PESQUISAR EM AULA: espaço de transformação na formação do professor de Ciências
 
 

Maria do Carmo Galiazzi[1]
Roque Moraes[2]
 

Resumo

    Neste trabalho apresentamos os argumentos construídos sobre o educar pela pesquisa como princípio didático em cursos de Licenciatura em Ciências. Foram entrevistados 15 professores que assumem o educar pela pesquisa como princípio didático, de quatro cursos de Licenciatura em Ciências do Rio Grande do Sul. Estes dados foram triangulados com informações de 45 alunos destes professores. Os resultados aqui apresentados são parte da tese de doutoramento (Galiazzi,2000). Neste artigo defendemos o argumento de que o educar pela pesquisa, ao ser desenvolvido em sala de aula como princípio didático, contribui para a formação inicial de professores por transformar a sala de aula em espaço de construção de teorias sobre o currículo mais fundamentadas em professores e alunos, de construção de conhecimento profissional competente, de possibilidade de impulsionar movimentos de transformação curricular nos cursos de formação de professores.

Abstract

    This paper presents the arguments built by the research on educating through research in courses of Sciences teacher education. It were interviewed 15 teachers that assume educating through research as a didactic principle in four courses of Sciences teacher education in Rio Grande do Sul and reports of 45 students of these teachers were obtained. We defend the argument that educating through research contributes to the teachers' initial formation, transforming the classroom in space of emergency of a group of limits and challenges, with possibility of construction of the teachers’ and students' more grounded theory about curriculum, of construction of competent professional knowledge, of the possibility to raise movements of transformations in the formation courses.
 
 

Introdução

    A formação do professor de Ciências tem, desde sua origem, apresentado dilemas que permanecem sem solução. A dicotomia entre a teoria e a prática, a distância entre as disciplinas de conteúdo específico e disciplinas pedagógicas, a falta de um grupo de professores que assuma a formação do professor de Ciências, a falta de interesse dos alunos pela profissão têm sido algumas das problemáticas sempre presentes.

    O trabalho que ora apresentamos se inclui no conjunto de pesquisas sobre a formação de professores de Ciências que temos realizado nos últimos anos (Moraes, 1991, 1997; Moraes e Ramos, 1998; Ramos, 1999; Moraes, Ramos e Galiazzi, 1999; Moraes e Galiazzi, 2000). Nestas pesquisas temos enfatizado a pesquisa como modo de construção da competência do professor e de transformação dos cursos de formação.

    Neste trabalho, inicialmente descrevemos como esta pesquisa foi realizada, a questão de pesquisa, a metodologia de análise utilizada. A seguir apresentamos os resultados da categoria de análise que permite-nos sustentar o argumento de que a pesquisa em sala de aula como princípio didático possibilita uma melhor formação do futuro professor e pode contribuir para a transformação dos cursos de Licenciatura em Ciências.
 

Como a pesquisa foi realizada

    Neste artigo analisamos uma das três questões de pesquisa da referida tese (Galiazzi, 2000):

Como o educar pela pesquisa, ao ser princípio didático dos formadores, pode contribuir para transformações e avanços na formação de professores de Ciências?     Com relação à pesquisa, três aspectos precisam ser salientados: 1. a construção do objeto de pesquisa em um processo iterativo, constituído e delineado durante a pesquisa; 2. a assunção do diálogo, da escrita e da leitura como recursos culturais estruturadores do pensamento; 3. a importância da pesquisa para o desenvolvimento da competência profissional.

    Quanto aos aspectos metodológicos, esta pesquisa se constituiu pela integração de um conjunto de ciclos sustentados nos mesmos princípios do educar pela pesquisa. Cada ciclo se desenvolveu por um conjunto de ações de questionamento sobre o problema, os dados e os teóricos; construção de argumentos através do diálogo intenso com interlocutores teóricos e práticos; e validação destes procedimentos metodológicos. Todos estes ciclos foram mediados pelo exercício da escrita, da leitura e pelo diálogo crítico realizado com diferentes interlocutores: a doutoranda, como primeira leitora, o orientador e o co-orientador, como segundos leitores, e a banca da proposta de tese, que validou a pesquisa no estágio em que foi apresentada.

    Foram entrevistados 15 professores de cursos de Licenciatura de quatro cursos de formação de professores de Ciências de três universidades do Rio Grande do Sul. A metodologia de análise dos dados foi a análise de conteúdo como proposta em Moraes (1994) e Ramos (1999). Os dados das entrevistas foram triangulados com informações obtidas por entrevistas, relatos escritos, avaliações de 45 alunos destes professores.

    Sob a perspectiva teórica de Demo (1991; 1995a; 1995b; 1996; 1997; 1998), sustentamos a idéia da pesquisa em sala de aula como princípio educativo em qualquer contexto escolar. O expediente de transformação está na qualidade construtiva do professor que, em sala de aula, busca modos de desenvolver a capacidade de argumentação através do diálogo, da leitura e da escrita por mão própria, superando a cópia da aula, construindo proposta de trabalho fundamentada.

    O marco teórico também se fez pelo diálogo com Porlán e Rivero (1998), Garcia (1997) Garcia e Porlán (2000), Canãl (1997, 1999) em que ressaltamos os seguintes princípios: a perspectiva complexa de construção da realidade, a aposta da transformação do objeto de estudo, a pesquisa como espaço de construção de conhecimento profissional e como princípio didático do professor. O terceiro eixo teórico tem como pressupostos a estruturação do pensamento pelos recursos culturais da escrita, da leitura e do diálogo, tendo como autores de referência Wertsch (1998) e Wells (1999).

    Apresentamos a seguir a análise que fundamentou os argumentos em favor da pesquisa em sala de aula como princípio didático do professor como modo de melhorar a formação do futuro professor e de transformar os cursos de Licenciatura em Ciências.
 

1. Sala de aula de José: pesquisa sobre as concepções dos alunos

    Estamos em uma sala de aula de Laboratório de Ensino de Física do primeiro semestre do curso de Licenciatura.

    O professor pesquisa as concepções didáticas dos alunos. Este tipo de disciplina vem ao encontro de uma necessidade dos cursos de Licenciatura que é partir de processos de reflexão sobre as crenças, concepções pessoais, trajetória educativa, prática pedagógica, processo de aprendizagem e de formação (Tancredi, 1998).

    Assim José descreve sua sala de aula:

... eles fazem inicialmente uma reflexão sobre a própria experiência como aluno, identificando modelos de ensino e já apontando um modelo desejável. Depois disso inicia-se um processo de questionamento sobre alguns obstáculos profissionais (epistemológicos: veracidade do conhecimento científico; psicológicos: aprendizagem simplista, receptiva; etc.).Tudo isso se faz com coleta de dados, observação de aulas, entrevistas com professores, análises de textos sobre pesquisa didática, discussões em grupo, reflexões individuais, registro com rigor da evolução das próprias idéias, etc. Assim, talvez haja um sentido em que meus alunos fazem pesquisa, embora esta não se enquadre numa perspectiva tradicional de como o ensino pode ser investigativo.     Em aula são discutidos os modelos didáticos dos alunos com o objetivo de que estes evoluam para modelos mais complexos (Porlán e Rivero, 1998). Isto inclui a superação da visão empirista sobre a Ciência "que influi em toda a ação docente, pois a crença de que há um conhecimento superior, verdadeiro, acabado a ser ensinado, é o que modela o ensino tradicional". O outro limitante é a concepção simplista de aprendizagem que desconsidera o conhecimento do aluno: Aqui o obstáculo é o reconhecimento de que o sujeito constrói conhecimento já que este não está nem na realidade (empirismo) nem na mente (racionalismo). O que está sob pesquisa na disciplina é a forma como as atividades são estruturadas, conduzidas e redefinidas para alcançar tal fim; em outras palavras, investiga-se uma hipótese curricular.     José salienta seu papel de pesquisador: está pesquisando como as atividades propostas e desenvolvidas contribuem para a evolução dos modelos didáticos iniciais dos alunos. Ele define sua sala de aula como um processo em que, a partir de problemas relevantes da prática profissional docente, são detectadas as concepções iniciais dos alunos, e a partir da contrastação das diferentes idéias dos alunos procura alcançar um modelo didático mais complexo.

    Este professor enfatiza a importância do registro das concepções dos alunos e são registradas informações no diário de classe coletivo, diário de classe do professor, descrições do trabalho desenvolvido em cada aula.

    Em resumo, esta proposta pedagógica tem como objeto de estudo as concepções didáticas dos alunos com o objetivo de fazê-los assumir um modelo didático mais evoluído do que o inicial. Na formação inicial de professores, as situações analisadas em sala de aula são originadas focalizando problemas práticos profissionais como a concepção de ciência, de aprendizagem, de ensino, conseguindo a partir destes problemas e do registro rigoroso da sala de aula, configurar o modelo didático pessoal de cada aluno

    As atividades neste tipo de aula são muito diversificadas: coleta de dados, observação de aulas, entrevistas com professores, análises de textos sobre pesquisa didática, discussões em grupo, reflexões individuais. O objetivo é detectar possíveis sinais de evolução das próprias idéias.

    Neste tipo de aula, o professor registra, de forma intensa e sistematizada, todas as aulas. Os alunos também registram suas opiniões em um diário coletivo de aula, além de um caderno em que um aluno, a cada aula, descreve a seqüência de acontecimentos.

    Com a análise desta sala de aula, fortalecemos a idéia de que o educar pela pesquisa, visto aqui em uma de suas possibilidades, que é o professor pesquisando as concepções didáticas dos alunos, pode contribuir efetivamente na transformação da formação inicial dos professores, porque pode fazer da sala de aula um lugar de aproximação do ensino e da pesquisa, desde que o aluno se construa e se constitua pesquisador neste processo.

    Outra idéia que surge da descrição desta sala de aula é a possibilidade de dissolução da dicotomia entre os conteúdos trabalhados na academia e a situação prática profissional, porque as situações de estudo partem de problemáticas das práticas profissionais dos professores, oriundas de observações da realidade escolar ou entrevistas com professores, tendo como suporte teórico os resultados das pesquisas atuais sobre a Didática das Ciências.

    Um outro aspecto desta sala de aula é o estudo das concepções dos alunos com o objetivo de favorecer a evolução dos modelos didáticos pessoais para modelos mais complexos, favorecendo desta forma o desenvolvimento profissional do futuro professor.
 

2. Sala de aula de Isabel: princípios de pesquisa nas aulas de Química

    Estamos em sala de aula de Química Orgânica de um curso de Licenciatura em Química.

    O objetivo nestas disciplinas é desenvolver com os alunos alguns princípios da pesquisa, entre eles, o exercício do escrever, da leitura, da argumentação, cada um cada vez com mais competência e possibilitar ao aluno enculturar-se na linguagem da ciência..

    O trabalho em sala de aula sempre parte de um questionamento. Este questionamento objetiva provocar o diálogo a fim de explorar o pensamento dos alunos, o conhecimento que eles trazem sobre um tema. A partir do levantamento das diferentes idéias dos alunos sobre o tema, inicia a construção de argumentos com a negociação em grupo sobre quais das idéias apresentadas têm mais força argumentativa, isto é, qual delas suporta melhor a crítica dos colegas. A validade desta argumentação pode ser ampliada pelos teóricos e, com relação a isto, o professor desempenha papel fundamental porque, via de regra, conhece bem mais que os alunos o assunto que está sendo estudado. Mesta construção de argumentos no grupo outros interlocutores são trazidos. O professor não é o dono da verdade. Apesar do professor ter um conhecimento sobre o conteúdo disciplinar mais complexo que o do aluno, ele sempre aprende enquanto ensina. Se o conhecimento disciplinar é de seu domínio, a sala de aula é sempre um espaço constante de aprendizagem de conhecimento profissional.

    Entendemos que um dos pontos fundamentais nas disciplinas das Ciências Naturais é a aprendizagem de um discurso específico, no caso em descrição, da Química. O professor precisa, então, estar atento à questão da linguagem usada em sala de aula. Isso requer que o aluno dialogue e, mais que isto, que o professor escute o aluno. A participação do aluno nesta aula é fundamental. Sem ela não há trabalho possível. A participação do aluno, acompanhada sempre de perto pelo professor, é uma das ferramentas intersubjetivas fortes que pela comunicação, pela ação coletiva, torna-se constitutiva deste sujeito, mas isto exige uma mudança no papel do aluno como relata Isabel:

Este aspecto é um dos limitantes de todo este trabalho, onde se encontra um sujeito que não se expõe... Eu penso que uma das questões fundamentais desse trabalho é exatamente o sujeito aprender que vai expor suas concepções e que elas são importantes, apesar de poder estar pensando de forma equivocada em relação ao que a ciência estabelece como verdadeiro. Foi o caso deste aluno, sem dúvida, Ele nunca se expunha porque sempre que isto acontecia tinha algum problema conceitual e a turma... Trabalhar com gente é difícil porque a turma reage negativamente na hora que o aluno se expõe e o que diz está errado. Neste caso a turma sempre fazia algum comentário depreciativo...     O relato acima aponta para um dilema a ser superado em sala de aula, que é o respeito pelo pensamento do outro, mesmo que este posicionamento seja diferente do que a maioria aceita. Outra possibilidade para o professor "ouvir" o que o aluno pensa está na escrita e o registro do conhecimento inicial dos alunos de forma individual minimiza a manifestações discriminadora que pode acontecer. De outra parte, é preciso que o professor construa com seus alunos, e isto é uma aprendizagem ao longo do tempo, a idéia da importância da manifestação do que cada um sabe e da importância de que isto aconteça. A importância que o escrever tem para uma aprendizagem efetiva vem sendo salientada por diferentes autores. No ensino das disciplinas das Ciências Naturais este entendimento permanece como desafio porque são poucos os professores a estimular a escrita em sala de aula (Kovac, 1999).

    A construção de argumentos em sala de aula acontece a partir da explicitação das próprias idéias, pelo estabelecimento do diálogo crítico, pela leitura de teóricos, pela busca de dados empíricos. Os livros de conteúdo disciplinar sempre são levados para a sala de aula para respaldaremos argumentos construídos.Com o desenvolvimento da proposta, o papel diretivo do professor vai se diluindo, os alunos passam a questionar mais, a perceber suas dificuldades e dão sinais de aprender a aprender.

    Quanto ao conteúdo, o entendimento de que a aprendizagem acontece por ciclos impulsiona o currículo, mesmo que a aprendizagem dos alunos tenha sido diferenciada. Este movimento parece estar vinculado ao conhecimento profissional do professor e à importância conferida à rigidez estabelecida dos conteúdos curriculares. Esta seqüência de conteúdos é flexível, mas o compromisso com os conceitos básicos é mantido. Ao final desta disciplina, os alunos estudaram os conteúdos propostos na ementa, variando a complexidade com que estes assuntos foram desenvolvidos, em função do conhecimento inicial, que, ao ser considerado, supera a linearidade da ementa e se configura numa rede de relações mais amplas. Muitas vezes, lacunas em conceitos fundamentais direcionam o trabalho para um ponto não previsto na ementa. Um assunto, por exemplo, substituição nucleofílica, mecanismo específico das reações orgânicas, foi desenvolvido abordando outras questões, em função do que o professor "ouviu", como descreve Isabel a seguir:

Um dos trabalhos, que foi desenvolvido em função da questão da linguagem, surgiu quando em aula prática um aluno falou que o ácido sulfúrico queimava o papel. Eu entendo que ácido oxida o papel. A partir daí, propus uma discussão sobre combustão, até porque, quando solicitei que eles observassem uma aparelhagem montada produzindo eteno e me dissessem onde estava ocorrendo reação, todos apontaram para o balão, sem considerar a presença da chama, uma evidência da reação de combustão. Para este estudo da combustão, os alunos responderam um questionário com dez questões conceituais que adaptei de uma pesquisa. Todos nós respondemos e cada um de nós fez uma síntese de uma questão, e eles começaram a ver que nem todos pensam igual. Em aula foi feita uma análise dos resultados, mostrando as diferentes concepções, tendo por referência um texto teórico.     A ementa prevê determinado aspecto do conhecimento químico, mas o ensino ocorre sempre com os alunos e em razão deles é que este conteúdo se contextualiza. A sala de aula de Isabel considera o conhecimento inicial do grupo e avança com a construção de argumentos validados na contrastação das idéias e no apoio teórico e empírico ( experimentação) sobre o tema em questão.

    Em uma aula com este enfoque de aprendizagem, a avaliação precisa ser revista. Nesta experiência, o modo e os critérios de avaliação são decididos e negociados com os alunos. E isto é uma negociação de diferentes concepções, desde as mais ligadas à aprovação simples  até as mais compromissadas com a aprendizagem. Para Isabel, este procedimento tem mostrado ser uma ferramenta para desenvolver a argumentação, porque, como os alunos aprenderam a importância do "passar" ao longo de sua vida estudantil mais do que a importância do aprender, é um tema que os motiva muito a discutir:

Eu faço uma avaliação que enfatiza a avaliação do aluno. Eu avalio o aluno, ele se avalia, eu me avalio e ele me avalia. Isso não acontece em todo obimestre, mas são momentos em que perpassam a disciplina. Eu solicito que ele avalie o processo, que ele sugira. Solicito trabalhos, recolho o caderno, tem prova individual, prova coletiva, e a negociação do que vai valer cada coisa para a composição final, que é decidida em conjunto.     Se este relato mostra uma concepção de avaliação mais aberta, se poderia pensar que este entendimento ainda deixa sinais de modelos tradicionais de avaliação, pois sugere, pelo lugar em que a negociação aparece no texto (no final), que ainda quem detém o poder é o professor. Se é uma negociação, precisa aparecer no início também na escrita. Isto também se poderia pensar pelo início do relato: "Eu faço..." Ou seja, quem concede esta avaliação participativa, mesmo que seja um sinal de avanço, parece ser ainda a professora.

    Em resumo, a metodologia utilizada nesta aula tem como princípios articuladores o exercício do escrever, a leitura e a argumentação. As atividades são desenvolvidasa partir de um questionamento inicial, que tem por objetivo iniciar o diálogo crítico em sala de aula a partir da explicitação das idéias de todo o grupo. Estas idéias possibilitam o desenvolvimento de um processo de argumentação, com construção de argumentos validados pelo grupo e em comunidades argumentativas mais amplas, que pode acontecer pela leitura de teóricos e da realidade.Há também a preocupação com o enculturamento do aluno na linguagem específica da ciência.

    O papel do professor vai se diluindo na ação de cada aluno que começa a ser mais autônomo no questionar e no aprender a buscar respostas. Está presente a negociação do conhecimento formal trabalhado, suportada pela compreensão da aprendizagem como um processo de construção de entendimentos cada vez mais complexos da situação estudada.

    A avaliação é negociada com os alunos, procurando abarcar o processo desenvolvido, a enriquecimento do conhecimento disciplinar e pedagógico do aluno, o comprometimento do aluno com a aprendizagem.

    A descrição desta experiência mostrou a possibilidade de o educar pela pesquisa contribuir como espaço de aproximação entre ensino e pesquisa, aqui descrita como princípio didático, em que o aluno atua seguindo princípios da pesquisa como são a construção de argumentos iniciais, a busca de interlocutores teóricos e empíricos para a validação dos argumentos iniciais, a elaboração de sínteses dos resultados, a comunicação destes resultados para comunidades de comunicação mais amplas com o objetivo de validar o conhecimento construído, princípios estes mediados sempre pela escrita, leitura e diálogo crítico.

    A aproximação entre ensino e pesquisa também pode acontecer por fazer da sala de aula espaço de utilização de resultados atuais da pesquisa em Educação das Ciências inseridos nas atividades de sala de aula. O argumento da possibilidade de transformação e avanço na formação inicial de professores de Ciências é fortalecido também pela aproximação entre conteúdos pedagógicos e específicos discutidos em aula.
 

3. Sala de aula de Luzia: projetos individuais de pesquisa

    Agora estamos em aula de Metodologia de Ensino de Química.

    Aqui são realizadas pesquisas individuais de Química. Como em qualquer aula em que a pesquisa seja o princípio metodológico, a participação do aluno é fundamental. Eles entrevistam, transcrevem, analisam, fazem o relatório, apresentam para o grupo ou para a comunidade.Há um momento inicial de elaboração do projeto feito em conjunto que mostra a importância da mediação do professor. Ao perguntar-se a Luzia sobre quem desenvolve os projetos, ela responde com entonação:

EEEles. Eles. Tudo eles. A única coisa que eu faço é tentar...melhor. Mas sai tudo deles. (Luzia foi para o quadro negro explicar como é a sua atuação em sala de aula neste caso, mostrando a condução da elaboração do projeto, estruturando as partes do projeto, sintetizadas em: um tema a pesquisar, uma justificativa, uma metodologia comelaboração de instrumentos de coletas de dados).     Deste relato, destaca-se a importância que a professora dá à participação do aluno. Ao mesmo tempo, embora o papel de mediadora fique explícito em seu relato, estruturando o projeto de pesquisa no grupo, parece desconsiderar a importância do seu papel em sala de aula, conferindo somente aos alunos a execução dos projetos.

    Sobre este trabalho, Luzia relata:

São feitos vários trabalhos. Tenho dez assuntos. Cada um tem o seu. Um deles, por exemplo, foi a identificação da composição química da beterraba. Eles começaram identificando os pigmentos da beterraba. Chegaram à conclusão de que existiam vários pigmentos: o vermelho, a betalaína, e os amarelos, os carotenos. Viram a característica da betalaína, que é um indicador ácido-base. Nesta fala evidencia-se o conhecimento profissional da professora no que se refere ao conteúdo químico. É este conhecimento mais complexo em relação ao conhecimento do aluno que torna possível a mediação da professora.

    A presença e assunção de cada projeto como seu pode ser percebida pelo uso da primeira pessoa do singular ao se referir aos projetos que os alunos vão desenvolver: "Eu tenho dez projetos". Nas conclusões teóricas, no entanto, ela remete para a ação do aluno: "Eles chegaram à conclusão ...".

    Ao perceber alguma dificuldade do aluno em escolher um tema, a professora apresenta alguma idéia, algum texto informativo,assumindo o papel de orientação, de mediação do aluno. Depois de estabelecido o objeto de pesquisa individual, há a elaboração do projeto, em que ocorre forte interação de cada aluno com a professora, objetivando viabilizar o desenvolvimento da proposta, como comenta Luzia:

Eles fazem um planejamento inicial e me mostram para ver se tem viabilidade. Tem que ser uma atividade possível de ser feita na escola e, às vezes, eles esquecem e vêm com algum projeto que precisa de um equipamento mais sofisticado ou reagente mais caro. Eles fazem o planejamento inicial, me mostram, a gente discute, faço sugestões, volta de novo para eles, eles vêm, até ficar pronto e ir para a segunda fase, que seria a execução.     Geralmente estes projetos estão associados a questões do conteúdo específico de Química, como Luzia explica: Normalmente são assuntos trabalhados em cadeiras específicas, mas que não têm o enfoque da escola ou do dia-a-dia. Eles começam a perceber o conteúdo de uma forma diferente. Por exemplo, eles aprendem o teste do aldeído, pegam um propanal, um etanal da vida e fazem o teste nas disciplinas de conteúdo específico, mas não relacionam que podem usar alguma substância do dia-a-dia que também dá o teste positivo.     Este relato mostra a pouca integração das disciplinas de conteúdo das Ciências Naturais com o conhecimento cotidiano dos alunos. Esta disciplina, ao desenvolver projetos de pesquisa para o ensino básico, permite esta integração.

    No final da disciplina ocorre a divulgação destes trabalhos para a comunidade escolar, como descreve Luzia: "Tem o momento de divulgação. A apresentação vai ser para professores e alunos das escolas. Nós chamamos professores e alunos. Tem sempre contato com as escolas. Já tivemos também um intercâmbio com a escola particular".

    Neste último relato mais uma vez a professora demonstra que se entende como uma dos participantes do grupo: "Nós chamamos professores e alunos". Apesar da ênfase na atividade do aluno,sua participação é intensa. A análise mostra que, apesar da flexibilidade do conteúdo específico a ser trabalhado, tem um outro conteúdo, que é fazer um projeto, e neste aspecto a proposta é estruturada pela professora, com um planejamento determinado, com prazos a cumprir, com tarefas a executar.

Percebe-se a interação de Luzia com os alunos, seu papel de mediadora no desenvolvimento do projeto pelos alunos, como também uma componente mais diretiva que estabelece prazos, organiza eventos de divulgação, etc. O sucesso de seu trabalho (relatado por seus colegas em entrevista coletiva) pode indicar que talvez seja interessante, ao se estruturar um trabalho de pesquisa em sala de aula, planejá-lo considerando etapas iniciais mais direcionadas.

    Em resumo, nesta aula são desenvolvidos projetos individuais de pesquisa com ênfase na participação dos alunos auxiliados fortemente pela professora no planejamento e desenvolvimento destes projetos.

    As atividades envolvem o aprofundamento do conhecimento específico, a experimentação de atividades, o desenvolvimento de projetos para a comunidade escolar, e a comunicação para uma comunidade escolar mais ampla.

    Esta sala de aula mostrou que o educar pela pesquisa pode fazer da sala de aula espaço de aproximação entre ensino e pesquisa.

Fica fortalecida a possibilidade de aproximação da academia com a realidade escolar porque, as pesquisas foram realizadas objetivando ações na escola, mesmo que o relato especifique ações para e sobre a realidade escolar do que com a realidade escolar.

    Salienta-se também a construção de uma rede de conhecimentos profissionais com conteúdos pedagógicos e disciplinares específicos integrados, contribuindo assim para a construção de um conhecimento profissional cada vez mais coeso.
 

4. Sala de aula de Pedro – sala de aula de Luzia: pesquisa coletiva mediada pelo professor

    Estamos mais uma vez em aula de Metodologia de Ensino de Química.

    O professor desenvolve uma pesquisa com os alunos. Estas disciplinas pretendem integrar conteúdos pedagógicos e conteúdos específicos. O professor atua como coordenador e mediador do processo em que um único tema é pesquisado, como Pedro descreve:

Todo semestre eu faço uma pesquisa com os alunos. Mas eu vou te relatar uma delas, que aconteceu há três semestres, em que os alunos tinham que entrevistar seus colegas ou outros universitários aqui dentro da Universidade sobre qual concepção eles tinham a respeito do conceito de ácido. Então, basicamente eles tinham que entrevistar pessoas, universitários, perguntando o que era para o entrevistado um ácido. A pergunta não era apenas essa, mas começava por aí. A pessoa era pega de surpresa e dizia que o ácido é algo que corrói, que queima. Dependendo do conhecimento, eles disseram o conceito que aparece nos livros. A entrevista era assim: de duas a três questões em torno da concepção que o sujeito tinha, e também, depois, associando essa concepção com as questões cotidianas: se ele tinha ou usava em casa algum ácido.     O tema a pesquisar pode vir de uma idéia anterior do professor, que discute então o tema com os alunos; pode surgir de contribuição dos alunos; pode vir da observação de algum tema de mais interesse dos alunos.

    É importante, no primeiro momento, a discussão do projeto com todos os integrantes do grupo, para que eles assumam a idéia, a fim de se tornarem co-responsáveis do projeto. Este aspecto também é salientado por Luzia: " No primeiro momento eles têm uma explosão de idéias. Depois se procura encontrar a razão do interesse em pesquisar sobre este assunto. Não é no primeiro dia que sai o assunto. Eu tenho um cronograma. No terceiro dia, eles já têm alguma coisa, uma idéia". O "terceiro dia" sinaliza para o direcionamento inicial forte da professora.

    Fica ressaltada a importância de o grupo se perceber como uma equipe realizando uma pesquisa coletiva, com o compromisso de assumirem juntos uma caminhada, de estarem sempre todos presentes. Do trabalho de todos é que se pode obter um bom resultado, como afirma Pedro:

Eu sempre discuto, nos projetos que faço, uma, duas aulas com os alunos, de como é que o projeto vai ser feito. Às vezes eu tenho uma idéia, mas eu trago para que eles assumam junto essa idéia. Se eu trouxer um projeto pronto, eles não vão ser co-responsáveis pelo projeto. Então a gente fica discutindo, fica puxando, vendo o que eles pensam e às vezes saem idéias muito boas. É muito interessante esta discussão, porque eles se colocam no projeto.     Novamente sobressai na fala de Pedro a importância conferida às idéias dos alunos. No entanto, poderíamos problematizar a fala do professor quando salienta que às vezes algumas das idéias dos alunos são boas. Não poderia ser diferente, considerando que os alunos têm um conhecimento profissional menos complexo do que o do professor, mas nem por isso menos criativo ou pertinente. Em situações de ensino com pesquisa, todas as idéias propostas precisam ser consideradas, discutidas, aceitas ou descartadas via argumentação e negociação no grupo.

    Para que os alunos assumam a responsabilidade na execução da pesquisa, um dos expedientes utilizado é o diálogo. Nem sempre o aluno está acostumado a dialogar e Luzia usa textos em sala de aula que argumentam sobre a importância do diálogo na construção do conhecimento em sala de aula.

Tive que conscientizá-los de que o trabalho agora vai ser diferente do que eles desenvolveram até aqui. Que eles têm que ter uma caminhada juntos. É um momento em que vamos trabalhar em grupo. Deixei dois textos para eles fazerem a leitura...Eles às vezes até brigam, por isso tem que ler bem o texto sobre pesquisa cooperativa, o respeito que têm que ter um pelo outro, as idéias, o consenso. Tem horas..., mas a gente consegue.     Podemos também problematizar esta fala porque acreditamos que a conscientização não ocorre por imposição ou pela leitura de alguns textos apenas. É claro que, no entanto, este tipo de experiência atinge os alunos que se permitem refletir.

    Após a escrita do projeto de pesquisa é feita a coleta de dados (questionário, entrevistas, observações, anotações de reflexões em sala de aula, etc.). Esta é uma etapa demorada da pesquisa, pois muitas vezes os alunos demoram para trazer os resultados. A partir dos dados coletados e transcritos, a análise é feita em sala de aula, mediada pelo professor, para "eles entenderem como isso é feito" (Pedro) com grande valorização do diálogo e da discussão, como ele continua a relatar: "os alunos tinham que entrevistar as pessoas. Às vezes a gente está analisando e quem entrevistou diz: ‘Ah! Esse fui eu que entrevistei, ele falou assim, eu entendi isso.’ É um momento dele para completar a informação".

    A partir da categorização, para dar conta das diferentes perspectivas de análise originada a partir dos dados, os alunos são divididos em grupos que ficam responsáveis pela síntese de categorias diferentes. No final do semestre, osseminários funcionam como integradores de todo o trabalho realizado.Como Pedro descreve: "Os alunos no final apresentam um relatório. Dividi a turma em duplas ou em trios para fechar partes do relatório. Para fechar os relatórios é importante ter focos mais estreitos de análise. Isso foi o papel dos alunos também".

    Em síntese, a sala de aula se transforma em um grupo de pesquisa constituído por alunos e professor. Um aspecto importante é a negociação inicial do tema, que surge de idéias dos alunos ou do professor, mas a discussão é fundamental para que o grupo se responsabilize e assuma o desenvolvimento do trabalho.

    Ë fundamental também a participação de cada um no conjunto de atividades. Para este entendimento, o diálogo e a reflexão auxiliados pela leitura são os expedientes utilizados.

    As atividades desenvolvidas são as que permitem dar seqüência à pesquisa, como coleta de dados, transcrição de entrevistas, análise de dados, sínteses parciais, relatórios finais, com destaque às falas dos alunos, consideradas sempre como possibilidades de discussão.

    A análise desta sala de aula fundamenta o argumento de que é possível transformar a realidade atual dos cursos de Licenciatura pelo educar pela pesquisa porque mostrou ser espaço de dissolução da dicotomia ensino - pesquisa ao fazer pesquisa coletiva tendo por objetivo a aprendizagem dos alunos.

    Outro motivo é o fato de que esta sala de aula mostrou ser espaço de construção de conhecimento profissional em que os conteúdos pedagógicos estão articulados com os conteúdos disciplinares específicos, como a pesquisa descrita sobre um conceito químico, embora este seja o objetivo de qualquer disciplina integradora nos cursos de Licenciatura. A construção do conhecimento disciplinar específico também se torna possibilidade em disciplinas pedagógicas.

    Uma terceira evidência está no processo reflexivo sobre os próprios modos de ser professor, trazidos para discussão durante a pesquisa. Esta discussão permite que o aluno e o professor percebam suas lacunas e enriqueçam seu conhecimento profissional.

    Ainda este espaço mostrou possibilidade de integração dos conteúdos acadêmicos com a realidade escolar, ao trazer dados de entrevistas de professores em exercício no ensino básico para discussão e análise.
 

5. Sala de aula de Luiz: pesquisa coletiva em um grupo de professores e alunos

    Estamos em aula de Iniciação à Pesquisa do curso de Licenciatura em Ciências.

    Neste tipo de experiência, um grupo de professores desenvolve com os alunos uma pesquisa sobre avaliação. O objetivo "é que os alunos da graduação, mais especificamente licenciandos de Ciências e Matemática, tenham uma experiência de pesquisa. Isso parte de uma constatação de que os alunos que se envolvem em bolsas de iniciação científica têm um crescimento muito melhor dentro da universidade".

    Fazem parte do grupo de pesquisa professores universitários, alunos de níveis diferentes dentro do curso, bolsistas de iniciação científica, mestrandos e doutorandos. Como toda pesquisa exige, há várias atividades diferentes a serem desenvolvidas, e para isso Luiz comenta a sistemática de trabalho:

Estávamos desenvolvendo uma pesquisa sobre as representações dos alunos do ensino fundamental sobre avaliação. O normal era no início da aula termos um grande grupo, que seria o grupo de pesquisa em que, então, tinha os mestrandos, os alunos de iniciação científica, os professores e os alunos. Nós fazíamos sempre um grande círculo e eram colocadas essas questões. Era discutido o processo, era encaminhado o trabalho coletivamente. Agora a estrutura do trabalho ia variando. Normalmente era no grande grupo ou em grupos menores, e isso nós combinávamos sempre em função da forma em que o trabalho estava se encaminhando. O tamanho dos grupos variava, dependendo da forma como as categorias iam sendo construídas, tendo sempre algum aluno da iniciaçãocientífica ou mestrando ou doutorando funcionando como mediador no grupo.     Este trabalho exige um tempo de planejamento anterior à aula, assim descrito por Luiz: Nós tínhamos uma reunião que durava em torno de uma hora, antes da aula, em que se decidia coletivamente o andamento da pesquisa. Uma das coisas que eu sempre enfatizava era a importância de os mestrandos, doutorandos e alunos da iniciação científica fazerem parte dos grupos com os alunos da graduação para funcionarem como mediadores.     A ênfase está no diálogo no grupo. Pretende-se desenvolver "a coragem de falar, expor, consultar uma bibliografia" (Luiz).Outra questão implícita neste trabalho é a expressão escrita, além da oral, tanto individualmente como nos grupos.

    Com relação à avaliação não pode seguir os modelos tradicionais. Assim foram utilizados diferentes instrumentos de avaliação na sala de aula de Luiz:

Foram introduzidos instrumentos de avaliação do processo, o diário coletivo. Havia também uma ficha diária de avaliação preenchida pelo aluno. E os trabalhos escritos também foram recolhidos e avaliados, a auto-avaliação ao final da disciplina, a avaliação feita no último encontro com o grande grupo.     Neste tipo de trabalho não cabe a aula expositiva. O que se pretende é que os alunos vivenciem as etapas de uma pesquisa e convivam com a incerteza, com a complexidade, com a leitura, com o processo de escrever e rescrever, com o questionamento e a discussão crítica, que são algumas das atividades sempre presentes no pesquisar.

    A forma de trabalho requer que o aluno assuma sua aprendizagem:

Por exemplo, o tema de pesquisa era avaliação. As pessoas começam trazer os mais diversos assuntos e acaba sendo uma ampla gama de assuntos sobre avaliação. Depois tu começas a organizar, mostras para eles como é que tu podes fazer. Claro que tem a idéia de categorizar, de organizar isso em grupos de idéias semelhantes. Tu começas a olhar vários aspectos. Claro que nesse momento já levas para o grupo algumas idéias, outros autores, uma fundamentação que tu já tenha trabalhado para ajudar a esquematizar isso. A idéia da mediação, o mestrando que, por exemplo, tem mais vivencia de avaliação, ele vai ali também dar a sua opinião e participa disso.     Esta proposta exige mais tempo, trabalho e comprometimento do professor do que os despendidos em uma proposta de cópia do conhecimento já existente. É um trabalho que necessita da participação do grupo. Esta sala de aula se diferencia das demais porque um grupo de professores trabalha se constitui em parte do grupo de pesquisa.

    Esta aula se diferencia das demais por ter um grupo de pesquisa constituído por professores e alunos que desenvolvem uma pesquisa. Os objetivos com esta proposta são: fazer o aluno vivenciar as diferentes etapas da pesquisa, proporcionando a problematização de concepções absolutistas deCiência como processo linear, progressivo, cumulativo, com resultados em um prazo determinado e desenvolver a competência dialógica do grupo através do diálogo, da leitura, do exercício da escrita.

    As atividades são diversificadas em função do andamento da pesquisa, acontecendo geralmente em grupos em sala de aula, mas com tarefas individuais, como a busca bibliográfica e a elaboração de projetos, análises, sínteses, relatórios.

    O planejamento é realizado pelo coletivo de professores em encontros sistemáticos ao longo de todo o processo, embora a coordenação seja feita por um dos professores do grupo.

    Esta sala de aula enriquece o argumento de que é possível provocar transformação na formação inicial porque, como nas experiências anteriores, mostrou ser lugar de articulação entre ensino e pesquisa.

    Mostrou também contribuir para a aproximação entre os conteúdos acadêmicos e a realidade escolar, uma vez que apresentou como objeto de estudo um aspecto específico escolar.

    A possibilidade de construção de uma proposta pedagógica para os cursos de Licenciatura mais coerente, fundamentada e complexa, uma vez que reúne no mesmo espaço um grupo de professores que atuam em outros espaços no curso de Licenciatura, torna-se evidente. Esta vivência profissional coletiva possibilita a construção de uma proposta curricular menos fragmentada do que as que freqüentemente aparecem nestes cursos.

À guisa de construção de argumentos

A análise da descrição das aulas dos professores entrevistados e as características salientadas mostraram que elas podem ser consideradas como situações práticas do educar pela pesquisa como princípio didático seguindo os pressupostos teóricos propostos por Demo (1991, 1996, 1997, 1998), Moraes (1997), Ramos (2000), Moraes, Ramos e Galiazzi (1999), porque ocorreu:

¨ um questionamento de problemas práticos da atividade docente, como as concepções sobre aprendizagem, ensino, avaliação, experimentação ou o próprio conteúdo disciplinar específico, atentando-se para o conhecimento inicial do aluno;

¨ construção de argumentos envolvendo um conjunto diversificado de atividades, incluído o diálogo com a realidade empírica, através de coleta de dados, registros, observação, entrevistas; o diálogo com a teoria através da análise de textos, discussões críticas, reflexões mediadas pela leitura;

¨ a validação dos resultados da pesquisa na própria sala de aula ou em grupos mais amplos da comunidade acadêmica ou mesmo fora dela, como em encontros, semanas de iniciação científica, semanas acadêmicas;

¨ em todas elas, de forma diferenciada, se pode perceber a ênfase no diálogo, na produção escrita, na leitura como recursos mediadores das aprendizagens; da mesma forma, os entendimentos sobre avaliação apontam para um processo formativo, qualitativo, reflexivo de professor e alunos a partir de critérios negociados;
 

  • O que foi analisado até aqui permite construir argumentos para a questão de pesquisa que é como o educar pela pesquisa em sala de aula contribui para a formação do professor de Ciências porque:

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    ¨ pode minimizar um dos problemas inerentes das Licenciaturas, que é a separação de conteúdos disciplinares específicos dos conteúdos pedagógicos;

    ¨ a pesquisa pode conquistar um espaço maior nos cursos de formação de professores e para dissolver a maneira dicotômica como ensino e pesquisa são tratados nos currículos;

    ¨ aproxima a academia e a realidade prática, a partir do estudo de situações práticas da realidade escolar;

    ¨ possibilita construção de uma proposta pedagógica do curso mais integrada, fundamentada e complexa, ao integrar professores trabalhando em grupos de pesquisa;

    ¨ aproxima a realidade escolar da academia desde os primeiros anos da graduação, contribuindo assim para a construção de uma prática profissional fundamentada, integrada com a teoria, ao longo de toda a formação inicial;

    ¨ é espaço de construção de conhecimento disciplinar específico, de conhecimento pedagógico, contribuindo para a melhor formação do futuro professor.
     

    Referências

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    [1] Professora do Departamento de Química da Universidade Federal do Rio Grande ( FURG) – e-mail: carmo@nupeq.furg.br
    [2]  Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul