PROFESSOR/A DE CIÊNCIAS E DE QUÍMICA: A BUSCA DE UMA IDENTIDADE



Cesar V. Machado Lopes
Curso de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica – ICBS
Faculdade de Educação - UFRGS
cvlopes@edu.ufrgs.br

Diogo O. Souza
Curso de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica – ICBS
diogo@vortex.ufrgs.br

José Claudio Del Pino
Área de Educação Química – IQ
aeq@iq.ufrgs.br


Resumo

    A partir de uma investigação junto a um grupo de professores e professoras de química em atuação na Escola Básica, na Grande Porto Alegre-RS, participantes de um curso de formação continuada coordenado pela Área de Educação Química da UFRGS. Abordamos a constituição de identidades docentes, a partir das representações de ciências e química que estes professores e professoras constróem e sua integração com as representações de professor e professora. Estas representações são analisadas a partir dos textos (falados e escritos) produzidos por este grupo em situações de debate em grupo, entrevistas, produção textual e demais situações vivenciadas durante a realização do curso. Sendo que estes registros foram realizados com anotações, ou gravações em vídeo e/ou áudio e os trabalhos escritos pelos participantes. Destacamos algumas representações que se apresentaram de forma recorrente, e propomos uma reflexão sobre a constituição destas representações, seus espaços de produção e sua reprodução nos espaços escolares.


O grupo

    Um grupo de 24 professores e professoras de química da grande Porto Alegre-RS, reunidos por uma noite/semana durante 40 semanas (1999/2000), totalizando 160 h de um curso de formação continuada. Realizando atividades de atualização em conteúdos de química, em novas metodologias para o ensino de determinados conteúdos, história da química e atividades experimentais em cerca de 100 h e pelo menos 60 h de discussão pedagógica, filosófica, sociológica, psicológica, das questões das ciências naturais, da química e de seu ensino.

    Filmes, debates, leitura de textos, produção de textos, exposições orais e atividades de laboratório – formas de organização do tempo/espaço. Periodicamente uma câmara filmadora registrando estas atividades, e um professor e investigador presente em pelo menos 100 h, ora como professor e observador, ora apenas como observador.

    O que os caracteriza? Sua condição de professores e professoras de uma ciência – a química. Suas identidades docentes?

    Mas que identidade é esta? Buscando textualmente sua constituição, torna-se necessário precisar as representações de professor/a, de ciência e de química.

    Será que estas representações convergem para a construção de uma identidade comum?

    Convivendo com este grupo, procuramos identificar, de forma central, as representações de ciências e química presentes em seus textos (entendido de forma ampla: falados e escritos) produzidos na realização do curso. E, de forma lateral, a sua integração com as representações de professor e professora apresentadas pelo grupo.

    Na tentativa de amplificar nossas possibilidades de escuta e análise, realizamos entrevistas semi-estruturadas, individuais e registradas em áudio, com 6     professores/as do grupo, escolhidos de forma aleatória.

    Ao final deste processo encontramos o professor e a professora de ciências / química? Onde está o marco fundante de sua identidade comum?

    Este é caminho que procuramos trilhar neste artigo, partindo que algumas questões relevantes para análise, empreendendo a análise ao mesmo tempo que já apresentando nossas considerações e chegando novamente ao ponto de partida – Quem é este professor? Quem é esta professora?
 

A questão da representação

    Como já podemos observar o conceito de "representação" apresenta-se de forma central neste artigo. Estas "representações" são tomadas numa perspectiva, fundamentalmente, pós-estruturalista focalizando o discurso, a linguagem, o significante, não procuremos as imagens mentais, idéias, o que está por trás ....uma vez que nesta perspectiva não existe o "por trás", o "oculto". A representação torna-se especialmente importante neste artigo onde abordamos a suposta identidade docente, pois é "através da representação que construímos a identidade do Outro e, ao mesmo tempo, a nossa própria identidade" (Silva, 1999, p.127).

    Nesta perspectiva, partimos para a análise textual das produções deste grupo, procurando identificar como representam as ciências naturais e a química assim como as representações que tem de si mesmos como professores e professoras destas áreas, suas especificidades e suas generalidades. Também procuramos focalizar os espaços que podem estar implicados na construção destas representações.
 

A questão da ciência

    Partindo das representações de ciências naturais apresentadas por professores e professoras (Krüger e Lopes, 1997; Lopes, 2001), neste artigo ampliamos a análise da observação participante, a produção textual oral e escrita em situações de curso e de entrevistas com participantes do curso de formação continuada.

    Em várias momentos das falas observadas e nas entrevistas percebemos a identificação do dado empírico como o critério de comprovação e/ou refutação de um conhecimento como científico. "O quê da base para o conhecimento do aluno na escola é o empírico, é como São Tomé[1]",., "eu aprendi o que é H2O, mas eu só vou entender o que é H2O o dia que eu beber uma água", "ele (Einstein) testou se realmente era real....através de experimentos para ver se realmente era aquilo".

    Encontramos, novamente, idéias que alternam-se entre dedutivistas ou indutivistas (Krüger e Lopes, 1997), mas mantém o empírico como origem concreta do conhecimento ou o empírico com critério de validação do conhecimento. Estas noções de "verdade", como uma questão de verificação empírica, continuam na base da ciência da modernidade e moldam os currículos de formação de professores e professoras. Utilizando-nos de uma perspectiva pós-estruturalista, questionamos esta noção de verdade em correspondência com uma suposta "realidade" empírica, "a questão não é, pois, sim, de saber se algo é verdadeiro, mas sim, de saber por que esse algo se tornou verdadeiro" (Silva, 1999, p.124).

    A Natureza aparece como o conceito agregador e definidor das ciências naturais, tendo logo em seguida a vida (Lopes, 2001) como outro termo significativo nas conceituações de ciência natural "tudo que envolve a tua vida.....até uma criança é gerada através da ciência, até a vida é gerada através da ciência". Quando defrontados com situações de processos industriais e produtos sintetizados artificialmente, procuram ampliar os conceitos de natureza, de forma que abarquem o maior número possível de situações "não é só verde não! A natureza é tudo que tu utiliza para tua sobrevivência". Neste contexto pudemos identificar que a categoria tudo, utilizada em nossas artigo anterior, mistura-se e confunde-se com a categoria vida do mesmo artigo.

    Pudemos também perceber a centralidade do ser humano na representação das ciências, como produtor e beneficiário deste conhecimento e das "coisas" da natureza, das materialidades "a natureza seria o próprio homem, toda a estrutura da pessoa e o que o rodeia, seria a parte biológica e a parte física......eu acho que uma coisa sintética faz parte da natureza, é natureza diferente, mas é natureza."

    Mesmo quando entendida como relativa e historicamente construída (Krüger e Lopes, 1997), percebem-se destaques a parâmetros mais ou menos rígidos que determinam "ou é átomo ou é molécula; ou é íon ou é átomo; ou...ou.." demonstrando que "a ciência é previsível, e o que contrapõe este previsível deve ser retirado das explicações de aula, para não causar confusão."

    Outro ponto relevante, reforçado em nosso convívio, diz respeito ao estatuto de superioridade do conhecimento científico(Krüger e Lopes, 1997), frente a outras formas de conhecimento "o nosso conhecimento (das ciências) é claro; os deles(pessoas comuns) é um conhecimento que eles não sabem o por quê." E uma representação de ciência unívoca "é algo assim que todos vem da mesma forma......vai ser um pensamento que vai convencer a todos." que não apresenta contradições e embates, produzindo os dogmas da ciência.

    No decorrer do curso a apresentação de diferentes conceitos de ciências, e debates a partir de perspectivas da filosofia, sociologia e da antropologia provocaram grandes discussões e mesmo enfrentamentos de posições opostas no grupo. Em geral produzidas a partir de críticas à razão da ciência e de seus limites como portadora da verdade do mundo.
 

A questão da química

    Esta questão praticamente ficou englobada na questão da ciência, os professores e professoras, em geral, procuraram definir a química a partir de seus conceitos de ciências naturais, destacando sempre conceitos formais para defini-la de forma objetiva, e generalizando com a palavra "tudo" (Lopes, 2001).

    Assim como procuraram definir aqui estes conceitos da forma mais objetiva possível, entendem que na escola também é importante este momento, que deve localizar-se nas etapas iniciais do ensino desta ciência "Eu definir química é vital, eles tem que saber o que vai se passar, ou qual é a expectativa que vai existir em relação a essa matéria".

    Diferentemente do ensino de ciências em geral, onde não há uma ênfase muito grande à conceituação do termo ciência. No ensino da química podemos perceber esta ênfase, que em geral se torna excessivamente generalista "a química é tudo", "tudo que nos cerca vai ser explicado por aí." E muitas vezes apresentam a química na posição central, a partir da qual se organizam e estruturam as demais ciências naturais "a química como o cerne da coisa, se tu estás falando do ser vivo, tu estás falando de química antes da biologia.".

    Assim como na discussão sobre ciência, a comprovação empírica aparece com destaque nas representações da química. O "ver" torna-se o grande critério, nesta ciência que opera, justamente, como o que não se vê "é uma questão de ver, se eu conseguisse mostrar", e neste aspecto podemos ainda perceber representações identificadas com projetos educacionais estrangeiros, na área das ciências, que foram implantados no Brasil e enfocavam a metodologia científica aplicada ao ensino das ciências "se tu não puder trazer de forma alguma experimentos para o aluno, levar o aluno para um laboratório, para uma situação experimental, tu não vai fazer ciência .....ele não está sendo cientista........ele não produz o saber dele, mas ele reproduz o saber."
 

A questão da identidade

    Através do entendimento das percepções dos professores e professoras da ciência e da química, procuramos identificar estruturas que nos fornecessem uma pista da identidade deste professores. Algo que os unisse, que tivéssemos como característica inerente ao ser professor de química, ao ser professora de ciências. Procurando um indivíduo profissional dotado de capacidades de razão, de consciência e de ação, unificado em torno de certas característica pessoais essenciais, procurávamos o que Hall (1997) chama de sujeito do iluminismo.

    Nesta investigação, que nos permitiu o convívio, em várias momentos, com o grupo de professores e professoras, pudemos perceber que estes assumiam posições diferenciadas em momentos distintos, e que apresentavam contradições em seus textos (Krüger e Lopes, 1997). Estas situações nos permitiram assumir posições teóricas que contestam a existência do sujeito iluminista e defendem que "o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente" (Hall, 1997, p.13)

    Em nossas intervenções no curso procuramos desestabilizar as convicções arraigadas nas representações de professores e professoras de química e ciências, mostrando o caráter construido destas representações e a não naturalidade das ditas característica pessoais de cada professor, acreditando que as situações de mudança na ação docente passam pela necessária reflexão sobre o "eu " professor e percebemos que "a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza"(Mercer apud Hall, 1997, p.10)

    Mas este profissionais estão atrelados a uma tradição, uma dita continuidade com um passado histórico, que procura os limitar no pertencimento a um grupo - "quando criaram o curso de pós-graduação em educação química resolvi fazer e a partir daí verificar que outros professores também pensavam como eu", uma determinada cultura, que atua como sistema de representação e foco de identificação. São professores e professoras de ciências e de química, identificam-se como grupo de professores, identificam-se com profissionais da ciência e da química. "Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha." (Hall, 1997, p.80)

    Em situações de exposição de suas experiências pedagógicas, foi possível perceber a necessidade constante de aprovação pelo grupo, e muitas vezes o receio de apresentação destas, considerando a possibilidade de uma análise negativa. Há a busca de uma condição de pertencimento a determinado grupo de professores – os que fazem um trabalho que é reconhecido, como de qualidade, e tem a aprovação pelos seus pares e de seus alunos e alunas. Nesta perspectiva percebemos também que a posição de diretores, administradores, supervisores, pesquisadores não tem a mesma relevância, uma vez que o critério primeiro de validade é o da realidade da sala de aula, da prática, os saberes da experiência vivida (Tardif, 1991) e a busca do pertencimento a um grupo de profissionais tidos como de qualidades acima da média. O enfrentamento com administradores, supervisores, etc. parece muitas vezes ser percebido como um mérito, uma vez que muitas vezes representa a opção pela construção de um currículo diferenciado do estabelecido, uma opção pelos "alunos/as", frente as posições burocráticas do currículo padronizado. Estes modelos de professores e professoras são amplamente divulgados, principalmente através das mídias.

"Quem é o/a professor/a exaltado/a na tela prateada? Tipicamente ele ou ela é um outsider que usualmente não é benquisto/a pelos outros professores, os quais por sua vez, são tipicamente hostilizados pelos/as estudantes, temem os/as estudantes ou estão ansiosos para dominá-los/las. O/a ‘bom/boa’ professor/a envolve-se com os/as estudantes num nível pessoal, aprende com eles/as e usualmente não se dá muito bem com os/as administradores/as. Algumas vezes estes ‘bons’ professores ou ‘boas’ professoras têm um agudo senso de humor. Eles/as também frequentemente personalizam o currículo para atender às necessidades cotidianas das vidas de seus/suas estudantes." (Dalton, 1996, p.102)
 
    Podemos perceber a penetração dos discursos pedagógicos dos últimos tempos, constituindo a fala de professores e professoras, quer seja na tela ou no dia-a-dia das escolas. A valorização das questões do indivíduo "pensar que as pessoas são diferentes e entendem as coisas de formas diferentes, tem problemas e necessitam de atenções diferentes" psicológico, da formação do cidadão, da escola com espaço de socialização do indivíduo e do conhecimento. Todavia as discussões, mais amplas, do campo da filosofia da ciência nos parecem ainda distantes deste contexto.

    Analisando as falas de professores e professoras com uma grande experiência docente, percebemos os discursos pedagógicos produzindo professores e professoras que tendem a assumir posições que se tornam hegemônicas em determinados períodos históricos, e a naturalização destes discursos, não limitada aos espaços escolares "Eles deixavam, aos poucos, de ser uma turma, para se tornarem indivíduos com necessidades, capacidades intelectuais e vivências diferentes, necessitando de um olhar individualizado." Muitos vindo a se tornar saberes de senso comum na sociedade.

    Os professores e professoras, de uma forma geral, não identificaram como significativos os debates e questões levantados pela filosofia da ciência e pela epistemologia, não percebendo uma "utilidade" para tais debates para sua formação como professores. Percebendo menos ainda a necessidade de discussões com este caráter junto aos alunos e alunas da escola básica, muitas vezes argumentando que estes debates acabariam mesmo por confundir estes/as e desviar a atenção do que realmente é importante, o conteúdo de química e ciências "eu não posso ficar filosofando, nem eu me preocupando sobre muito da filosofia, o que foi, o que não foi, o que a ciência me diz, o que a ciência não me diz, não é uma coisa que vai me dar objetividade na sala de aula.......isso para mim não diz nada, para o aluno não diz nada".

    Afirmações que se inserem numa perspectiva que coloca a filosofia e a ciência em pólos opostos do conhecimento: a reflexão e a especulação para filosofia e a observação e a experiência para a ciência. Para Morin (1999) esta oposição não é, necessariamente, ruim, mas a loucura é acreditar que todas estas características não estão presentes em ambas, na ciência e na filosofia. "As características dominantes numa são dominadas na outra e vice-versa" (Morin, 1999, p.31). Além disso apresentam as características, ditas da ciência, como mais desejáveis que as associadas a filosofia, levando a uma representação de superioridade da ciência frente a filosofia, assim como representações de superioridade do conhecimento das ciências frente aos saberes populares, de senso comum e de culturas "subordinadas".

    Os professores e professoras que assumem os discursos mais recentes no campo da educação em ciências, apresentam a importância destes debates em sua formação, e para sua atuação no ensino das ciências, e destacam a necessidade de sua atuação política, criticando o posicionamento ‘tradicional’ dos professores e professoras da área "A maioria dos professores que eu conheço da área sempre se excluiram de discussões políticas (assim como a idéia construída de neutralidade da ciência e dos cientistas). Dizendo que o papel deles dentro da sala de aula é passar conteúdos – como se montam fórmulas, quais as propriedades das substâncias, quem reagem e quem não reage, ligações, ......."

    Percebemos fortemente o discurso metodológico amplamente valorizado nos Brasil, principalmente nos anos 70, construindo a ciência escolar a partir das ciências de referência (química, física, biologia) e destacando que um ensino eficiente precisa "de laboratórios de química em todas as escolas, separado de física e biologia, de professores de química específicos já no 1. Grau e não professor de biologia atuando na área", argumentos que reforçam a necessidade de existência de uma identidade específica nesta área.

    As questões do conteúdo e da forma de "transmissão" do conhecimento foram apresentadas como determinantes de um ensino de qualidade, há o "medo de estar ensinando coisas ultrapassadas" gerado pela velocidade com que novos conhecimentos são produzidos nestes campos associado a inexperiência, no caso dos professores e professoras iniciantes "somente quando começamos a conviver com os alunos, é que verificamos que não sabemos ‘nada’ ".

    Para estes professores e professoras os saberes adquiridos através da experiência profissional são os fundamentos de sua competência "é a partir deles que o(a)s professore(a)s julgam sua formação anterior ou sua formação ao longo da carreira" (Tardif, 1991, p.227)

    Estes saberes da experiências produzem a segurança necessária aos jovens professores, "com mais experiência de vida e profissional, comecei a me perguntar até quando minhas aulas seriam a sequência de páginas de um livro didático" e não podem ser classificados como saberes individuais, pois se produzem na interação com seus pares, alunos e alunas, e demais atores da cena educacional em um universo institucional e social.

"a experiência dessas limitações e dessas situações é formadora: somente ela permite ao docente desenvolver o habitus (isto é, disposições adquiridas na e pela prática real), que lhe permitirão justamente enfrentar as limitações e os imponderáveis da profissão. Esses habitus podem se fixar num estilo de ensinar, em ‘macetes’ da profissão, ou mesmo em traços da ‘personalidade profissional’: expressam, então um saber-ser e um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano." (Tardif, 1991, p.228)
 
    Este saber-fazer, apresenta-se também bastante identificado com discursos pedagógicos historicamente localizados, destacando a necessidade de construção de espaços que propiciem e motivem a aprendizagem "é preciso ensinar de um modo naturalmente agradável", considerações relevantes da psicologia cognitiva. Assim como percebemos a defesa do rompimento do "muro" que separa a relação social professor-aluno, buscando uma relação interpessoal sem hierarquias "sou informal, ...converso com os alunos e com a turma, bato papo e me interesso pela vida das pessoas".

    Outro dos pontos trazidos como especificidade da docência, neste caso em todos os campos, é a dedicação, percebendo esta como uma profissão que "por natureza" assume uma posição de controle frente as demais dimensões da vida "Desta forma, a família, os amigos e até mesmo eu, ficamos em segundo plano". Inseridos em um contexto social que produz a profissão docente em condições subalternas, "meu objetivo era trabalhar na indústria , mas.... muita concorrência, poucas vagas, perdi várias oportunidades por ser mulher. Em função disso......achei que a licenciatura poderia me dar uma profissão." e "dar aula era a 2ª opção" percebemos mecanismos de resistência que procuram produzir novas leituras desta situação, tais como a dita "natural" "paixão pelo ato de ensinar", que se constrói na prática, fazendo com que mesmo tendo começado com 2ª opção, a permanência se justifica pelo "amor aos meus alunos"; a importância deste profissional na vida de toda a humanidade, e principalmente das grandes personalidades dos mais diversos campos do conhecimento "Lavoisiser teve um professor"; a influência, muitas vezes determinante no futuro dos jovens "tenho encontrado vários alunos que resolveram seguir a carreira de professores de química ou carreiras que tenham a ver com a química, e acho que tenho uma pequena parcela nessa decisão." e "fui ser professor de química motivado pela convivência com bons professores".

    Representações que procuram objetivar a atuação docente em oposição as condições materiais e de reconhecimento promovidos pelos poderes públicos e disseminados no meio social.

    Aliado a estas questões, neste momento histórico, parecemos viver uma série de novas pressões que questionam e transformam todos os saberes da humanidade, "Atualmente, a prática pedagógica passa por um momento difícil, de incertezas e inseguranças", o trabalho de professores e professoras está sujeito a mais demandas e maior complexidade que em outras etapas históricas; demandas que, em geral, são contraditórias entre si, que se modificam com rapidez e que podem configurar uma imagem de incerteza e um aumento dos riscos frente a uma tomada de decisão. Qual é o objetivo da escola, que papel deve ter na sociedade? Qual é o objetivo dos diferentes níveis educativos? Que conhecimento é importante? Como incorporar os problemas sociais relevantes? Continuamos sendo ‘professores’ ou precisamos nos transformar em ‘entretenedores’ de adolescentes? Em que parcelas de decisão pode intervir o alunado, os pais e mães? (Hargreaves, 1998)

    Na busca de localizar a origem do problema da educação, percebem a complexidade de tal busca, e talvez a impossibilidade desta precisão uma vez que "é na base que não é sólida ou é no telhado que entra água" que situam-se os problemas.
 

Considerações

    Pretende-se sempre que os professores e professoras mudem. É difícil encontrar um momento no qual a afirmação tenha mais vigência que nos últimos anos. Esta época de competitividade global, como todos os momentos de crise econômica, está produzindo um pânico moral imenso frente a forma de preparar as gerações futuras em nossos países. Em momentos como estes, a educação em geral e as escolas em particular se convertem no que A . H. Halsey chamou de ‘a papeleira da sociedade’: receptáculos políticos nos quais se deposita o resolvido da sociedade e os problemas insolúveis. Poucas pessoas desejam fazer algo a respeito da economia, mas todo mundo – políticos, meios de comunicação e público em geral – quer fazer algo com a educação. (Hargreaves, 1998)

    As pressões para estas mudanças, partem de todos os lados, e as tarefas do professor se ampliam para resolver novos problemas e obrigações, ainda que muito pouco se elimine das tarefas antigas para dar lugar à estas mudanças.

    As inovações pedagógicas e tecnológicas se multiplicam a medida que se aceleram as mudanças, criando uma sensação de sobrecarga nos professores e diretores, responsáveis por sua implementação. Se apresentam cada vez mais mudanças e os marcos cronológicos para sua implementação se sobrepõe.

    Muitas certezas tidas como "naturais" começam a ser contestadas, as antigas missões e metas começam a cair, ainda que se apresentem poucos substitutos para seu lugar. Os métodos e estratégias que os professores utilizam, junto com os conhecimentos básicos que os justificam, estão submetidos a uma critica constante, a medida que as certezas científicas perdem credibilidade. Se os conhecimentos em que se apoia o ensino carecem de base científica, "que fundamento podem ter nossas justificativas para a prática?, perguntam os educadores" (Hargreaves, 1998).

    Estas situações, tidas como pós-modernas, produzem as identidades destes professores e professoras de ciências e de química, que possuem especificidades que abordamos no desenvolver deste artigo e outras tantas semelhanças, especificidades e diferenças construídas em seus cursos de formação, pelas ciências de referência, pelos currículos, identidades que buscam sua origem, e se esfacelam cada vez mais nesta busca. Aqui buscamos estas origens no campo das ciências naturais e da formação do professor, percebido como discursos distintos que se entrelaçam constituindo o professor e a professora de ciências e de química, integrados a outros tantos que se apresentaram em nossa investigação. Nosso objetivo de busca desta identidade docente, nos levou a construção de diferentes identidades que "carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias ‘casas’(e não a uma ‘casa’ particular)." (Hall, 1997, p.96)
 

Pensando a formação docente

    Acreditando que, seja qual for o enfoque adotado no ensino das ciências, os professores e professoras necessitam compreender, em alguma medida, a constituição filosófica e sociológica de seus campos do conhecimento e sua interconecção com a educação em ciências (Hodson, 1988), juntamo-nos ao coro dos que pregam mais atenção a estes enfoques na formação inicial e permanente do professorado.
 

Bibliografia

DALTON, M. M. O currículo de Hollywood: quem é o bom professor, quem é a boa professora? Educação e realidade, v.21, n.1, 1996. p.97-122.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

HARGREAVES, A. Profesorado, cultura y postmodernidad: cambiam los tiempos, cambia el professorado. Madrid: Morata, 1998.

HODSON, D. Em: PORLÁN, R. et. all. Constructivismo y enseñanza de las ciencias. Sevilla: Díada, 1988.

KRÜGER, V. e LOPES, C.V.M. Concepções de professores de Química sobre a natureza do conhecimento científico: contribuições para a formação docente. I Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 1997, Águas de Lindóia. Atas. Porto Alegre: Instituto de Física da UFRGS, 1997.

LOPES, C.V.M. Ciências Naturais e Química: Saberes Epistemológicos na Construção das Identidades Docentes. Porto Alegre: UFRGS, CPG-Ciências Biológicas: Bioquímica. 2001. Dissertação de Mestrado.

MORIN, E. O método: o conhecimento do conhecimento. 3. Porto Alegre: Sulina, 1999.

SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

TARDIF, M. et. all. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e Educação, Porto Alegre, v.4, 1991.

[1] Os textos em itálico, sem identificação de autor, são de autoria dos professores e professoras participantes do grupo.