PESQUISA EM EDUCAÇÃO QUÍMICA: AS RESISTÊNCIAS COMO SINALIZAÇÃO PARA APRENDIZAGENS SOBRE SER PROFESSOR



Maria do Carmo Galiazzi[1]
Fábio Peres Gonçalves
Renata Lindemann
Núcleo de Pesquisa e Educação em Química – NuPEQ – Universidade Federal do Rio Grande - FURG


Resumo

    Neste trabalho, a sala de aula de Prática de Pesquisa em Educação Química – três disciplinas optativas do curso de Licenciatura em Química da FURG - foi investigada a partir de relatos de alunos e professores no diário de classe coletivo por três anos consecutivos. Nestas disciplinas, a pesquisa, usada como princípio didático (Demo, 1997, Cañal et al, 1997), se desenvolve em ciclos de ações de questionamento, de construção de argumentos e de validação em comunidades ampliadas (Galiazzi, 2000). A hipótese de trabalho é que a pesquisa possibilita enriquecer o discurso sobre ser professor a partir do desenvolvimento da competência dialógica dos participantes via questionamento, argumentação e validação. Considerando que a aprendizagem ocorre em níveis diferenciados de apropriação de significado de um discurso (Wertsch, 1998), a manifestação de resistências e aprendizagens em sala de aula tem mostrado ser um espaço de construção de novos significados sobre ser professor.




Abstract

    In this paper, the classroom of Practice of Research in Chemical Education (three optional disciplines of the Chemistry teacher education course) was investigated from students' reports in the collective class diary for three years in a row. In these disciplines, the research (Demo, 1997, Canãl et al, 1997) carries out in cycles of inquiry, construction of arguments and validation in enlarged communities (Galiazzi, 2000). The work hypothesis is that the research enriches the discourse of being a teacher, starting from the development of the dialogical competence throughout inquiry, argumentation and validation. Considering that the learning happens in differentiated levels of appropriation of a discourse (Wertsch, 1998b), the manifestation of resistances and appropriations in classroom have showed to be a space of learnings of new meanings of being a teacher.



Introdução

    A análise da pesquisa como princípio didático em cursos de Licenciatura de Ciências aponta para várias possibilidades da pesquisa na resolução de antigos problemas da formação de professores (Galiazzi, 2000). Nesta perspectiva é que analisamos uma sala de aula orientada pelos princípios teóricos do educar pela pesquisa (Demo, 1997) por meio de um diário de classe coletivo de alunos e professores. Neste diário, a cada semana um aluno fica encarregado de escrever suas reflexões sobre a disciplina, a metodologia, o desenvolvimento ou qualquer outro aspecto que entenda deva ser registrado. Nestes três anos analisados, o diário contém o relato de 15 alunos e 2 professores. Os dados analisados se referem às experiências de 1998, 1999 e 2000.

    As disciplinas analisadas, Prática de Pesquisa em Educação Química I, II e III foram incluídas na grade curricular do curso de Licenciatura em Química em 1998, após um ano de discussões que resultaram na reforma curricular em vigor. Estas disciplinas têm como proposta a elaboração de projetos de pesquisa na área de Educação Química. Nos três anos as propostas de trabalho têm variado em função da avaliação dos resultados, mas a elaboração de projetos de pesquisa individuais e coletivos, seu desenvolvimento, fundamentação teórica e apresentação de resultados têm sido a tônica do trabalho.

    Neste texto apresentamos, inicialmente, o diálogo teórico com Wertsch (1998), que se fez necessário a partir da emergência de resistências em sala de aula. A análise dos dados seguiu os princípios da análise de conteúdo segundo Ramos (1999). Para fortalecer nosso argumento de que a disciplina em análise é um palco em que convivem resistências e aprendizagens e lugar de apropriação de novos significados sobre ser professor, apresentamos neste artigo a análise de duas das categorias: as resistências no processo e as aprendizagens percebidas. Este tipo de análise fez perder a temporalidade das afirmativas, agrupadas pelo seu conteúdo e não por data do relato.


Sobre o trabalho em sala de aula

    As disciplinas de Prática de Pesquisa em Educação Química I, II e III são disciplinas optativas da grade curricular do curso de Licenciatura em Química – Habilitação Ciências da Universidade Federal do Rio Grande. Estas disciplinas acontecem no mesmo horário e local para possibilitar a constituição de um grupo de pesquisa entre os professores da disciplina e os alunos de diferentes anos[2]. São desenvolvidos projetos coletivos e individuais de pesquisa e nestes, os professores do grupo atuam como orientadores.

    A metodologia em sala de aula tem como princípio teórico o educar pela pesquisa que pressupõe o diálogo no grupo, a leitura e a escrita, mediados por processos de questionamento, construção de argumentos e validação destes argumentos no grupo ou em comunidades ampliadas. Isto aconteceu de diferentes formas nos três anos analisados neste trabalho.

    Em seu primeiro ano, participaram professores (5) e alunos do segundo, do terceiro e do quarto do curso (10). O trabalho iniciou com a leitura de um texto sobre Educação Química (Schnetzler e Aragão, 1995). Após a discussão do tema, a partir de análise de anais de eventos científicos, foram analisadas pesquisas e suas características. Este trabalho tinha por objetivo ressaltar modos de estruturação como o problema de pesquisa, a metodologia de análise, os dados coletados. Com algumas informações sobre estas características partiu-se para o aprofundamento teórico de como fazer um projeto de pesquisa.

    Com a fundamentação teórica, iniciou-se o desenvolvimento de projetos individuais, que seriam elaborados e discutidos em sala de aula. Estas atividades ocorreram durante o primeiro semestre de 1998. No segundo semestre, foi estruturado e realizado um projeto coletivo de pesquisa sobre os objetivos da experimentação no ensino médio. Para esta pesquisa os alunos aplicaram um instrumento de coleta de dados elaborado em conjunto,realizaram fundamentação teórica em revistas científicas, categorizaram a fundamentação teórica, construíram textos destas categorias.

    As resistências dos alunos à disciplina apareceram desde o início. Primeiro porque os alunos não tinham idéia do que era Educação Química. As mesmas dificuldades persistiram ao se propor a discussão dos projetos individuais no grupo de pesquisa em que os professores dominaram a palavra, quer por suas teorias pedagógicas tradicionais, quer pelos entendimentos dos alunos, que se sentiam reprimidos e receosos em se expor. Ao final os professores e poucos dos alunos avaliaram a experiência como muito significativa.

    Em 1999 a sistemática de trabalho foi pouco alterada. A disciplina teve a participação de professores (4), alunos que haviam cursado a disciplina no ano anterior (2) e alunos novos (8). No momento de desenvolvimento dos projetos individuais de pesquisa, cada aluno tinha um orientador (um dos professores do grupo) que auxiliava a construção do problema de pesquisa. O projeto coletivo seguiu sendo em etapa posterior ao projeto individual e continuou sobre a temática da experimentação, tendo como sujeitos investigados os participantes da disciplina. Esta característica foi extremamente positiva em relação ao instrumento do primeiro ano, porque possibilitou a discussão do conhecimento dos alunos e professores sobre o tema. Os procedimentos de análise foram realizados coletivamente para que os alunos e professores compreendessem a sistemática da análise de conteúdo. A disciplina finalizou com a análise dos dados coletados, tendo como referencial teórico os textos teóricos do ano anterior.

    No terceiro ano, o grupo foi constituído pelos mesmos professores (4) dos anos anteriores, alunos que haviam cursado (7) alguma das disciplinas anteriores e alunos novos (5). Em razão das aprendizagens nas duas experiências anteriores, considerando que os projetos individuais eram desafios muito grandes para os alunos, a disciplina iniciou com um projeto coletivo de pesquisa sobre um tema de Química. A escolha do tema foi negociada no grupo. Entre os assuntos sugeridos pelos próprios integrantes da disciplina, foi escolhido investigar o que o grupo entendia por metais pesados.

    As discussões em torno dos temas de pesquisa e de como elaborar os projetos de pesquisa foram intensas e em muitos momentos surgiram resistências por parte de professores e de alunos. Algumas destas resistências foram percebidas pelas manifestações de alunos que queriam a resposta certa sobre o que era metal pesado e mesmo em professores que tiveram certa dificuldade em reconhecer as lacunas de seu conhecimento sobre um assunto de Química.

    Neste ano, após o projeto coletivo realizado no primeiro bimestre, iniciou-se um segundo projeto coletivo ainda sobre experimentação em que alunos e professores descreveram a melhor e a pior atividade experimental que tinham participado, como alunos ou professores. Como resultado, os alunos apresentaram relatório da pesquisa e uma atividade experimental com as características apontadas pela análise. Seguindo o semestre, foram desenvolvidos projetos individuais de pesquisa e esta sistemática foi dificultada pelo número de alunos que precisavam ser orientados pelos professores, alguns destes ainda pouco impregnados de seu papel nesta etapa.

    Nos três anos que estão sendo objeto de análise neste artigo, o diário coletivo foi usado como instrumento de pesquisa e avaliação do trabalho desenvolvido em sala de aula.


Resistência e Apropriação: o diálogo com Wertsch

    A análise do diário de classe coletivo e a vivência em sala de aula mostraram ser esta sala de aula um palco de emergência de resistências e aprendizagens. Encontramos ressonância no nosso discurso de resistências em um referencial teórico ainda insipiente que é a abordagem sociocultural.

    Em Santos e Mortimer (1999) encontramos a análise de resistência de alunos à professora de Química e isto nos levou e encontrar Wertsch (1998) e De Certeau (1996). Este diálogo com os autores possibilitou entender a rede intrincada de resistências e aprendizagens que podem surgir no desenvolvimento de uma proposta didática.

    A abordagem sociocultural delineada em Wertsch (1998a, 1998b) é suportada pelas idéias de Vygotsky em que sobressai o papel teórico central da mediação e pelas idéias de atividade e ação de Leont’ev, além de outros. Na abordagem sociocultural emergem as noções de meios mediacionais[3] e ações mediadas a partir do entendimento daqueles autores. Com relação à mediação, Wertsch (1998) salienta quatro pontos fundamentais: a mediação é um processo e a introdução de uma meio mediacional, como são as ferramentas ou a linguagem, inevitavelmente o transforma. O terceiro aspecto é que toda a mediação envolve a limitação como o fortalecimento. O quarto ponto é que as ferramentas culturais acabam por delinear outros aspectos para os quais elas não haviam sido pensadas. A forma como os "agentes", no nosso caso os alunos, usam esta ferramenta, estabelece uma intrincada rede de conexões que também precisa ser analisada.

    Na discussão feita sobre apropriação e resistência, Wertsch (1998b) busca apoio nas idéias delineadas por De Certeau e Bakhtin. De Certeau (1996) afirma que qualquer ferramenta cultural, uma delas a linguagem, é transformada de forma particular pelos indivíduos e grupos que a utilizam. A marca deixada nestas ferramentas não precisa ter necessariamente uma intenção explícita. Pelo contrário, muitas vezes, os indivíduos querem usar a ferramenta cultural como foi proposta, mas, mesmo assim, acabam por transformá-la. Em concordância com De Certeau, Wertsch (1998b) afirma que as ferramentas culturais sempre pertencem a um outro e existem em relações intrincadas de poder e autoridade. Uma questão importante é se a ferramenta cultural que um grupo usa, pertence a esse grupo ou a um outro. Nesta distinção é que De Certeau discute as estratégias e táticas de consumo. As estratégias têm um lugar próprio e as táticas são ações que usam o lugar de um outro mais poderoso (1996, p.36).

    De acordo com Santos e Mortimer (1999), uma sala de aula é o lugar do professor e suas ações são estratégias. As ações dos alunos acontecem no lugar desse outro e os alunos vão desenvolvendo táticas de ação neste lugar. Concordamos com os autores que no ensino tradicional os alunos e professores atuam em sala de aula usando estratégias e táticas, mas consideramos fundamental a transformação da sala de aula em espaço de argumentação.

    Outra idéia importante para a análise da sala de aula em questão que aparece em Wertsch (1998b) é o termo ‘microdinâmica’ para ressaltar que apropriação e resistência algumas vezes surgem durante as ações em questão de segundos (1998, p.168). O autor argumenta que a microdinâmica de apropriações e resistências são "micro" porque são formadas no espaço próximo e no contexto social. O autor finaliza o diálogo reformulando a noção de apropriação como ocorrendo em diferentes níveis de elaboração:

Ao invés de envolver uma reflexão consciente, a apropriação geralmente é quase feita para – do que pelo – agente. Ao invés de envolver consentimento, uma ferramenta cultural geralmente afeta a ação mediada de modo a que o agente nem supõe nem deseja. E ao invés de ser uma ação realizada pelo agente e resultando na incorporação da ferramenta cultural, a apropriação está geralmente sujeita a um complexo conjunto de processos microdinâmicos. (1998b, p.176).     A seguir descrevemos as categorias de análise: as resistências e as apropriações que os alunos vão manifestando durante a realização da disciplina.


As resistências: entendimentos sobre aprender

    As disciplinas de Prática de Pesquisa em Educação Química têm como um de seus pressupostos que o aluno desenvolva capacidade para aprender a aprender, que aja com autonomia para aprender (Demo, 1997). Um conjunto significativo de relatos revelam que o entendimento dos alunos sobre aprender está vinculado a processos heterônomos em que ele ainda espera pelo conhecimento que vai ser transmitido pelo professor.

    Esta falta de autonomia em aprender pode ser percebida quando o aluno manifesta suas dificuldades, remetendo a um outro a responsabilidade pelo insucesso. A carga horária muito elevada, o número de disciplinas ou, quando isso não ocorre, a quantidade de tarefas desconexas foram salientadas pelos alunos:

No ano passado (3º ano do curso) não pude fazer essa disciplina, devido a carga horária. Agora em "2000" (4º ano do curso) a carga horária não é tão grande, mas em compensação há muitas tarefas a realizar, e uma nada a ver com a outra, para mim esse ano está sendo o mais confuso e o mais desgastante de toda essa caminhada de curso, mas isso não interessa nesse momento.     É claro que um dos limites na proposta de incorporação da pesquisa em sala de aula está na grade curricular dos cursos de formação (Galiazzi, 2000). No entanto, o destaque sobre a palavra "desnecessária" pontua esta visão de aprendizagem passiva. A referência a um outro que impede a aprendizagem também fica clara pela referência às tarefas desconexas solicitadas pelos professores.

    A visão heterônoma de aprendizagem cuja responsabilidade é conferida ao professor aparece ainda em outros relatos, mesmo que no conjunto da fala anterior possa estar subjacente alguma aprendizagem na disciplina em questão:

Ao sairmos da Universidade, não dispomos de nossos professores para nos auxiliar nos momentos de nossas dúvidas, pois cada vez mais está ficando difícil eles terem tempo disponível para se envolverem com este tipo de trabalho.     Esta mesma visão heterônoma apareceu no relato de um aluno que justificou seu sucesso à orientação recebida: Apesar de pessoalmente não ter tido nenhuma dificuldade, tenho percebido que durante a apresentação dos projetos, muitos colegas demonstram dificuldades em elaborá-los. Acredito que seja, talvez, por uma falta de orientação mais individual.     Isso proporcionou a manifestação de um conjunto de resistências em vários dos alunos que passaram a justificar suas dificuldades na falta de orientação adequada dos professores: Eu concordo com o Pedro que disse que não teve muitas dificuldades, pois teve um atendimento individual. Acho que este atendimento individual poderia melhorar os projetos. O entendimento de aprendizagem que este aluno explicita é de que não há diferença individual entre os alunos.Bastaria, então, uma orientação adequada para que todos os projetos fossem desenvolvidos com facilidade. As orientações não funcionaram a contento dos alunos justamente por diferentes necessidades dos alunos e modos de orientação dos professores.

    Outra idéia que parece resultar em resistência é o entendimento sobre aprendizagem arraigado nos conhecimentos conceituais, como ficou expresso no relato a seguir: Muitas vezes me vejo andando em círculo, sem sair do lugar, ou andando, andando e me encontrando sempre no mesmo lugar.

    A elaboração de um projeto de pesquisa não proporcionou a esta aluna visualizar suas aprendizagens, assim a aluna se enxerga sem sair do lugar.

    Uma aluna apesar de reconhecer a importância desta disciplina para a sua formação, sustenta argumentos tradicionais que ficam explícitos no seu relato ao assumir a transmissão de conteúdos como tarefa do professor: Esta disciplina me ajuda muito e eu gosto dela, apesar das minhas dificuldades, pois quando eu for professora eu vou passar mais para meus alunos, não só aqueles conteúdos impostos pela escola ou pelo governo. Como destaca Demo (2000) a pedagogia do professor está tão centrada na certeza que aula limita-se a repassar algo, que se torna difícil para o professor entender que o aluno deveria duvidar do próprio professor.

    Em síntese, a sala de aula de pesquisa uma das razões da emergência de resistências à pesquisa em sala de aula foram os entendimentos tradicionais sobre aprendizagem. Estes entendimentos se sustentam na transmissão do conteúdo pelo professor em que o aluno se mantém passivo. Esta transmissão é calcada em conteúdos conceituais. Outras aprendizagens de como fazer, elaborar, discutir, construir argumentos não são percebidas pelos alunos.


As resistências: entendimentos sobre ensinar

    Os entendimentos sobre ensinar, da mesma forma que muitos outros componentes do conhecimento profissional de professores, têm sido construídos por aprendizagens ambientais (Maldaner, 1999) que acontecem ao longo da vida escolar dos professores de forma pouco reflexiva. Assim se perpetuam e cristalizam formas de pensar que constituem as teorias subjacentes à prática dominante dos docentes.

    No diário de classe, a análise de uma das professoras aponta para entendimentos tradicionais sobre o ensino:

O mesmo movimento que percebo de resistência nos alunos também percebo nos professores. No início todos cinco tínhamos os maiores elogios com relação ao trabalho desenvolvido. Hoje trabalhamos em três professores e minha análise é que esses dois colegas, embora tenham alegado outras razões, saíram por suas visões tradicionais de ensino. É claro que eu entendo que estejamos assoberbados de trabalho, mas nunca faltamos às aulas em que entendemos ser os professores. A falta ou atraso repetido para mim significa um descomprometimento com a disciplina. Penso que esse é uma grande limite do trabalho, mas talvez até possa ser uma aprendizagem futura para os do grupo, afinal trabalhar em grupo é sempre um desafio.     A disciplina se concretizou como idéia de pesquisa em grupo constituído por professores e alunos, mas professores e alunos vão para este grupo com suas idéias sobre o que é ser professor e transferem a um outro o exercício que coletivamente tinham assumido. Também foi em aprendizagens ambientais que o professor aprendeu a usar a palavra, evidenciando sua autoridade e conhecimento da matéria. Este entendimento fica marcado no relato de uma das professoras: No primeiro ano levamos todos um baile em razão da inexperiência e, mais que isto, em função de nossos modelos tradicionais. Isto eu falo até mais de nós professores, E EU ME INCLUO COM LETRAS MAIÚSCULAS, porque dominamos a palavra e não soubemos perceber que os alunos em razão de suas aprendizagens ambientais não poderiam ter outra visão do nosso papel senão a de determos a autoridade e o poder.     Esta mesma visão de que o professor detém o conhecimento aparece também em relatos de alunos: Acho que somos privilegiados de termos quatro professores disponíveis para orientar em uma única disciplina. Às vezes, não damos o devido valor em termos quatro professores e tanto conhecimento reunido. Mas às vezes tanto conhecimento atrapalha.

Esta disciplina tem algo que a diferencia das demais, que é o fato de termos quatro professores, agora três, a "nossa disposição" para debatermos sobre educação, algo que me fascina mais a cada dia.

    Apesar da proposta se fundamentar no diálogo (Demo, 1997; Galiazzi, 2000) os relatos pontuam que professores e alunos mostraram entender o diálogo em sala de aula ser de domínio do professor.

    Em síntese, as resistências à pesquisa em aula como proposta na disciplina tiveram como outro fator de emergência os entendimentos tradicionais de ensino em que o professor é que detém a palavra, a autoridade e o poder e o aluno fica esperando por esta palavra e por esta ordem.


As resistências: entendimentos sobre a natureza da ciência

    O entendimento de ciência é outro dos fatores que limitam a construção de um conhecimento profissional mais complexo (Porlán e Rivero, 1998). A crença na verdade estabelecida pela ciência, no progresso resultante dos avanços científicos e na neutralidade da ciência vão de encontro a entendimentos de ciência como produto cultural, em processo de revisão permanente de suas verdades e regido por ideologias e intencionalidades.

    Parece difícil para quem entende ciência como pautada na verdade, progresso e neutralidade, apropriar-se de outros significados que se contrapõem a estas verdades. Não foram muitas as manifestações sobre a natureza da ciência, mas um relato registra um entendimento de ciência progressista, cuja razão - o bem da humanidade – precisa ser ensinado para que os alunos aprendam o Verdadeiro valor da ciência:

Quanto ao caráter da disciplina, é muito importante os professores do curso participarem em conjunto com os alunos na elaboração de projetos na área de educação científica, que precisa ser mais explorada no nosso país, pois muitas pessoas não enxergam o verdadeiro papel da ciência na sociedade.     Este relato faz com que possamos apontar para os entendimentos sobre a natureza da ciência como outro limitante da proposta porque o aluno – futuro professor – ao considerar a ciência como produto com objetivos progressistas da humanidade perpetua em seus alunos visões deturpadas da produção do conhecimento científico que sempre acontece em um contexto histórico, cultural, permeado de intenções, interesses e poder.



As resistências: entendimentos sobre avaliação

    Parece consenso que quando um professor flexibiliza o modo de avaliar sua sala de aula é porque adquiriu um conhecimento mais complexo sobre o processo de ensinar. Se os professores ainda apresentam comportamentos autoritários e monopolizadores com relação à avaliação, não podemos esperar que os alunos tenham construído significados diferentes destes em sua vivência escolar. Em um ensino tradicional, o professor avalia o conhecimento conceitual em provas, que ele corrige e atribui um valor, que premia ou castiga o aluno. O aluno aprende que a prova é o instrumento e o momento de tentar o êxito. A palavra ou valor final atribuídos à prova pode ser contestado, mas é a palavra do professor que confere um valor ao que foi escrito pelo aluno. Em uma prova nos moldes tradicionais, raramente é dada a possibilidade de revisão e reelaboração com novas aprendizagens. Isto parece conferir a avaliação um papel definitivo e, da mesma forma que o professor é visto como detentor da autoridade, do conhecimento, a palavra do professor é assumida como definitiva.

    Na disciplina analisada é dada ênfase à elaboração de projetos individuais de pesquisa e estes projetos são analisados pelo grupo em sala de aula. Pelos relatos e lembrando daquelas aulas, podemos afirmar que os professores é que fizeram as críticas como avaliadores tradicionais. Os alunos ficaram calados aceitando o parecer de seus algozes. Parece ser este o entendimento dos alunos que tiveram seus projetos analisados no grupo de pesquisa e que não suportaram a crítica:

A maior dificuldade no momento que estou encontrando, são as barreiras impostas pelos professores. No decorrer das aulas, estava indo tudo bem, eu e a minha colega fazíamos as entrevistas relacionadas ao nosso projeto, comunicávamos a nossa professora E, que estava nos dando um bom incentivo. A partir do dia de hoje vi que as coisas se complicaram, não conseguimos, eu e a minha colega expor nosso trabalho como gostaríamos, fomos interrompidas várias vezes para responder perguntas que muitas vezes no decorrer de nossa apresentação iriam ser colocadas, não estou criticando ninguém e também não estávamos fugindo do nosso objetivo. Espero que da próxima vez possamos colocar nossas idéias e explicá-las e após essa etapa tirar algumas dúvidas e também aceitar algumas críticas.

O modo como era conduzida a disciplina em seu primeiro ano, muitas vezes nos deixava perdidos, sem rumo, pois a cada colocação "sentíamos" ameaçados de sermos criticados. Não que a crítica, fosse algo ruim, mas parecia que não nos levava a lugar algum, a não ser ao desânimo, à descrença e à falta de vontade.

    Como os alunos percebiam o papel avaliador dos professores fica explícito no relato que segue: Só quero deixar um recado para meus colegas que querem desistir, ou que passa pela cabeça desistir, "não desistam, batam pé, por mais que pareça que tudo vai dar errado, não desanimem. Vamos mostrar que o curso de Química é capaz de fazer qualquer coisa, com as nossas idéias. Por favor, não desistam".     A aluna faz um apelo aos colegas para não desistirem e enfrentarem os professores, mostrando assim que os alunos do curso de Química são capazes de superar os maiores desafios, apesar da exigência dos professores. Em outro relato fica também evidente a preocupação dos professores pela qualidade do produto mais que pelo processo: Eu também acho que os professores deveriam entender que se, às vezes, não conseguimos nos expressar muito bem é, porque ainda somos iniciantes em relação à elaboração de projetos.     A disciplina de Prática de Pesquisa em Educação Química tem como um de seus princípios didáticos o diálogo no grupo. No entanto, este diálogo não foi entendido como uma possibilidade de argumentação e sim como um momento de medir poder e autoridade: Tem outra coisa, quase todos, inclusive eu, reclamamos que os nossos projetos acabaram, indiretamente mudando. Vou dar um exemplo: eu e minha colega queríamos saber se o Ensino Médio está ensinando Química com o cotidiano, se está fazendo com que a Química pareça algo que não é desse mundo real, só fórmulas, não relacionando com o dia a dia, não fazendo o aluno pensar, e assim decorar métodos de resolver fórmulas. Então, veio a mudança, a professora sugeriu a seguinte pergunta: "que elementos químicos os alunos do Ensino Médio associam aos alimentos?" e o nosso era "se eles associavam". Respondendo quais os elementos químicos que eles relacionam, respondem o nosso "se", por isso mudamos e ficou até melhor.     No relato desta aluna, a discussão no grupo favoreceu tornar o projeto de pesquisa mais claro e delimitado. A sugestão da professora parece referir-se mais ao instrumento de coleta de dados, mas a fala do professor, no entendimento da aluna, precisava ser aceita e foi.

    Assim, os entendimentos tradicionais sobre a avaliação dominada pela produção de um produto com características exigidas pelo professor, bem como a visão do professor como um algoz que castiga pela avaliação, pela crítica, contribuíram para a manifestação de resistências pelos alunos.

    Nesta categoria que denominamos de resistências, então, emergiram manifestações que interpretamos como sendo resultantes das teorias tradicionais de ensino, aprendizagem, avaliação e ciência. Estas resistências conviveram com um conjunto de aprendizagens que passamos a descrever a seguir e é neste palco de resistências e aprendizagens que cada indivíduo pode superar seus limites e ir aprendendo outros modos de entender a sala de aula. O diário de classe registra este movimento de superação destas resistências, mas como as disciplinas são optativas, só se matriculam nas disciplinas seguintes os alunos que conseguiram perceber parte destes limites.


As aprendizagens

    As aprendizagens relatadas fortalecem nosso argumento de que a Prática de Pesquisa é um espaço em que convivem resistências e aprendizagens e que é este convívio que possibilita, pelo diálogo em sala de aula e pela interlocução teórica e empírica, enriquecer o conhecimento profissional dos professores em grupos de pesquisa.


Aprender a aprender com o outro

    Uma das aprendizagens que se destacou foi o avanço no entendimento do que é ser aluno. Com o envolvimento na disciplina ao longo dos anos, a concepção do que é ser aluno vai se transformando, mostrando a importância da participação efetiva no grupo:

Penso que nessa segunda vez que estou tendo a oportunidade de fazer parte dos integrantes da disciplina. Me sinto muito mais dentro da disciplina do que antes. Por isso a primeira vez digo que cursei e esta digo que faço parte.     Entendimento semelhante foi destacado por outro aluno quanto à participação no grupo como um sujeito que se envolve no processo de ensino e de aprendizagem e não apenas como executor de tarefas planejadas previamente pelo professor: Devido ao descomprometimento do grupo, sugiro que para o próximo ano, professores e professoras e até mesmo, alguns estudantes que já estão envolvidos com a disciplina, possam realizar um planejamento juntos.     A fala deste aluno, no entanto, permite perceber que parte dos alunos e professores agiram com certo grau de descompromisso, reforçando a idéia de convívio entre resistências e aprendizagens.

    A aprendizagem de se constituir parte de um grupo vem a superar a idéia presente no conjunto de resistências de que os professores dominam, detém a autoridade, mandam e os alunos executam. Se alguns alunos continuam resistindo e pensando da mesma forma, entretanto, outros alunos mostram ter avançado neste aspecto.

    Entendemos que esta mudança de visão de objeto do ensino do professor para sujeito da aprendizagem sinaliza para alunos que passam a encarar aprender a aprender como foi expresso por alunos e professores: Acredito que aprendemos muito com uma disciplina em que o próprio estudante norteia sua aprendizagem. A professora da disciplina ressaltou este mesmo aspecto: Mas não falei ainda de algumas aprendizagens que para mim tem sido notáveis nos alunos. Talvez a maior delas esteja na iniciativa em aprender.

    As aprendizagens não ficaram restritas aos alunos. O papel do professor na visão tradicional de ensino está centrado na transmissão de um conteúdo. Um novo entendimento sobre este papel é quando o professor entende-se como aprendiz, o que pode ser percebido no relato a seguir:

Também tenho aprendido a enxergar as resistências com mais paciência, mas de novo, nem sempre consigo, o que sempre atrapalha. Por exemplo, quando entro de sola em conflito com algum aluno por manifestar alguma concepção tradicional de ensino como chegar tarde, sair cedo, por no professor o papel exclusivo dele aprender. Mas penso que tenho evoluído ao longo destes anos.     Esta mesma professora mostra outra aprendizagem em e seu relato: Tenho aprendido também que as tarefas iniciais aos alunos (bastante diretivas) não podem ser demasiado complexas em termos de leituras e escrita, por isso tenho procurado fazer isso de forma mais leve que nos anos anteriores. E ela segue dizendo: Talvez seja essa a grande aprendizagem que tenha tido: enxergar as minhas concepções sobre ser professor espelhadas pela manifestação das resistências dos alunos.

    Esta aprendizagem da professora muda sua visão sobre o aluno. O aluno que resiste não o faz de maneira consciente e sim, na maior parte das vezes, de forma inconsciente e estas resistências podem ter origem tanto no conhecimento dos alunos sobre o que é uma aula, um professor e um aluno, por exemplo, como pode também iluminar lacunas no conhecimento do próprio professor. Os alunos e professores vão se apropriando de novos discursos não de uma única vez, mas em ciclos de aprendizagem sucessivas que vão tornando o conhecimento dos envolvidos mais enriquecido, sem que isto seja entendido que estas aprendizagens seguem uma ordem linear.

    Assim, uma das aprendizagens que esta disciplina tem proporcionado é sobre o entendimento do que significa ser aluno, ao superar visões sobre aprendizagem como um processo passivo e assumir o aprender a aprender. Outra forma importante de aprendizagem é na participação do aluno no grupo de pesquisa, não como um sujeito subalterno à espera de comandos, mas um sujeito que participa, sugere, contribui para o trabalho que está sendo desenvolvido. Uma terceira aprendizagem, no nosso entender bastante significativa, é a do professor que aprende a ser professor pela análise da sala de aula. Ou seja, o professor que passa a perceber a sala de aula como espaço de pesquisa.



Aprender apesar das dificuldades
 
    Outro conjunto de aprendizagens foram as relativas a procedimentos de pesquisa: fazer parte de um grupo, ter que realizar leituras, escrever sínteses, apresentar resultados, esquematizar projetos de pesquisa. Estas aprendizagens são diferenciadas do que é usual nas salas de aula em geral e por isso pode-se pensar que seja normal aparecerem resistências neste aspecto como já foram anteriormente salientadas.

    O interessante é quando os participantes do grupo passam a perceber suas próprias dificuldades e as entendem como possibilidade de transformação:

Mas eu vejo que essa dificuldade é normal e que eu vou aprender com as minhas dificuldades, e que elas vão me fazer crescer, para que eu possa continuar na disciplina, não só neste ano, mas também nos próximos anos.

Estamos sempre tendo que ler, escrever ou falar e isso ajuda muito na minha formação acadêmica. Às vezes, começo a ler trabalhos realizados nos anos anteriores e vejo o quanto melhorei e espero melhorar cada vez mais. E quando os professores me corrigem erros de português eu agradeço.

    Um dos aspectos ressaltados nesta fala é a correção do texto escrito como modo de aprender que denota o quanto é preciso exercitar a escrita também nos cursos de graduação. Outra perspectiva sobre a escrita aparece no relato de um aluno que entende que é pela escrita que ele constrói seu pensamento: Acredito que, apesar dos problemas que posso apresentar em escrever, todos nós devemos aprender a regular nossos pensamentos através da escrita. Isto é, devemos perceber esta forma de comunicação como um meio pelo qual aprendemos.     Muitos alunos afirmaram ter dificuldade em escrever. Acreditamos que isto se deva, principalmente, por não estarem acostumados a esse tipo de atividade dentro da Universidade, pois os professores, em grande parte, não estimulam o aluno a escrever. Estes estão habituados a copiar textos prontos. Nesse sentido, ao ser exigida alguma criatividade ou autonomia na elaboração de um texto os alunos apresentam dificuldades: não tínhamos nem idéia de como iríamos fazer.

    E cabe finalizar este item com a fala do aluno que assume suas próprias dificuldades em escrever:

Para finalizar este relato sobre a escrita gostaria de citar um pequeno poema no qual me identifico completamente: O terrível instante. Antes de escrever eu olho, asssustado para a página branca de susto.. Mário Quintana. ( A essência do poema expressa que mesmo para quem sabe escrever, como por exemplo o autor, não é uma atividade fácil).     Um outro conjunto de aprendizagens salientadas foi em relação a procedimentos de pesquisa como ler artigos, elaborar sínteses, mas o mais salientado é a escrita. Existe uma forte resistência dos alunos e as lacunas que eles apresentam são grandes. Com o desenvolver da disciplina eles vão perdendo o medo, vão elaborando pequenas sínteses e vencendo as dificuldades, ao mesmo tempo que assumindo a escrita como um modo de aprender.


Assumir-se professor

    O terceiro conjunto de aprendizagens vem ao encontro de um dos problemas dos cursos de Licenciatura que é a falta de interesse dos alunos em ser professores (Pereira, 1998; Lüdke, 1994). Os alunos optam pela Licenciatura com outros objetivos que não a docência. Um destes objetivos é obtenção de um diploma de curso universitário. Estes mesmos autores assinalam que também é freqüente que os alunos cursem concomitantemente o curso de Bacharelado e de Licenciatura, conferindo maior importância às disciplinas de conteúdo específico do que ao tratamento pedagógico dado durante o curso. Este aspecto é bastante favorecido por aprendizagens ambientais com os professores que reforçam a importância da formação do pesquisador em detrimento da formação do professor. E isto ainda se agrava porque, na maioria destes cursos, não há um grupo de professores que se responsabilize pela formação do professor. Se os professores da área específica dão maior importância à formação do pesquisador, paralelamente os professores da área pedagógica preferem trabalhar com os cursos de Pedagogia, ficando órfã a Licenciatura.

    De tudo isto, fica claro que uma mudança do entendimento dos alunos sobre ser professor traz um grande avanço na sua formação.

    Neste sentido, a disciplina mostrou ser espaço não só de construção de conhecimento profissional mais articulado em que o aluno se assume responsável pela aprendizagem, como também ficou explicitado em diferentes falas que o aluno passou a entender-se como um futuro professor:

Assim, considero o processo (ler, escrever e divulgar oralmente) fascinante, pois consigo me ver como um sujeito construtor de conhecimento. Um conhecimento que é fundamental para a minha ação docente.     Esta mesma visão aparece em outro relato agora acrescentado da importância em aprender a fazer pesquisa ainda durante a graduação, o que está mais coerente com um entendimento sobre ser professor que incorpora também características de pesquisador de sua sala de aula: Acho importante que, nós, alunos da Licenciatura, possamos discutir sobre o ensino de Química e sobre o nosso papel enquanto professores, e de aprender como um projeto é elaborado, discutido e desenvolvido.     A relevância dos conhecimentos pedagógicos é pontuada no relato a seguir, aspecto bastante importante uma vez que as aprendizagens naturais privilegiam o conhecimento das disciplinas de conhecimento específico em detrimento do conhecimento pedagógico. No relato a seguir uma aluna destaca não ser suficiente ter conhecimentos apenas nas áreas específicas: Nosso curso é de formação de professores, por isso não é suficiente apenas adquirir conhecimentos da Química, Matemática, Filosofia, etc.. Essa disciplina vem complementando a nossa formação.     Esta fala da aluna também pode ser evidência de que as teorias pedagógicas sobre ser professor são uma rede intrincada de teorias muitas vezes incoerentes entre si. Apesar de entendermos que, no relato, a aluna queira afirmar sobre a importância das disciplinas pedagógicas, ela as entende como "complementares" e não como fundamentais.

    A visão dicotômica entre o pesquisador e o professor também aparece neste relato que colocamos ao final, para reafirmar nossa tese de que a aprendizagem é um processo lento e que as apropriações de novos significados no discurso de cada um sobre ser professor precisa ser um processo permanente na formação dos professores:

A pergunta a responder no projeto é se a chuva na cidade é ácida, e se for, qual grau de acidez apresentado. Desta forma, espero aprender bastante com a pesquisa, para que futuramente, eu possa realizar algum trabalho juntamente às escolas sobre a poluição atmosférica na cidade.     Como podemos perceber neste relato, o aluno afirma que pretende fazer "um trabalho junto às escolas" com o seu conhecimento químico sobre chuva ácida. Diferente seria se ele dissesse que o conhecimento químico desenvolvido durante a pesquisa sobre a chuva ácida seria importante para ele como professor de Química atuar na escola. Ainda este aluno, no nosso entender, não se assumiu professor completamente. Parece-nos mais a visão de um pesquisador que vai atuar na escola para ela e não com ela.

    Em síntese, a pesquisa em sala de aula na área de Educação Química pode favorecer a transformação de entendimentos sobre o que é ser professor. Esta é, no nosso entender, a mudança fundamental que precisa ocorrer com os alunos da Licenciatura que fazem o curso por outras razões e com outros objetivos que não ser professores.



Algumas conclusões

    Entendemos que a pesquisa como princípio didático na formação do professor de Química possibilita a construção de um conhecimento profissional mais integrado e fundamentado, sendo assim condição necessária na articulação dos currículos dos cursos de Licenciatura em Química e da formação permanente dos professores, aqui incluídos os formadores. Assumir a pesquisa como princípio didático tem implícita a idéia de que o próprio formador precisa estar sempre questionando sua prática pedagógica para também tornar suas teorias sobre ser docente mais complexas.

    Com esta tese fortalecida pelos dados analisados cabe fazer algumas conclusões do que até aqui foi aprendido. A pesquisa em sala de aula tem mostrado ser uma profícua possibilidade de explicitação de verdades cristalizadas no pensamento de alunos e professores sobre a profissão docente. Assim, a constituição de grupos de pesquisa que incluam professores na formação inicial e continuada parece ser uma forma de melhorar o conhecimento profissional de todos, a partir da explicitação pelo grupo de seu conhecimento sobre um tema escolhido.

    Assim, é preciso pesquisar formas que se aproximem das possibilidades de aprendizagem, o que pode vir a facilitar a apropriação de conhecimento profissional em níveis mais significativos. Uma das possibilidades que podemos destacar, é o trabalho inicial de pesquisa a respeito de conceitos químicos, aparentemente compreendidos por todos os envolvidos. Por outro lado, as chances de aprendizagem se mostram tanto mais facilmente quanto maior for a explicitação das resistências. Um olhar atento dos mais experientes no grupo permite perceber este movimento de inércia à mudança e, desta forma, reorientar o trabalho procurando minimizar estas resistências.

    Relevantes também são as resistências que surgem ao trabalho proposto em razão de teorias bastante tradicionais de como uma aula deve ser, de qual é o papel do professor, de quanto o aluno deve se envolver para alcançar a aprovação.

    De outra parte, o diário de classe coletivo mostrou ser um instrumento rico de manifestação de resistências. Essas resistências funcionam como um sinalizador de lacunas do conhecimento profissional do grupo. Ao mesmo tempo, o diário sinaliza para o movimento em direção às aprendizagens e este é um processo cíclico. A cada ano, os alunos novos manifestam as mesmas resistências que os alunos mais antigos superaram.

    As aprendizagens desenvolvidas mostraram um avanço nos entendimentos do que é ser aluno, em que este passou a perceber-se como um sujeito que valoriza a participação efetiva no grupo para aprender. Aprendizagens sobre o trabalho coletivo, entendendo a participação no grupo como um processo de ensino e de aprendizagem e não apenas como um sujeito executor de tarefas planejadas previamente pelo professor foram também resultados percebidos com este tipo de trabalho.

    O processo reflexivo que se instaurou em algumas das aulas indica que pesquisar as teorias dos participantes é um modo eficiente de proporcionar avanços nas teorias pessoais de todos os envolvidos.

    A prática de pesquisa em Educação Química mostrou também favorecer aprendizagens importantes como constituir-se em um novo sujeito pelo diálogo no grupo, ampliado pela leitura e escrita. E na escrita foi onde se perceberam as maiores dificuldades ao mesmo tempo que as satisfações por ir conseguindo colocar no papel as idéias próprias. Este conjunto de aprendizagens encaminhou alguns alunos para a autonomia e para assumirem-se professores, esta a aprendizagem mais significativa considerando o contexto em que se situam as Licenciaturas.


Referências

CANÃL, P. et al. Investigar en la escuela: elementos para una enseñanza alternativa. Sevilha: Díada, 1997.

DE CERTEAU, M. A Invenção do cotidiano : 1 – artes de fazer. Trad. E. F. Alves. Petrópolis : Vozes, 1996.

DEMO, P. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre: Artes Médica Sul, 2000.

______. Pesquisa e construção de conhecimento : metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1997.

GALIAZZI, M.C. 2000. Educar pela pesquisa: espaço de transformação e avanço na formação do professor de Ciências. Porto Alegre, PUCRS, 2000. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2000.

LÜDKE, M. Avaliação institucional : formação de docentes para o ensino fundamental e médio (As licenciaturas). Cadernos CRUB, Brasília, v. 1, n. 4, 1994.

MALDANER, O. A. A pesquisa como perspectiva na formação continuada do professor de Química. Química Nova, v. 22, n. 2, p. 289-292, 1999.

PEREIRA, J. E. D. A formação de professores nas licenciaturas: velhos problemas, novas questões. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 9. Águas de Lindóia, 4-8 maio 1998. Anai... Águas de Lindóia, 1998. p. 341-358.

PORLÁN, R., RIVERO, A. El conocimiento de los profesores. Sevilla : Díada, 1998.

RAMOS, M. G. Avaliação do desempenho docente numa perspectiva qualitativa : contribuições para o desenvolvimento profissional de professores no ensino superior. Porto Alegre, PUCRS, 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1999.

SANTOS, F. e MORTIMER, E.F. Táticas de resistência em aula de Química. Química Nova na Escola. n.10, 1999,p. 38-42.

SCHNETZLER, R. P. Contribuições, limitações e perspectivas da investigação no ensino de Ciências Naturais. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 9. Águas de Lindóia, 4-8 maio 1998. Anais ... Águas de Lindóia, 1998. p. 386-402.

SCHNETZLER, R.P e ARAGÃO, R. importância, sentido e contribuições de pesquisas para o ensino de Química. Química Nova na Escola. São Paulo: n.1, maio 1995, p.27-31

WERTSCH, J. Voices of mind : a sociocultural approach to mediated action. 3. ed. Cambridge, Mass. : Harvard, 1994.

______. Mind as action. New York: Oxford, 1998b.

WERTSCH, J., DEL RIO, P, ALVAREZ, A. Estudos socioculturais da mente. Porto Alegre : ArtMed,1998a.

[1] Fundação Universidade do Rio Grande - Departamento de Química - Núcleo de Pesquisa e Educação em Química; e-mail: carmo@nupeq.furg.br
[2] Inicialmente eram 5 os professores que atuavam nas disciplinas. Um dos professores afastou-se ao final do primeiro ano e uma professora aposentou-se no final de 2000.
[3] O autor usa indistintamente os termos meios mediacionais e ferramentas culturais ao referir-se aos artefatos ( culturais, técnicos) envolvidos na mediação que têm o papel essencial de modelar a ação. Estas ferramentas só tem impacto quando são usadas. Ao ser incluída, esta ferramenta altera todo o fluxo e a estrutura das funções mentais.