A NATUREZA DE MODELOS NA VISÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS

Rosária S. Justi
Departamento de Química, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
rjusti@dedalus.lcc.ufmg.br

John K. Gilbert
School of Education, The University of Reading, U.K.
j.k.gilbert@reading.ac.uk

Resumo

    Professores brasileiros representantes de quatro grupos distintos em termos de seu nível de atuação e formação (ensino fundamental, ensino médio, universidade e estudantes de licenciatura) tiveram suas idéias sobre "modelos" investigadas a partir de uma entrevista semi-estruturada. Sete 'Aspectos' foram identificados: a natureza de um modelo, o uso que é feito dele, as entidades às quais ele se refere, seu caráter único, o tempo em que ele vem sendo usado, seu status na elaboração de previsões e a base para o reconhecimento de sua existência e uso. Para cada um destes 'Aspectos' foram identificadas 'Categorias de significado'. Perfis bastante complexos foram caracterizados para as idéias de cada professor, não corroborando à noção de 'Nível' de compreensão. Professores com formação em química e física apresentaram visões bastante diferentes daquelas apresentadas por professores de biologia e professores com formação apenas no nível de magistério primário.

Abstract

    A semi-structured interview was used in Brazil to enquire into the 'notion of model' held by a total sample of 39 science teachers working in 'fundamental' (6-14 years) and 'medium' (15-17 years) schools; student science teachers; and university science teachers. Seven 'Aspects' of their notions of model were identified: the nature of a model, the use to which it can be put, the entities of which it consists, its relative uniqueness, the time span over which it is used, its status in the making of predictions, the basis for the accreditation of its existence and use. 'Categories of meaning' were identified for each of these 'Aspects'. The profiles of teachers' notions of ‘model’ were complex, providing no support for the notion of 'Level' in understanding. Teachers with degrees in chemistry or physics had very different views about the notion of ‘model’ to those with degrees in biology or with teacher training certificates.

Introdução

    Em Ciência, modelos exercem diversas funções que podem ser vistas como constituindo um 'continuum' de crescente complexidade. Dele fazem parte, dentre outras funções igualmente importantes: representar entidades de uma forma simplificada (Glynn & Duit, 1995; Ingham & Gilbert, 1991), tornar visíveis entidades que são abstratas (Francoeur, 1997), fundamentar interpretações de resultados experimentais (Tomasi, 1988), favorecer a elaboração de explicações (Gilbert et al., 1998), facilitar a comunicação tanto entre cientistas quanto de cientistas com pessoas leigas e fundamentar a elaboração de previsões (Erduran, 1999). Considerando tais funções, a produção e revisão de modelos têm sido vistas como a essência do processo dinâmico e não-linear envolvido no desenvolvimento do conhecimento científico (Del Re, 2000; Letherdale, 1974).

    Em relação ao Ensino de Ciências, Hodson (1992) definiu três objetivos principais: 'aprendizagem de ciências', isto é, a compreensão das idéias produzidas pela ciência; 'aprendizagem sobre ciências', isto é, a compreensão de importantes aspectos de filosofia, história e metodologia da ciência; e 'aprendizagem de fazer ciência', isto é, a habilidade de participar de atividades que levem à produção/aquisição de conhecimento científico. Tais objetivos sugerem a existência de um papel central para modelos e modelagem (entendida como produção e revisão de modelos) no Ensino de Ciências. Isto porque 'aprendizagem de ciência' implica que os alunos devem aprender os principais modelos que são os produtos da ciência; 'aprendizagem sobre ciência' implica que os alunos devem ser capazes de avaliar o papel de modelos na produção, validação e disseminação dos produtos da pesquisa científica e 'aprendizagem de fazer ciência' implica que eles sejam capazes de criar, expressar e testar seus próprios modelos.

    Para que tais objetivos sejam atingidos é necessário que os alunos tenham uma idéia de 'modelo' coerente com aquela aceita pela comunidade de cientistas. No artigo mais citado sobre tal assunto, Grosslight et al. (1991) identificaram três níveis de compreensão a partir de entrevistas com alunos americanos que não haviam sido introduzidos ao tema 'modelos' na escola e com cientistas. No nível 1, os alunos pensavam em modelos como simples cópias da realidade, sem definição clara de uma função para os mesmos. No nível 2, os alunos consideravam que modelos eram representações de objetos ou eventos reais e que eles poderiam ser modificados em decorrência de novas evidências experimentais. No nível 3, atingido apenas por cientistas, modelos eram considerados como uma forma de criar e testar idéias com um objetivo específico e como passíveis de modificações após testes apropriados. Resultados análogos foram encontrados por Driver, Leach, Millar e Scott (1996) ao investigarem as idéias de alunos ingleses.

    Parece-nos claro que para que alunos tenham uma visão mais abrangente sobre modelos é imprescindível que seus professores reconheçam a importância dos mesmos no Ensino de Ciências e desenvolvam práticas docentes efetivamente centradas nos três objetivos citados anteriormente. Para tanto, é essencial que professores de Ciências compreendam claramente a natureza de modelos e modelagem. Apenas recentemente algumas pesquisas têm sido realizadas visando investigar tal compreensão. Em geral, elas evidenciam que professores de ciências não têm uma visão abrangente sobre modelos que possa fundamentar o ensino desse tema.

    van Driel e Verloop (1999) conduziram dois estudos combinados sobre como professores holandeses experientes do ensino secundário entendiam a natureza de modelos. Em um questionário aberto – inspirado na pesquisa de Grosslight et al. (1999) – eles encontraram que, em geral, os professores (n = 15) entendiam modelos como 'representações simplificadas ou esquemáticas da realidade'. Eles também percebiam que modelos tinham diversas características, podiam ser encontrados em muitos modos de representação e apresentavam funções como descrição e explicação, mas raramente elaboração de previsões. Em um questionário com utilização da escala Likert respondido por 71 professores, três tendências nos resultados confirmaram os resultados anteriores: a extensão na qual modelos eram vistos como simplificações da realidade, a variação na aparência de modelos em função do modo de representação usado e a elaboração de modelos como resultado da criatividade humana.

    Na Austrália, Harrison (2000) entrevistou dez professores de Ciências experientes sobre suas compreensões da natureza de modelos e de seus usos em explicações. Como parte da entrevista, os professores tiveram que comentar a seguinte afirmativa:

"Modelos são um dos principais produtos da Ciência, modelagem é um elemento da metodologia científica, (e) modelos são importantes ferramentas no ensino e na aprendizagem de Ciências." (Gilbert, 1993, p. 5, tradução nossa)     Todos os professores concordaram com a primeira parte da afirmativa, sendo que seis deles disseram que modelos eram os principais produtos da Ciência. A partir da análise de seus dados, a classificação de Harrison para a visão dos professores de acordo com os níveis propostos por Grosslight et al. (1991) mostrou que dois deles estavam na transição do nível 1 para o 2, dois estavam no nível 2, três estavam na transição do nível 2 para o 3 e dois estavam no nível 3.

Considerações metodológicas sobre esta pesquisa

    O estudo aqui relatado é parte de uma ampla investigação sobre o status epistemológico atribuído a modelos por professores de Ciências no Brasil e na Inglaterra. A questão de pesquisa discutida neste artigo é:

Que compreensões os professores de Ciências mostram quando solicitados a definir modelos e modelagem e a classificar exemplos relacionados com uma variedade de fenômenos?     A metodologia desta pesquisa envolveu a realização de entrevistas semi-estruturadas, cujas questões foram propostas e avaliadas em um estudo piloto realizado com cinco professores experientes dos níveis fundamental e médio. As questões da entrevista constituem três partes distintas. As que não estão discutidas neste artigo relacionam-se com como professores usam modelos e modelagem no Ensino de Ciências (Justi e Gilbert, 2001) e com as características reconhecidas pelos professores como essenciais para que alguém (seus alunos, por exemplo) envolva-se com sucesso em atividades de modelagem (Justi e Gilbert, in press) As questões que possibilitaram a discussão da questão de pesquisa ora discutida são apresentadas no Apêndice. Julgamos importante ressaltar que, como nós não estávamos interessados simplesmente em como os professores definiam modelos, mas sim em conseguir com que eles expressassem sua visão de uma forma mais ampla, utilizamos exemplos que envolviam diferentes modos de representação (por exemplo, um modelo concreto de um carro e um desenho do mesmo) e exemplos que envolviam um mesmo modo de representação, mas focalizando diferentes atributos de uma dada entidade (por exemplo, dois desenhos da dissolução de permanganato de potássio, um mostrando o aspecto visual macroscópico do sistema e outro representando as partículas presentes no mesmo). Além disso, durante a entrevista os professores tiveram total liberdade para comentar e questionar aspectos que eles julgavam importantes. Como conseqüência, os exemplos não foram apresentados em uma ordem fixa.

    A amostra consistiu de 39 professores, assim distribuídos: 10 professores do ensino fundamental (com formação em Biologia, Química e Magistério), 10 professores do ensino médio (com formação em Biologia, Química e Física), 10 estudantes de licenciatura (das três áreas citadas) e 9 professores universitários (todos da área de Química). Neste artigo, a referência aos professores será feita por um código derivado de sua origem (PF, PM, EL e PU, respectivamente) associado a um número de ordem que identifica cada um deles. Na escolha dos professores foram considerados critérios como a disponibilidade para participar da entrevista, a área de formação (no caso de PF, PM e EL), o tempo de atuação como docente (no caso de PF, PM e PU) e o envolvimento em atividades de pesquisa (no caso de EL e PU). Os três últimos critérios foram balanceados de forma a garantir uma amostra heterogênea em cada grupo.

    Ao iniciarmos a análise inicial dos dados pretendíamos organizar as idéias dos professores de uma forma criativa e que nos possibilitasse perceber a possível existência de padrões de pensamento. Em função da quantidade de dados obtidos (uma vez que o tempo médio das entrevistas foi de uma hora), realizamos essa análise inicial com a ajuda do programa para análise de dados qualitativos Q.S.R. NUD*IST Vivo®. Além da economia de tempo, a principal vantagem na utilização de tal programa foi que ele permitia que o sistema de categorias e sub-categorias elaborado por nós fosse refinado continuamente. Tão logo alguma categoria ou sub-categoria era modificada, todas as transcrições previamente analisadas eram re-analisadas, o que implicou em cada entrevista ser analisada muitas vezes. Ao final desse processo, todo o sistema de categorias foi revisto e foi proposta uma nova organização que favoreceu a discussão de aspectos interessantes das idéias dos professores. Neste estágio as idéias de 'Aspectos' e 'Categorias de significado' (a serem apresentadas a seguir) foram estabelecidas. Finalmente, nós solicitamos que o programa gerasse documentos contendo todas as idéias de cada professor em relação a cada uma das sub-categorias definidas. Desses documentos foram extraídas as citações usadas como exemplos neste artigo.

Resultados

    A análise dos dados evidenciou a existência de sete 'Aspectos' em termos dos quais as visões de modelo demonstradas pelos professores podem ser representadas. São eles: a natureza de um modelo, o uso que é feito dele, as entidades às quais ele se refere, seu caráter único, o tempo em que ele vem sendo usado, seu status na elaboração de previsões e a base para o reconhecimento de sua existência e uso. Para cada um destes 'Aspectos' foram identificadas categorias de significado. Várias 'Categorias de Significado' foram identificadas para cada Aspecto. Cada um dos 'Aspectos' e suas respectivas 'Categorias de Significado' serão apresentadas a seguir, sempre ilustradas por um exemplo característico[1].
 

1. Natureza

     
    Este Aspecto relaciona-se com o tipo de coisa que se supõem que um modelo seja. Quatro Categorias de Significado foram identificadas. Um modelo é:
    1.1 uma reprodução de alguma coisa:
      "Um modelo é uma cópia de alguma coisa." (PF3)
    1.2 uma representação completa de alguma coisa:
      "Um modelo representa exatamente o que acontece em um dado fenômeno." (PF9)
    1.3 uma representação parcial de alguma coisa:
      "Um modelo pode não representar todos os detalhes da realidade." (EL3)
    1.4 uma imagem mental:
    "O mapa é uma suposição de como a cidade seria se fosse vista do alto." (PM7)


2. Uso

     
    Este Aspecto relaciona-se com os propósitos para os quais um modelo serve. Quatro categorias de significado foram identificadas. Um modelo pode ser usado como:
    2.1 um padrão ou referência a ser seguida:
      "Um modelo pode ser usado como um padrão, como algo a ser copiado." (PM10)
    2.2 algo que permita que a pessoa "veja" um determinado fenômeno:
      "Eu teria um modelo se tentasse mostrar esta afirmativa (sobre a natureza de uma reação química) de uma forma mais compreensível ou visual. Seria algo que eu poderia ver, algo que diminuiria a abstração da idéia." (PU8)
    2.3 algo que dê suporte à criatividade, à imaginação de novos contextos e idéias:
      "Modelos são usados para criar teorias, para produzir conceitos, para organizar conhecimento, para construir situações a partir das quais seja possível gerar novos conhecimentos." (PM7)
    2.4 uma forma de entender ou explicar algo:
    "Um modelo é usado para explicar o comportamento da matéria, para explicar como a realidade é." (PM1)
3. Entidades
     
    Este Aspecto se relaciona com as entidades às quais um modelo se refere. Quatro categorias de significado foram identificadas:
    3.1 Objetos, isto é, coisas que existem no mundo, sejam elas visíveis ou não:
      "É possível elaborar modelos para coisas que são concretas, mas às quais nós não temos acesso como, por exemplo, o átomo." (PM6)
    3.2 Eventos, isto é, segmentos limitados no tempo de comportamento de alguma coisa:
      "Um modelo representa o que acontece em um determinado sistema." (EL8)
    3.3 Processos, isto é, eventos dentro de um sistema que apresentam um resultado particular:
      "Um modelo pode ser uma idéia sobre um dado processo microscópico." (EL6)
    3.4 Idéias, isto é, entidades abstratas:
    "Um modelo seria uma representação de uma idéia, uma representação de algo que você imagina." (PU1)
4. Caráter único
    Este Aspecto relaciona-se com a idéia de um dado modelo ser ou não o único possível para uma entidade particular. Três Categorias de Significado foram identificadas.
    4.1 Somente um modelo é possível, o modelo 'correto':
      "Eu acho que existe um modelo único para cada coisa, um modelo pronto e certo." (PF5)
    4.2 Um dado modelo é somente um dentre vários possíveis:
      "A existência de vários modelos para uma mesma coisa é um aspecto positivo, pois os vários modelos podem fornecer explicações em diferentes níveis." (PU5)
    4.3 Um dado modelo é somente um dentre vários em uma seqüência histórica:
    "Podem existir vários modelos para uma mesma coisa. Cada modelo evolui para um outro." (PF6)
5. Tempo
    Este Aspecto relaciona-se com a estabilidade de um dado modelo no tempo, com quais circunstâncias fazem com que ele seja modificado. Quatro categorias de significado foram identificadas:
    5.1 Um modelo não pode ser modificado:
      "Eu acho que existe um modelo único para cada coisa, um modelo pronto e certo." (PF5)
    5.2 Um modelo pode ser modificado quando problemas em sua natureza são identificados:
      "Quando você precisa de uma informação mais detalhada, você melhora o seu modelo." (PU6)
    5.3 Um modelo pode ser modificado quando problemas em sua utilização são identificados:
      "Se um modelo não passar em um determinado teste, ele terá que ser modificado ou abandonado." (PM8)
    5.4 Um modelo pode ser modificado quando problemas em sua capacidade explicativa são identificados:
    "Um cientista tem que abandonar seu modelo quando aparece uma nova situação que o modelo não é capaz de explicar." (PM2)
6. Previsões
    Este Aspecto relaciona-se com se um modelo é usado para fazer previsões sobre comportamentos ou propriedades. Três Categorias de Significado foram identificadas. Um modelo:
    6.1 não pode ser usado para fazer previsões:
      "Eu não acho que um modelo possa ser usado para fazer previsões. Ao elaborar um modelo você está tentando explicar algo e não fazer previsões." (EL1)
    6.2 pode ou não ser usado para fazer previsões:
      "Algumas pessoas usam modelos para fazer a previsão do tempo, mas eu não sei se todos os modelos podem ser usados para fazer previsões." (PU5)
    6.3 pode ser usado para fazer previsões:
    "Um modelo pode ser usado para fazer previsões. Por exemplo, a partir de um modelo de dissolução, você pode prever se uma coisa vai se dissolver ou não." (PF6)
7. Reconhecimento
    Este Aspecto relaciona-se com a natureza da autoridade social que valida a existência de um modelo. Três Categorias de Significado foram identificadas. Um modelo pode existir quando é reconhecido como tal por:
    7.1 o indivíduo que o elabora:
      "Uma pessoa elabora um modelo e chega às suas próprias conclusões sobre algo." (PM4)
    7.2 um grupo na sociedade:
            "Um modelo representa visões que são aceitas por uma dada comunidade." (PU5)
7.3. a comunidade dos cientistas: "Isto é o modelo de uma eclipse. Os cientistas provaram que uma eclipse ocorre desse jeito." (PF3) Discussão dos Resultados

Aspectos de Modelo e nível de ensino no qual os professores trabalham

    A partir da análise dos dados não foi possível estabelecer qualquer relação entre as idéias dos professores sobre a natureza de um modelo e o nível de ensino no qual eles trabalham. Entretanto, quando cada Aspecto foi analisado separadamente, alguns padrões emergiram dos dados.

    Quase todos os professores entrevistados (95% deles) expressaram mais de uma idéia em relação à natureza de um modelo. Em muitos casos, foi possível perceber a existência de uma relação direta entre o modo de representação utilizado e a natureza declarada pelos professores para os modelos. Por exemplo, modelos concretos tenderam a ser reconhecidos como 'reproduções', enquanto desenhos foram identificados como 'representações parciais de algo'. Todos os professores expressaram a idéia de que 'um modelo é uma representação' total ou parcial. Por outro lado, a idéia de que 'um modelo é uma reprodução de algo' foi encontrada predominantemente entre professores do ensino fundamental (8/10).

    A grande maioria dos professores reconheceu a importância do uso de modelos em áreas como visualização (87%), criatividade (87%) ou explicação (92%), enquanto um número considerável deles (48%) afirmou que 'um modelo é um padrão a ser seguido'. Para 58% dos professores desse último grupo, um modelo era também 'uma reprodução de alguma coisa'. A combinação dessas duas categorias indica uma visão bastante simples sobre modelos. Entretanto, não podemos assumir que todos esses professores sustentem tal visão, uma vez que alguns deles relacionaram o uso de um modelo como 'padrão a ser seguido' ao significado cotidiano da palavra 'modelo' (indicando a representação de uma entidade 'ideal').

    Em relação a entidades, uma visão coerente com a científica incluiria todas as quatro 'Categorias de significado' identificadas. Tal visão só foi claramente expressa por 8% dos professores. Por outro lado, 59% dos professores relacionaram apenas 'objetos' como entidades passíveis de serem modeladas.

    No 'Aspecto' caráter único, 20% dos professores disseram que 'só existe um modelo para uma determinada entidade'. Desses, metade originavam-se do sub-grupo PF. Embora a grande maioria dos professores (82%) tenha reconhecido que 'um dado modelo é somente um dentre vários possíveis', somente 13% afirmaram que 'um dado modelo é somente um dentre vários em uma seqüência histórica'. Atribuímos tal resultado à ausência de discussão de aspectos históricos no Ensino de Ciências em todos os níveis.

    Em relação à estabilidade de um dado modelo no tempo, as 'Categorias de significado' envolvendo modificações em um modelo em função de problemas em sua natureza, uso e poder explicativo foram reconhecidas como interconectadas por muitos professores. Entretanto, 21% dos professores afirmaram que 'um modelo não pode ser modificado'. Deste grupo, faziam parte 70% dos PF. Coerentemente, seis desses sete PF haviam expressado a idéia de que 'um modelo é uma reprodução de alguma coisa' e cinco haviam expressado a idéia de que 'um modelo é usado como padrão a ser seguido'.

    O uso de modelos como base para elaboração de previsões foi reconhecido por 82% dos professores, distribuídos em todos os sub-grupos.

    A questão do reconhecimento de um modelo só foi citada por 34% dos professores. Desses, 54% afirmaram que 'um modelo pode existir quando é reconhecido como tal pela pessoa que o elabora', visão que predominou entre PF (4/10). Esta é uma idéia coerente com a visão de que 'um modelo é uma reprodução de alguma coisa e é usado como padrão a ser seguido', sustentada por esses quatro professores.

Aspectos de Modelo e formação educacional dos professores

    A análise geral das idéias expressas pelos professores apontou para alguns relacionamentos entre grupos de tais idéias e a formação educacional dos professores.

    As visões mais simples sobre a natureza de um modelo – geralmente bastante próximas do significado cotidiano de 'modelo' – foram expressas por PF que cursaram apenas o Magistério. Tais visões foram caracterizadas pelo reconhecimento de que: um modelo é uma reprodução de alguma coisa, um modelo é um padrão a ser seguido, as entidades representadas em um modelo não incluem idéias, só existe um modelo para uma dada coisa, um modelo não pode ser modificado.

    Professores com formação em Biologia evidenciaram visões bastante similares àquelas dos professores que cursaram apenas o Magistério. Todos afirmaram que 'um modelo é uma representação completa de alguma coisa', enquanto 70% deles disseram também que 'um modelo é uma reprodução de alguma coisa'. A maioria dos professores desse grupo reconheceu todos os usos para um modelo. Contudo, metade dos professores que afirmou que 'um modelo é um padrão a ser seguido' e que 'só existe um modelo para uma determinada coisa' pertencia a esse grupo. Coerentemente, professores com formação em Biologia constituíram 75% dos que disseram que 'um modelo não pode ser modificado'. Finalmente, apesar de 70% dos professores desse grupo acreditarem na possibilidade de elaboração de previsões a partir de modelos, apenas 30% deles incluíram 'idéias' nas entidades passíveis de serem representadas por um modelo.

    Visões mais amplas de modelo, geralmente próximas da visão aceita cientificamente, foram expressas por professores com formação em Física e Química. Por exemplo, 75% dos professores de Física e 86% dos de Química incluíram 'imagem mental' em suas idéias sobre a natureza de modelos. Além disso, professores com formação em Química foram 57% dos que reconheceram que 'idéias' podem ser representadas através de um modelo, 60% dos que consideraram que 'um dado modelo é somente um dentre vários em uma seqüência histórica' e metade dos que disseram que 'um dado modelo é somente um dentre vários possíveis'. Além disso, nenhum dos professores com formação em Física ou Química afirmou que 'um modelo não pode ser modificado'. Finalmente, todos os professores de Física e 86% dos de Química admitiram a possibilidade de utilizar modelos na elaboração de previsões.

    Uma suposição possível para explicar as diferenças observadas entre as visões expressas pelos grupos de professores em função de sua formação educacional seria a influência dos exemplos e não-exemplos escolhidos para constituírem a entrevista. Entretanto, não acreditamos na veracidade de tal suposição em função do reconhecimento de que todos os exemplos e não-exemplos eram simples (mesmo quando envolviam alguns conceitos químicos) e, portanto, deveriam ser entendidos por todos os professores de Ciências, independente de sua formação original. Parece-nos mais provável que tais diferenças originaram-se na maneira como modelos e modelagem foram enfatizados e usados no ensino nos cursos de Magistério, Biologia, Física e Química realizados pelos professores.

Noção de 'níveis' na compreensão da idéia de Modelo

    Os perfis de compreensão apresentados pelos professores em relação a cada um dos 'Aspectos' foram bastante diversificados e complexos. Em função disto, nossos dados não corroboram a noção de 'nível' de compreensão sobre modelos para professores. Isto porque, ao tentarmos identificar 'perfis de compreensão' para cada professor, não foi possível definir padrões que correspondessem aos níveis propostos por Grosslight et al. (1991). O único padrão observado nos dados obtidos nesta pesquisa envolveu alguns dos PF e dos que tinham os cursos de Magistério e Biologia como formação básica. Tais professores expressaram uma visão simples e coerente de que 'modelos são reproduções de objetos e são usados como padrões a serem seguidos' – visão esta que se assemelha bastante àquela do nível 1 proposto por Grosslight et al. (1991). Todavia, mesmo esses professores não necessariamente apresentaram visões simples em relação a outros Aspectos. Além disso, não foi possível estabelecer qualquer correspondência entre os níveis 2 e 3 propostos por Grosslight et al. (1991) e conjuntos distintos de 'Categorias de significado' dos vários 'Aspectos' expressas por qualquer um dos professores participantes deste estudo.

Implicações na Formação de Professores

    Para que a visão sobre modelos expressa por professores de Ciências seja abrangente é necessário que ela seja constituída por elementos de todos os 'Aspectos' definidos nesta pesquisa. Além disso, é importante que esses professores tenham consciência da existência de todas as possíveis 'Categorias de significado' para todos os 'Aspectos' a fim de que sejam capazes de entender seus alunos quando eles evidenciarem acreditar em alguma 'Categoria' não aceita cientificamente.

    Até o momento não existem estudos publicados que discutam como uma visão ampla e cientificamente aceita sobre modelos poderia ser atingida. Todavia, parece-nos claro que isso possa ser facilitado no processo de formação de professores. Ao discutirem a compreensão de professores sobre a natureza da ciência, Abd-El-Khalick e Lederman (2000) concluíram que uma combinação de abordagens explícita e implícita, isto é, de instrução direta e participação em pesquisa científica, é bastante efetiva no sentido de favorecer oportunidades para reflexão e vivência de aspectos relevantes da natureza da ciência. Em função das similaridades entre os assuntos ('modelos' e 'natureza da ciência'), acreditamos que uma combinação análoga de abordagens poderia ser efetiva no caso de 'modelos'. Assim, a inclusão de – ou o aumento da ênfase em – o uso de modelos e modelagem nos cursos de formação de todos os professores de Ciências deve contribuir para uma melhora em suas visões sobre a natureza de 'modelos'. Considerando que uma melhora em suas visões seja refletida na forma como eles planejam e conduzem suas aulas – o que implicaria na ocorrência de mudanças de comportamento significativas em alguns casos – podemos visualizar uma conseqüente modificação na forma como alunos de todos os níveis de escolaridade aprendem aspectos deste importante elemento da metodologia científica.

Agradecimento

    Os autores agradecem à Pró-Reitoria de Pesquisas da Universidade Federal de Minas Gerais pelo financiamento parcial desta pesquisa.

Referências
 

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Del Re, G. (2000). Models and analogies in science. HYLE - An International Journal of the Philosophy of Chemistry, 6, 3-12.

Driver, R., Leach, J., Millar, R., & Scott, P. (1996). Young people's images of science. Buckingham: Open University Press.

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Hodson, D. (1992). In search of a meaningful relationship: an exploration of some issues relating to integration in science and science education. International Journal of Science Education, 14, 541-562.

Ingham, A. M., & Gilbert, J. K. (1991). The use of analogue models by students of chemistry at higher education level. International Journal of Science Education, 22, 1011-1026.

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Leatherdale, W. H. (1974). The Role of Analogy, Model and Metaphor in Science. Amsterdam: North-Holland.

Tomasi, J. (1988). Models and modelling in theoretical chemistry. Journal of Molecular Structure, 179, 273-292.

van Driel, J., & Verloop, N. (1999). Teachers' knowledge of models and modelling in science. International Journal of Science Education, 21, 1141-1153.

Apêndice

1. O que vem na sua cabeça quando você ouve a palavra 'modelo'?
Em que contextos esta palavra faz sentido para você?


2. Para que servem modelos? Quando eles são usados?

3. (Apresentação de alguns exemplos e não-exemplos de modelos. Todos os que não envolviam entidades concretas foram apresentados escritos em um cartão.)
Você chamaria isto de modelo? Por quê? Por que não?

    3.1 Carrinho de brinquedo.
    3.2 Desenho de um carro.
    3.3 Mapa das ruas de Belo Horizonte.
    3.4 Equação matemática: "y = ax + b"
    3.5 Analogia: "Carros modernos voam em estradas."
    3.6 (Descrição da seguinte situação e depois apresentação do gráfico) Um carro está andando numa rua numa determinada velocidade. De repente, o motorista vê um sinal vermelho e pisa no freio, fazendo o carro parar. Quando o sinal muda para verde, o motorista acelera outra vez.
       


    3.7 Símbolo para 'Proibido fumar'.
    3.8 "O sol está no centro e os planetas se movem à sua volta descrevendo órbitas elípticas."
    3.9 Simulação de um eclipse com lanternas e bolas de isopor.
    3.10. Dissolução de KMnO4 em água. (Realização do experimento.)
    3.11. Desenho da dissolução do KMnO4 em água.
    3.12. Desenho de modelos moleculares representando a dissolução KMnO4 em água.
    3.13. (Apresentação do sistema descrito a seguir, sem qualquer explicação sobre o significado dos objetos.)
    Recipiente contendo bolas pequenas em movimento (devido à ação de um bastão). A seguir, algumas bolas de cor diferente são introduzidas no sistema.
    3.14. Fórmula escrita: "H2O".
    3.15. Modelo com bolinhas de isopor e palitos para a água.
    3.16. "Uma reação química é um processo no qual os átomos constituintes das substâncias reagentes se reorganizam."
4. Usando os cartões e os objetos que você classificou como modelos, você poderia separá-los em grupos?
Quais são as semelhanças e diferenças entre os grupos?

[1] A apresentação de um único exemplo deve-se à limitação do número de páginas deste artigo.