os alunos precisam de carinho
PES
Privilegiar tudo que é aplicável à vida dos alunos
PED
Associar atividades teóricas e práticas
PED

Quadro I : Exemplos de saberes incorporados e considerados como significativos, pelas professoras, dentro de sua experiência profissional e sua respectiva classificação dentro das Dimensões: Profissional (PRO), Pedagógica (PED) e Pessoal (PES).

    Uma primeira consideração possível refere-se ao significativo predomínio da dimensão Pedagógica e a ausência da dimensão Profissional, conforme pode se observar no quadro II, em que se relaciona o número de vezes que cada dimensão foi citada pelas professoras.
 

dimensão
nº de referências
Profissional
-
PEDAGÓGICA 
11
PESSOAL
04
TOTAL
15

Quadro II: Número de referências feitas para cada uma das dimensões elaboradas a partir das entrevistas

    O predomínio das dimensões Pedagógica e Pessoal, pôde também ser observado quando se retomou os dados obtidos no questionário de 1999 e, se destacou apenas as respostas das cinco professoras participantes dessa segunda etapa, conforme indica o quadro III a seguir:
 

dimensão
nº de referÊncias
Profissional
03
PEDAGÓGICA 
05
PESSOAL
05
TOTAL
13

QuadroIII: Número de referências feitas para cada uma das dimensões elaboradas a partir dos questionários.

    Observa-se que as professoras, quando solicitadas a destacar saberes significativos que foram incorporados ao longo de sua experiência profissional, centralizam sua atenção, prioritariamente, na dimensão Pedagógica e Pessoal, em detrimento da Profissional. Isso pôde ser verificado pelas referências feitas por elas em dois momentos distintos; nas entrevistas e nas respostas aos questionários. Nesse último, verifica-se ainda a presença de três referências relacionadas à dimensão Profissional, fato que não se verificou nos dados das entrevistas.

    Conforme explicitado anteriormente a dimensão Profissional relaciona-se às condições de trabalho, as características e ao papel político da profissão. Ao se verificar, nas entrevistas, a ausência de referências a essa dimensão considera-se que possa ser um indicativo da dificuldade enfrentada pelo professor, em dimensionar sua atuação profissional de um ponto de vista mais amplo, que extrapole a sala de aula espacial e temporalmente, remetendo-o a uma reflexão sobre seu papel como professor e as possibilidades efetivas de sua profissão.

    Cabe salientar que tais resultados podem também ser interpretados como um exemplo da prevalência da prática, ou seja, as soluções metodológicas, avaliativas e de relacionamento com os alunos assumem uma tal proporção na prática pedagógica do professor, que se transformam em um "obstáculo" efetivo para que o mesmo possa empreender um processo de auto-reflexão que resulte numa melhor compreensão da sua profissão.

C) Como tais saberes teriam se originado?

    Uma vez que o objetivo principal da investigação, se relaciona à busca de possíveis compreensões ou explicações, das professoras entrevistas, sobre como os saberes, considerados significativos para elas, teriam se originado ou sido incorporados à sua experiência profissional, este questionamento foi um dos enfoques centrais durante as entrevistas.

    Assim, após análise detalhada das entrevistas, no que se refere, à origem, surgimento ou processo de incorporação de tais saberes ao trabalho das professoras, os dados obtidos permitiram destacar três categorias distintas: Formação Inicial, Características Pessoais, e Experiência Profissional, distribuídas conforme o quadro a seguir:

Formação Inicial: 

Professora
Saberes destacados
Origem (Síntese da entrevista ou comentários literais das entrevistadas)
Prof.02
Trabalhar com atividades práticas - Considera que tal preocupação vem da formação inicial o professor de Prática de Ensino "exigia que todas as nossas aulas fossem práticas... então eu acho que a prática é realmente importante, eu acho que eu aprendi isso na escola mesmo."

Quadro IV: Apresentação dos saberes e das justificativas das entrevistadas quanto à origem desses, na categoria Formação Inicial.


Características pessoais:
 

Professora
Aspecto destacado
Origem (Síntese da entrevista ou comentários literais das entrevistadas)
 
 
 

Prof.01

Despertar o interesse dos alunos usando histórias infantis - julga que sempre teve essa preocupação, desde o início da carreira. Sempre gostou de Ciências quando era aluna, mas não gostava de jeito que era ministrada ("decoreba");

- "...eu lia uma revista, eu via um livro, uma coisa... eu não entendia, e até hoje eu não entendo porque a escola tem que ser tão chata como ela é."

Prof.04
Respeitar os alunos - Relaciona à sua postura de vida, que foi sempre assim ("...eu acho que é filosofia da minha vida... que eu aplico, de repente, na escola, também.")
 
 
 

Prof.05

Além de informação os alunos precisam de carinho - Relaciona com uma característica pessoal, por ser uma pessoa carinhosa:"Sou muito afetuosa com meus alunos, e consigo muitas coisas com eles assim...";

- "...é por causa disso que eu falei que, além da informação, a gente tem que dar essa parte de carinho, essa parte de eles poderem estar mesmo com a gente..."

Quadro V: Apresentação dos saberes e das justificativas das entrevistadas quanto à origem desses, na categoria Características Pessoais.

    No caso específico da categoria Experiência Profissional, tendo sido observada a ocorrência de dois campos distintos, julgou-se necessário fazer a apresentação dos dados em quadros distintos; um, no qual são apresentados os comentários das entrevistadas que remetem a uma idéia de constatação, ou seja, quando comentam que o fato de terem "experimentado", ou feito daquela maneira e terem constatado um retorno positivo, foi a razão preponderante para que tal saber fosse incorporado. O segundo, reúne os comentários que explicitam algum tipo de imposição, que as professoras tiveram que enfrentar e que, disso, teria decorrido o surgimento e a incorporação de determinados saberes.

Experiência Profissional – Constatações:
 

Professora
Aspecto destacado
Origem (Síntese da entrevista ou comentários literais das entrevistadas)
Prof.02
Trabalhar com atividades práticas - "Porque eu acho realmente que eles aprendem melhor...Por mais que, né? Um pouquinho que eles façam, guardam um pouquinho mais."
 

Prof.02

Aprender com os alunos, valorizar o aluno - percepção de que cada um podia ter, na sua vida, alguma experiência que ela não tinha; respeitar como pessoa e o que ele sabe; "...muitas coisas eles sabem na prática"
 

Prof.03

Gostar dos alunos, da convivência com eles - Não foi sempre assim, no início era muito introvertida, muito fechada, muito brava. Diz que foi aprendendo a gostar: "Eu acho que você começa a gostar, a partir do momento que você começa a entender os moleques...";

- Diz que foi entendendo melhor os alunos a partir do momento que foi conversando mais com eles, perguntando o que estava havendo com eles.

 

Prof.03

Trabalhar com textos - Diz que não fazia isso desde o início da carreira.("...no início eu sofri muito.Porque eu nunca gostei de livro, livro didático...");

- Fazia seus próprios resumos e os alunos só copiavam. Achou que estava dando "tudo mastigado" para eles e resolveu mudar. Passou a por um roteiro de perguntas na lousa e pedido que fizessem um resumo do trecho lido.

 

Prof.04

Falar abertamente da vida - Comenta que isso foi aprendido na prática ("...isso eu mudei,..., eu não falava antes... Agora eu vi... Acho que isso eu aprendi, que quando eu contava de mim, quando eu conto de mim, eles prestam mais atenção do que eu ficar falando supostamente...");

- Acha que "Talvez um dia que eu falei e eu vi o retorno na hora"

- "Porque eles prestam atenção e ouvem"

 
 
 

Prof.04

Esclarecer bem os alunos sobre as atividades a serem desenvolvidas - Diz que aprendeu com a prática. Retomar o que foi visto na aula anterior para dar prosseguimento. ("...fazer a chamada, conversar, resgatar tudo que foi visto, e daí a gente assistir o vídeo. Aí eu sinto muito mais firmeza. Mas quando que eu peguei... isso eu aprendi também... eu não fazia esse resgate, essa ligação... não faz muito tempo não,..., é meio recente até.")

Prof.04

Os alunos não gostam de ler - Decorreu da percepção de situações vividas em sala de aula. Cita exemplo de texto escrito na lousa onde eles deveriam completar com a palavra correta as lacunas deixadas. "É difícil eles entenderem, interpretar, ou eles começam a ler da metade pra frente, pra ver se conseguem completar...Mas é todo um parágrafo que tem que entender pra conseguir completar... É uma das coisas que eu percebi..."
Prof.04
Usar pontos positivos - "Eu acho que quando eu comecei a usar essa técnica de resgatar... Acho que quando eu comecei a usar essa técnica de resgatar a aula passada, era um jeito de participação..."

 
 

Prof.05

Além de informação os alunos precisam de carinho - Acha que não veio da formação inicial, mas sim da experiência profissional ( Foi percebendo que não tinha retorno quando era "mais de informação mesmo" e que passou a "ter mais volta, mais feedback");

- Acha que passou a perceber melhor isso quando adquiriu maior confiança em si.


 
 

Prof.05

Privilegiar tudo que é aplicável à vida dos alunos - "Coisas que eles se interessam, coisas que eles gostam, eles fazem, entenderam né? (...) então isso acho que mostra que eu cheguei neles...";

- Comenta que não faz muito tempo que começou a perceber isso e comenta também sobre a sua própria motivação ("Quando eu vou dar uma coisa que parece que tá longe, eu mesma estou desestimulada parece... parece que eu tô falando uma coisa que eu nem acho importante...")

Quadro VI: Apresentação dos saberes e das justificativas das entrevistadas quanto à origem desses, na categoria Experiência Profissional - Constatações.

Experiência Profissional – Imposições:
 

Professora
Aspecto destacado
Origem (Síntese da entrevista ou comentários literais das entrevistadas)
 

Prof.01

Uso de revistas comerciais, normalmente lidas por adolescentes, para trabalhar educação sexual - necessidade de trabalhar com temas com namoro, amizade, etc.;

- incorporou recentemente à sua prática (durante o Planejamento de 2000) discutindo com outras colegas de Ciências, como maneira de discutir namoro, etc. com alunos de 6ª série.

Prof.03

Atribuir pontos para todas as atividades que os alunos realizam (Avaliação) - "Sabe quando surgiu isso? Eu fiquei desesperada quando acabou a nota, era A, B, C, D e E... eu fiquei desesperada... eu não sabia o que fazer com aquilo..."
Prof.05
Privilegiar tudo que é aplicável à vida deles - Associa isso também às mudanças curriculares que ocorreram nos últimos anos, assim como às novas necessidades que surgiram, por exemplo, tratar de educação sexual mais cedo do que antes.

 
 
 
 
 
 

Prof.05


 
 
 
 

Associar atividades teóricas e práticas

- começou a trabalhar assim em decorrência da realização anual de uma Feira Cultural na sua escola : "Porque eu não entendo mais a Feira Cultural com o professor ficar mandando, na última hora, fazer as coisas... tem valor?");

- "Eu sempre dei aulas práticas, assim, por exemplo, falava do solo, não-sei-o-quê, e ia no laboratório, fazia aquelas experiências de solo, tudo... mas era um... agora eu acoplei isso mesmo no meu trabalho por causa da Feira Cultural... pra não ficar... E deu certo... foi uma coisa que deu certo, eu achei que enriqueceu... eu comecei a fazer por causa da Feira e agora eu faço porque, pra mim é importante, deu certo..."

Quadro VII: Apresentação dos saberes e das justificativas das entrevistadas quanto à origem desses, na categoria Experiência Profissional – Imposições.

    Tomando os dados apresentados nos quadros IV, V, VI e VII um primeiro aspecto pode ser destacado, refere-se à significativa prevalência de atribuições à prática, às experiências cotidianas de sala de aula, como responsáveis pelo surgimento ou incorporação dos saberes mencionados. Por outro lado, chama também atenção a quase ausência (uma única referência) da categoria Formação Inicial. Entende-se que tal fato corrobora, mais uma vez, com a discussão, amplamente apontada na literatura educacional, ou seja, da dicotomia que persiste em existir entre a formação inicial do professor e sua experiência prática na realidade escolar.

    Percebe-se, nos dados apresentados, alguma similaridade com as idéias apresentadas por Tardif (2000), ao comentar o distanciamento entre os conhecimentos da formação universitária e os saberes profissionais dos professores, tendo como referência o cenário norte-americano. O autor destaca que:

"...a prática profissional nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior das hipóteses, um muro contra o qual se vêm jogar e morrer conhecimentos universitários considerados inúteis..."     Outro aspecto a ser salientado, diz respeito à inexistência de comentários das professoras relativos às trocas de experiências entre pares como uma possível fonte de novos saberes. Não se verificou, nas entrevistas feitas, referências explícitas ao fato de que algum dos saberes mencionados, tivesse se originado de uma conversa ou do relato de um(a) colega sobre uma experiência vivenciada por este. Percebe-se que os saberes, considerados significativos, resultam prioritariamente da experiência pessoal e particular das entrevistadas.Tal fato remete às considerações feitas por Tardif (2000), quanto o autor aponta possíveis características dos saberes profissionais dos professores. Cabe destacar aqui o caráter situado e a heterogeneidade desses saberes, ou seja, as experiências profissionais dos professores, bem como os saberes dela resultantes, acabam sendo fortemente marcados pelas situações particulares nas quais eles se dão e pela diversidade de habilidades e competências que exigem do professor.

    Para Giovani (1998), a constatação desse caráter individual que se configura no trabalho do professor, pode assumir um papel negativo quando se pensa no desenvolvimento profissional dessa categoria. Assim, a autora, ao apresentar idéias ou pistas para investigações ou ações de formação continuada, indica, entre outras coisas, que: "a construção do profissionalismo docente se processa em níveis hierarquicamente progressivos e seqüenciais de aperfeiçoamento individual e coletivo (Chakur, 1994)".

    Observando-se especificamente as respostas reunidas na categoria Experiência Profissional, percebe-se que, mesmo tendo sido possível destacar dois campos distintos, há um maior número de referências ao campo denominado como constatação. Verifica-se, pelas respostas obtidas, que muitos dos saberes mencionados tiveram sua origem ou incorporação justificada pelo fato de serem decorrentes de uma ou mais experiências positivas vivenciadas por elas.

    Quanto às imposições decorrentes de instâncias superiores da Secretaria de Educação, observa-se que foram citados apenas exemplos de situações que efetivamente exigiram mudanças concretas do trabalho do professor, por exemplo, a forma de avaliar e a mudança dos conteúdos curriculares. Outros elementos freqüentes, nos últimos anos, nas propostas curriculares para o ensino de Ciências, não são mencionados, tais como: conhecimentos prévios dos alunos, perspectiva construtivista de aprendizagem, entre outros.
 

Considerações Finais

    Tanto os exemplos de saberes, citados pelas professoras entrevistadas (quadro I), quanto as possíveis origens atribuídas por elas a tais saberes (quadros IV, V, VI e VII) conduzem a uma reflexão necessária: o que vem a ser, para os professores, sua experiência profissional? Quais seriam seus principais componentes?

    Percebeu-se que há uma clara tendência de que essa experiência se reduza às situações práticas vivenciadas pelos professores em sala de aula. Daí o fato de prevalecerem saberes da dimensão pedagógica, relativos a aspectos metodológicos e à relação professor/aluno; bem como a origem dos mesmos se identificar, prioritariamente, como decorrência da prática cotidiana. Não se valoriza assim, outros possíveis componentes, tais como: a dimensão política do papel do professor, o caráter coletivo do processo de profissionalização, a necessidade de reflexões sobre a prática e, principalmente, a importância do suporte teórico para tais reflexões.

    Tal redução, acredita-se, acarreta prejuízos consideráveis quando se pensa no desenvolvimento profissional dos professores e na consolidação de uma prática reflexiva, que supere um certo "empirismo ingênuo", no qual, a partir de "tentativa e erro", os professores vão constatando o que dá certo, o que funciona. Dimensionar de forma objetiva a importância e o papel da experiência prática, bem como a postura crítico-reflexiva a ser assumida pelos professores perante tal experiência continua sendo um dos principais desafios para as investigações e as ações de formação inicial e continuada de professores.


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