Washington L. P. Carvalho[2]
Resumo
O presente artigo teve o objetivo de explorar o desenvolvimento do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ entre professores, através de uma abordagem fenomenológica. Foram realizadas entrevistas individuais com duas professoras do ensino fundamental, que trabalham na rede municipal de ensino de Uberlândia. A partir da análise destas entrevistas, foi possível apontar algumas conclusões preliminares a respeito do desenvolvimento profissional de professores e sua relação com um ensino efetivo.
This article aimed at exploring the development of
"pedagogical content knowledge" among teachers through a phenomenological
approach. Individual interviews with two elementary teachers, who work
in the Uberlândia school district, were accomplished. From the analysis
of those interviews, it was possible to point out some preliminary conclusions
about teacher’s professional development and its relation with an effective
teaching.
Os saberes de professor
O que é necessário para se ensinar determinado conteúdo? Basta conhecê-lo? Ou ainda, é necessário ter outros conhecimentos, além do conhecimento de conteúdo, para saber ensinar Biologia ou outra disciplina qualquer de uma maneira eficaz? Essa pergunta pode deixar uma margem de dúvida pois, normalmente, o que se espera de um professor é que ele conheça o conteúdo que deverá ensinar. Entretanto, a maneira que ele vai ensinar e os saberes que ele possui, além do conhecimento do conteúdo, não são muito questionados, pois espera-se que ao conhecer o conteúdo o professor já esteja preparado para ensiná-lo. Gauthier (1998, p.20) diz que "durante muito tempo, muitos, sem dúvida, ainda pensam assim, que ensinar consiste apenas em transmitir um conteúdo a um grupo de alunos. (...) Nessa perspectiva, o saber necessário para ensinar se reduz unicamente ao conhecimento da disciplina. Contrariamente a esta perspectiva, sabemos que é possível que um professor conheça profundamente o conteúdo e não dê uma boa aula.
Nestes últimos anos, pesquisadores como Gauthier 1998, Tardif 1998 e outros desenvolveram pesquisas sobre os saberes que os professores possuem de uma maneira geral. Outros como Doster, 1997; Shulman, 1986, 1987; Cochran, 1998, têm focado a atenção no conhecimento que o professor deve possuir para ensinar.
Existem alguns professores que conseguem transformar o conteúdo de ensino em um conteúdo que leve em conta referenciais normalmente utilizados pelos alunos. Ao pensar nesses professores estamos diante de um problema que nos leva a questionar, por exemplo, o que esses professores têm de diferente de outros professores que não conseguem fazer o mesmo? Como ocorre o aprendizado para o ensino, ou seja, como acontece o desenvolvimento profissional do professor em relação a como ele transforma um determinado conteúdo para ensiná-lo a seus alunos? Que conhecimentos esses professores possuem?
Normalmente, esses professores possuem outros tipos de conhecimentos que alguns pesquisadores, entre eles, Shulman (1986), Tobin, Tippins & Gallard(1994), Cochran & Jones(1998) denominam de: ‘conhecimento do conteúdo’, ‘conhecimento curricular’ e ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’. (Tradução nossa para os termos que os autores utilizam: Content Knowledge, Curricular Knowledge, Pedagogical Content Knowledge). Shulman (idem, p.10) dividiu o conhecimento do conteúdo em três categorias que são: ‘conhecimento curricular’, ‘conhecimento de conteúdo da disciplina’ e ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’. Oportunamente, interessa saber que, para esse autor o conhecimento curricular é representado pela gama completa de programas, designados para o ensino de disciplinas particulares e tópicos em determinado nível. Já o conhecimento do conteúdo da disciplina refere-se à quantia e organização do conhecimento do conteúdo na mente dos professores.
Sobre o ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’, Shulman (idem) diz que esse tipo de conhecimento "vai além do conhecimento da disciplina por si para uma dimensão do conhecimento da disciplina para o ensino. Ele inclui as mais poderosas analogias, explicações e demonstrações, exemplos, maneiras de representar e formular a disciplina de forma que seja compreensível aos outros". Além disso, Shulman (idem) complementa dizendo que esse tipo de conhecimento "também inclui o entendimento do que faz a aprendizagem de determinado tópico fácil ou difícil, os conceitos e preconceitos que estudantes de diferentes idades e origens trazem consigo para a aprendizagem daquelas lições e tópicos mais freqüentemente ensinados".
Segundo Doster (1997, p.53), "o conhecimento pedagógico do conteúdo tem sido aproveitado por alguns educadores em ciências e pesquisadores educacionais" (e.g., Krajcik & Borko, 1991, apud Doster), "como um útil instrumento de organização, numa expressão elegante de noções as quais tem levado antecipadamente, pouco a pouco, à uma reflexão prática do ensino de ciências e da educação do professor." Cochran(1998, p.713-4) diz que, "o entendimento atual das relações entre conteúdo e conhecimento pedagógico tem sido desenvolvido pela idéia teórica de conhecimento pedagógico do conteúdo" (Cochran, DeRuiter & King 1993, Kennedy 1990, Shulman 1986, 1987, apud Cochran, 1998).
Alarcão (1996, p.155) define o temo utilizado por Shulman, pedagogical content knowledge, como conhecimento científico-pedagógico, o qual nós estamos chamando neste trabalho de conhecimento pedagógico do conteúdo. A autora diz que este termo se encaminha para a harmonia do "saber ensinar algo". Em uma tradução livre de Alarcão (idem) ela diz que na opinião de Shulman (1992), o conhecimento científico-pedagógico é :
• um conjunto de conhecimentos e capacidades e uma predisposição interior que caracteriza o professor como tal e que inclui aspectos de racionalidade técnica associados a capacidades de juízos, improvisação e intuição.
• um processo de raciocínio e de ação pedagógica que permite aos professores recorrerem aos conhecimentos e à compreensão requeridos para se ensinar algo num dado contexto para elaborar planos de ação coerentes, mas também para espontaneamente os rever ou até improvisar perante uma situação imprevista. Neste processo desenvolvem-se novos conhecimentos, novas intuições e disposições e cresce a sabedoria da prática. Através da reflexão na ação os professores atuam segundo o seu entendimento das situações educativas, elaborando planos convenientes e incluindo situações imprevistas. Durante esta ação/reflexão adquirem ou renovam conhecimentos, intuições e atitudes.
Objetivo do estudo
O objetivo que tivemos neste trabalho foi o de explorar como acontece o desenvolvimento do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ entre professores. Para isso, realizamos entrevistas individuais com duas professoras que trabalham no ensino fundamental da rede municipal de ensino, em Uberlândia.
Constituição de dados
Os dados foram constituídos a partir de entrevistas realizadas com professoras que trabalham na rede municipal de ensino. Para a escolha das professoras foram utilizados alguns critérios de seleção. O primeiro critério foi selecionar professoras que trabalhavam em escola pública. O segundo critério foi escolher professoras que atuavam no ensino fundamental e que trabalhavam com temas transversais nas suas disciplinas. Das professoras selecionadas duas se dispuseram a participar de uma entrevista. Essas entrevistas foram realizadas no horário de módulo, e cada uma teve a duração de uma hora aproximadamente. Num momento seguinte as entrevistas foram transcritas e posteriormente analisadas.
O trabalho aqui apresentado trata de reflexões sobre o desenvolvimento do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ entre professores. O mesmo faz parte de um estudo piloto que foi realizado como parte de uma pesquisa maior, de uma dissertação de mestrado, que está em andamento. Sendo assim, nosso compromisso é tentar compreender como se desenvolve a pedagogia específica de determinado conteúdo entre professores e, a partir da experiência deles, contribuir para que as propostas de intervenção na prática dos professores possam ser mais eficazes na realidade escolar, principalmente a da escola pública.
Tipo de análise
Entendemos que a pesquisa qualitativa com abordagem fenomenológica é a que melhor se adapta ao nosso objetivo, pois ela permite maior aproximação com a realidade estudada. Sendo assim, buscamos através de uma descrição de experiências alcançar o sentido vivenciado. De acordo com Carvalho (1991, p.48):
De acordo com Carvalho (idem, p. 49), "a descrição é um relato de alguém que está experienciando aqueles aspectos que são imprescindíveis para se compreender o fenômeno que está sendo interrogado". Sendo assim, a descrição do vivido realizou-se por entrevistas individuais semi-estruturadas. Nestas entrevistas a pesquisadora assumiu o papel de ouvinte visando focalizar a experiência consciente que o sujeito possui quando está trabalhando como professor. Na verdade, o que se busca nesse tipo de entrevista é a descrição do fenômeno tal qual ele é vivenciado pelo sujeito (entrevistado). Portanto, a entrevista representa um dos recursos básicos para a constituição de dados, pois ela permite que o sujeito faça uma descrição tão detalhada quanto possível de sua própria experiência. Entretanto durante a entrevista o pesquisador deve deixar que o entrevistado fale a vontade e também deve ficar atento para algumas situações que podem se tornar problemáticas como o fato do entrevistado querer causar uma boa impressão ou mesmo sentir-se pouco à vontade durante a entrevista.
Para obter-se as descrições das professoras foi feita a seguinte pergunta inicial: " Como surgiu seu interesse em ser professora? Participaram dessa entrevista duas professoras de duas diferentes escolas municipais. A partir dos discursos das professoras e procedendo-se a redução fenomenológica, identificou-se unidades de significado dos discursos. Através de uma análise das unidades de significado foi possível constituir categorias que representam convergências entre as descrições das duas entrevistadas. Segundo Martins & Bicudo (1989, p.39):
Segundo a abordagem fenomenológica só
há fenômeno enquanto houver um sujeito no qual ele se situa,
ou seja, o fenômeno existe quando em uma situação existe
um sujeito vivenciando o fenômeno. Segundo Martins & Bicudo (idem,
p. 78) "ao adotar um modelo fenomenológico de conduzir a pesquisa,
o psicólogo e o educador procuram reavivar, tematizar e compreender
eideticamente os fenômenos da vida cotidiana à medida
que são, tais fenômenos, vividos, experienciados e conscientemente
percebidos". Os autores ainda dizem que "todo o esforço para entender
ou explicar sistematicamente algum fenômeno torna-se apreensível
como um projeto que busca levar adiante o acesso perspectival do
fenômeno".
Resultados
Para discriminar as unidades de significados foram necessárias várias leituras das descrições apresentadas pelas professoras. Essas leituras visavam focalizar o fenômeno investigado e por isso foi necessário ler cada descrição individual, procurando identificar as expressões reveladoras. Então, isolamos as unidades de significado e em seguida procedemos a uma nova análise para estabelecermos as convergências de significados comuns entre elas.
Desse modo, buscamos nas unidades de significado, que foram extraídas do discurso das professoras, a configuração da estrutura do fenômeno "desenvolvimento do conhecimento pedagógico do conteúdo". Na busca dessa configuração obtivemos as seguintes convergências:
Quadro de convergências completo
Unidades de significado |
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Dificuldade no início da carreira | Inicio de carreira |
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Frustração | |
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Disciplina: questão complexa | |
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Carga horária | |
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"Tornar-se" professor | "Ser" professor |
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Facilidade de relacionamento com os alunos | |
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Teoria e prática | Aprimoramento profissional |
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Cursos de atualização | |
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Conteúdo: conhecimento das dificuldades | Preparação de aula |
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Caderno de anotações | |
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Visão geral do aluno | |
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Repensando a pratica | |
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Preparo da aula | |
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Improvisação de aula | Experiência profissional |
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Intuição para ir além das soluções convencionais | |
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Linguagem simples | |
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Experiência | |
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Perfil dos alunos | |
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Tempo de trabalho em uma escola | |
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Quadro 1
Início de carreira
No momento da descrição, as professoras
foram reavivando as grandes dificuldades que enfrentaram nos primeiros
anos de atuação em sala de aula. Elas foram relembrando que
essas dificuldades estiveram relacionadas principalmente ao controle do
tempo, domínio de conteúdo e disciplina de alunos. Contaram
que os problemas em relação ao controle de tempo e domínio
de conteúdo foram superados de forma rápida. Entretanto,
em relação à disciplina, contaram que as dificuldades
continuaram ao longo dos anos de ensino. As professoras revelaram a crença
de que a disciplina não é uma questão exclusiva do
professor, mas envolve muitas variáveis que vão além
da sala de aula e por isso se torna uma questão complexa. Além
das dificuldades, que surgiram no contexto da sala de aula, falaram também
sobre os momentos de frustração que vivenciaram no período
inicial da profissão. Esses momentos aconteceram, normalmente, quando
existia muita expectativa frente a uma nova realidade, como, por exemplo,
trabalhar com uma determinada série ou em um determinado horário.
Quando essa realidade se configurava de forma diferente ou contrária
à esperada, então, acontecia uma grande frustração.
Outro fator relacionado à frustração estava ligado
à questão da carga horária. Elas revelaram que sentiam
grande insatisfação quando eram obrigadas a planejar e ministrar
aulas de outra disciplina, apenas para completar a carga horária.
"Ser" professor
Ao serem interrogadas sobre a profissão, as professoras buscaram os seus ver, sentir, viver e revelaram que entraram no magistério não por desejo próprio, mas, sim, por uma série de fatores que encaminharam-nas para esta profissão. Fatores como influência de parentes que já atuavam na educação, ausência de outros cursos e crença de que o magistério é uma profissão para mulheres A falta de outros cursos não possibilitava muita escolha, então, os parentes ajudaram-nas tomar a decisão e contribuíram para que estudassem. O gosto pela profissão ocorreu depois que começaram fazer o curso e, notadamente, depois que entraram em contato com os seus alunos em uma sala de aula. À medida que foram se relacionando com os alunos, foram conquistando a confiança deles e conseqüentemente melhorando a afetividade. Elas atribuíram grande valor à questão do relacionamento afetivo e afirmaram que essa facilidade de relacionamento com os alunos funciona como estímulo para continuarem acreditando nesta profissão. Revelaram que gostam do que fazem, estão felizes com a profissão e que, a cada dia, a cada ano, se sentem mais realizadas como professoras.
Aprimoramento profissional
Nas convergências dos vários depoimentos, as professoras descrevem a necessidade de estarem sempre em busca de atualização. Essa atualização acontece por meio de leituras de livros, revistas, jornais e também por meio de cursos de ‘reciclagem’ ou mesmo de especialização. Elas também falam sobre o quanto a leitura influencia na prática e dizem que, apesar de terem pouco tempo disponível, preenchem os momentos livres com leituras, pois percebem a importância da teoria para o melhor desenvolvimento profissional. Revelam que a teoria pode até não ter uma aplicação imediata, porém, fica de certa forma introjectada no indivíduo e, conforme surge a necessidade, o conhecimento se faz presente no momento da ação. Em relação aos cursos de ‘reciclagem’, as professoras comentam que fazem esses cursos sempre que surge oportunidades e que, muitas vezes, durante o andamento do curso, pensam que ele não vai acrescentar nenhum conhecimento, entretanto, pela experiência que possuem, elas já sabem que, de alguma forma, o curso vai ajudá-las, em particular, nos momento de reflexão sobre a atuação como professora.
Preparação de aula
As professoras atribuem grande significado ao momento da preparação de uma aula e também revelam alguns cuidados que tomam durante o planejamento das atividades. Essas preocupações estão relacionadas ao conteúdo, ou seja, nas maneiras de trabalhar com o conteúdo para que os alunos possam assimilá-lo com mais facilidade. Contam também que a experiência já mostrou que preparar aulas iguais para todas turmas de uma mesma série não funciona. Cada turma possui um perfil e isso deve ser levado em conta. Então, elas fazem as anotações no caderno de planejamento de uma forma mais geral, sem ficar especificando muito as atividades. Outro fator que a vivência como professora também já tornou evidente é a questão do melhor momento para trabalhar com aulas expositivas. As professoras já perceberam que trabalhar com atividades escritas e jogos pedagógicos, depois do recreio ou no último horário, funciona melhor. Elas gostam de trabalhar as aulas expositivas sempre nos primeiros horários, pois dizem que os alunos estão mais atenciosos, e já sabem que depois do recreio eles estarão agitados. Elas dizem que consideram os alunos não apenas como estudante mas, sim, como um ser humano que está em pleno processo de desenvolvimento e, além disso, esse aluno está inserido em uma família, em uma sociedade e tudo isso interfere na sua aprendizagem. Outro cuidado que revelam está relacionado à reflexão sobre a prática. Dizem que, durante uma aula, às vezes pela própria pergunta ou comentário de um aluno, elas são capazes de identificar suas falhas e encontrar uma maneira melhor para trabalhar com aquele conteúdo.
Experiência profissional
Várias convergências apontaram que a
experiência é fator essencial para um melhor desempenho profissional.
No discurso elas revelaram acreditar que a experiência é o
fator que mais contribui na profissão de professora. Elas dizem
que, por causa da experiência, já sabem em que ponto os alunos,
provavelmente, terão mais dificuldades em um determinado conteúdo.
Então, elas procuram trabalhar com aquele conteúdo de uma
forma descontraída, fazendo uso de uma linguagem mais clara, mais
simples, mais acessível ao aluno. Além disso, também
procuram identificar quais são os alunos que persistem com as dificuldades
e desenvolvem um trabalho mais individualizado com eles. Elas falam que,
durante a aula, algumas vezes agem muito pela intuição e
improvisação, pois quando chegam na sala e percebem que a
aula preparada não está dando o resultado esperado, improvisam
outras formas, intuitivamente, no momento. Afirmam que a improvisação
funciona de forma mais efetiva porque já possuem anos de ensino,
conhecem o conteúdo, possuem um certo domínio da sala e,
por isso, mudar uma aula, no momento que ela está acontecendo, se
torna uma coisa relativamente fácil. Outro fator que afirmam facilitar
a atuação como professora é o tempo de trabalho em
uma mesma escola, pois com o tempo a amizade e a troca de experiências
vai ocorrendo com mais facilidade.
Comentários
Ao longo dos anos de ensino, lidando com alunos e com situações problemáticas, interagindo mais aprofundadamente com o conteúdo, buscando explicações e criando representações, o professor vai construindo conhecimentos e adquirindo autoconfiança. Esses conhecimentos são tanto de conteúdo como de gerenciamento de sala de aula. Assim, ao mesmo tempo em que o professor vai aumentando seu conhecimento de conteúdo ele também vai adquirindo mais preparo para lidar com as situações que vão surgindo. Esse melhor preparo permite que o professor focalize sua atenção em outros aspectos da sala de aula e não somente no conteúdo. Sobre o desenvolvimento de professores, Shulman (1986) afirma que "com os anos de experiência, o crescimento do professor, no domínio do conteúdo disciplinar, não é tão evidente quanto o crescimento em setores como o gerenciamento da sala de aula ou no relacionamento com os alunos.
Aqueles professores que se interessam em participar de cursos de aperfeiçoamento, que se preocupam com a formação continuada, que estão sempre atualizando seus conhecimentos por meio de leituras de revistas especializadas, ou por outras fontes, como filmes ou documentários, estão automaticamente desenvolvendo o ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’. Mas o que faz alguns professores terem um melhor ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ do que outros que estão no mesmo patamar? A resposta a essa pergunta parece evidenciar alguns aspectos do desenvolvimento individual dos professores. Por exemplo, uma professora ao procurar temas que são do interesse do aluno e adaptá-los ao conteúdo de ensino, de certa forma, está procurando ampliar o seu ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’, pois, ao interessar-se em trabalhar outros temas que não são específicos de sua área, ela buscará informações que aumentarão seu conhecimento sobre o assunto. Isso provavelmente fará com que ela busque atualizar-se mediante leituras de revistas, livros e até filmes.
Outras situações que contribuem para o desenvolvimento do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ podem acontecer nas reuniões informais entre os professores, ou mesmo durante o intervalo, quando eles se reúnem na sala de professores e falam sobre suas experiências de ensino. Esses momentos são bastante ricos, são momentos de trocas de idéias e informações, nos quais novas idéias estão sempre surgindo. Aquele professor atento, que ouve as idéias dos outros, que troca experiências, que fala sobre seus erros e seus acertos, mesmo sem perceber, está aumentando seu conhecimento pedagógico do conteúdo. Uma outra boa oportunidade de ampliação do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ surge no momento do preparo da aula. Se o professor, ao preparar determinado assunto, der atenção aos erros e dificuldades que ele encontrou no passado, para aprender aquele assunto, provavelmente desenvolverá estratégias para superá-los. Outro foco de atenção devem ser as atividades pedagógicas. Ao preparar a aula, o professor deve conhecer bem as atividades que pretende trabalhar para que possa escolher o momento mais adequado para aplicá-las aos alunos.
A intuição, as situações-problema de sala de aula, o conhecimento do conteúdo, são alguns dos aspectos que fazem com que o desenvolvimento do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ aconteça sem que o professor perceba. Agindo intuitivamente, criando soluções rápidas e eficazes para os problemas que se lhe apresentam, o professor lança mão de um conhecimento que é seu. Esse conhecimento já está internalizado e é próprio da sua experiência. Outro aspecto que também possui grande influência no desenvolvimento do conhecimento pedagógico do conteúdo está ligado aos anos de ensino. Ao decidir o que vai ensinar, e como vai ensinar; ao escolher as representações que pretende usar para determinado conteúdo; ao pensar nas perguntas que deverá fazer aos estudantes e ao lidar com os problemas do não entendimento; o professor tem grande chance de aumentar o desenvolvimento do seu ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’.
Podemos dizer que várias são as possibilidades de acontecer o desenvolvimento do conhecimento pedagógico do conteúdo. Neste trabalho elencamos algumas das possibilidades que são apresentadas por alguns autores, e também procuramos compreender este desenvolvimento a partir do relato de duas professoras. O trabalho mostrou-nos, também, que além das possibilidades apresentadas como: a troca de experiência, o momento do planejamento de uma aula, as leituras, a formação continuada, as reuniões informais, as perguntas dos alunos, existem várias outras possibilidades que ainda não foram investigadas. Portanto, não tivemos a pretensão de esgotar todas elas, conforme salientamos no início; nossa intenção foi explorar como acontece o desenvolvimento do ‘conhecimento pedagógico do conteúdo’ entre professores. Por fim, queremos ressaltar a importância da realização de pesquisas sobre o conhecimento de professores, visto que essas pesquisas contribuírão significativamente para a formação de novos professores nos cursos de licenciatura.
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CARVALHO, W. L. P. O ensino de ciências sob a perspectiva da criatividade: uma análise fenomenológica. Campinas, 1991. 302p. Tese - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.
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SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educational
Researcher, 15(2), 4-14.1986.
[1] Bolsista FAPESP e mestranda do
Programa de Pós-graduação em Educação
para a Ciência da Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru
[2] Professor Assistente Doutor
do Depto. de Física e Química – FEIS/ Unesp de Ilha Solteira.
Professor e Orientador no Programa de Pós-graduação
em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências
da Unesp de Bauru.