PARCERIA ENTRE UNIVERSIDADE E ESCOLA PÚBLICA PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL COM TEMAS DE GEOCIÊNCIAS


EQUIPE DA UNIVERSIDADE
Maurício Compiani

Silvia F. M. Figueirôa
Pedro W. Gonçalves
Vívian B. Newerla
Adriano Nogueira
Alexandre Altomani
Gabriela Finco
Fernanda K. M. da Silva

EQUIPE DA REDE PÚBLICA
Maria José L. de Souza
Nancy N. G. Sugahara
Heronilda de Alcântara
Ana Mara F. Picciuto
Santa B. da Silva Neta
Luzia M. G. Teixeira
Maria da Glória Lourenço
Maria do Socorro O. Carvalho
Inês dos S. Vieira
Genir F. B. dos Santos
Genoefa T. dal Bó Marquezini
Helena Ceolin
Denise Y. S. Sumaio



Resumo

    Apresentam-se algumas características, reflexões e resultados finais do Projeto ‘Geociências e a formação continuada de professores em exercício do ensino fundamental’. O projeto é centrado no professor e não numa unidade escolar, e no tratamento de temas de Geociências no ensino fundamental. Prioriza a atividade do professor na sala de aula envolvendo a educação continuada de professores segundo duas vertentes complementares entre si: a formação do professor-pesquisador em exercício e orientações construtivistas do processo de ensino-aprendizagem. Projeto de pesquisa colaborativa entre a universidade e escola pública que se apóia em abordagens de pesquisa-ação para propiciar que o processo interativo-reflexivo seja condição privilegiada para a formação e desenvolvimento de professores. O enfoque teórico-metodológico é perpassado por quatro aspectos inter-relacionados que são: papel do conteúdo específico no processo de ensino-aprendizagem, escola como um dos ambientes sociais de construção de conhecimentos, adoção de orientações construtivistas no processo de ensino-aprendizagem e relação teoria-prática no processo de socialização profissional do professor. São apresentados resultados e reflexões de diversas ordens: que possam influenciar na implementação de políticas públicas; que possam ter algum impacto na escola e algum impacto no mundo mais acadêmico.
Palavras-chave: Formação continuada de professores, ensino fundamental, ensino de geociências, pesquisa-ação, investigação em sala de aula


Abstract

    The paper presents some characteristics and educational thoughts of the project "Geosciences and the continuos formation of teachers for the basic school". The centers of the project are the teacher, not the school, and the systematic adoption of geoscientific themes in pre-college teaching. Teachers´ activities in classroom are of paramount importance within this conception of in-service training, which develops itself accordingly to two complementary paths: the transformation of the teachers into researchers of their practices, and the adoption of constructivists approaches for teaching learning processes. This project, a cooperation between the university and public schools, is based upon research-action strategies in order to enable interaction-reflection processes as privileged ways of teachers' evolution. Four interrelated aspects sustains the theoretic and methodological approach, namely: a) the role of specific contents in teaching learning process; b) the school as a social environment of knowledge construction; c) constructivist guidelines; d) relation between theory and practice in the teachers professional socialization process. It presents diverse results and reflections: one can influence the implementation of public policies; others can get some influence in the school and in the academy.
Key words: teachers continuos formation, basic school, geoscience educacion, action research, classroom research



Introdução

    Esse trabalho visa apresentar reflexões e resultados finais do projeto "Geociências e a formação continuada de professores em exercício no ensino fundamental"; experiência desenvolvida nos anos de 1997 a 2000.

    Na parte ‘face do projeto’, sinteticamente, caracterizamos o projeto. Na ‘pesquisa da formação continuada’ configuramos a pesquisa desenvolvida e apresentamos os principais resultados e reflexões.


A face do projeto

    O projeto foi uma das atividades do Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino (DGAE) do Instituto de Geociências da UNICAMP. A pesquisa foi desenvolvida com alunos da 5ª a 8ª séries (11 a 14 anos) do ensino fundamental[1]. As atividades buscaram enfrentar problemas de ensino e aprendizagem detectados, particularmente, no que diz respeito aos temas de Geociências, pois esses são importantes para os alunos do ensino fundamental, além de possuírem potencialidade para estudos interdisciplinares e ambientais. Admite-se que às Geociências[2] cabe uma parcela importante para preparar os alunos desse nível de ensino para o trabalho em uma sociedade caracterizada pelo impacto de novas tecnologias e crise ambiental.

    A equipe de pesquisa organizou-se do seguinte modo: pela Universidade - 3 professores até 1998, depois 2, 1 mestranda, 4 bolsistas de iniciação científica; pelo Instituto Paulo Freire (ONG) - 1 pesquisador; pela escola pública – professoras, assim distribuídas por disciplinas e anos de atividade:

1997
1998 
1999
2000
CIÊNCIAS
4
3
3
3
GEOGRAFIA
6
7
4
4
HISTÓRIA 
1
-
2
2
PORTUGUÊS
2
2
2
2
MATEMÁTICA
2
2
2
2
TOTAL DE PROFESSORES
15
14
13
13
TOTAL DE ESCOLAS 
8
10
9
9

    Quatro foram os objetivos principais do projeto:

1- construir uma proposta de formação continuada do professor enquanto pesquisador visando a melhoria do ensino. Isto deve ser feito por meio de uma aproximação do trabalho da universidade e do trabalho do professor na rede escolar oficial do Estado de São Paulo;

2- construir e avaliar se são generalizáveis atitudes e metodologias específicas de Geociências como constituintes da formação continuada de professor-pesquisador;

3- detectar dificuldades reais de formação dos professores, para se poder planificar ações que permitam superá-las ou atenuá-las, procurando articular modos que partam da auto-avaliação da própria prática individual e das equipes de trabalho;

4- incentivar os professores a desenvolver temas relevantes de Geociências (incluindo diversos campos das Geociências, história e filosofia da ciência, relações entre diferentes ciências) acompanhando as Propostas Curriculares do Estado de São Paulo, envolvendo trabalhos conceituais, experimentais e atividades de campo. A seleção de tais temas se baseia em sua importância social e cultural em acordo com nosso contexto histórico.

    O projeto foi centrado no professor e priorizou a atividade deste na sala de aula, envolvendo a educação continuada de professores segundo duas vertentes complementares entre si: a formação do professor-pesquisador em exercício e orientações construtivistas do processo de ensino-aprendizagem na sala de aula. Foi um projeto de pesquisa colaborativa entre a universidade e escola pública que se apoiou em abordagens de pesquisa-ação e na perspectiva crítico-dialógica para propiciar que o processo interativo-reflexivo fosse condição privilegiada para a formação e desenvolvimento de professores. O enfoque teórico-metodológico é perpassado por quatro aspectos inter-relacionados que são: papel do conteúdo específico no processo de ensino-aprendizagem, escola como um dos ambientes sociais de construção de conhecimentos, adoção de orientações construtivistas no processo de ensino-aprendizagem e relação teoria-prática no processo de socialização profissional do professor.

    A intencionalidade da nossa intervenção enquanto formadores das professoras e delas como formadoras de alunos é constituinte de nossa proposta de formação continuada e da investigação em pauta nesse projeto. Mais ampla e profundamente do que isso, Carr (1996) defende em seu livro que, para tratar de questões que transtornam ou preocupam os profissionais da educação, é necessário que os mesmos participem das teorizações sobre a educação, como um aspecto do processo de melhoria da prática educativa.

    Segundo Elliott (1994), a investigação educativa em sala de aula implica necessariamente os professores e alunos como participantes ativos no processo de investigação. Se Carr e Elliott estão corretos, são os problemas práticos cotidianos experimentados pelos professores que potencialmente podem ser transformados em problemas de pesquisa. Isso coloca, como um dos centros da pesquisa, a sala de aula, na direção do que Cachapuz (1997) considera como crucial para o desenvolvimento futuro das investigações em Didática das Ciências: ou seja, a idéia é dar maior ênfase a estudos que sejam típicos do contexto em que se desenvolve o processo de ensino-aprendizagem e buscar tratar pesquisadores, professores e alunos como sujeitos reais e sociais, e não como meras amostras estatísticas.

    As características do pensamento e postura do professor não são características pessoais desse professor, mas sim de um professor engajado com outros em atividades sociais, com o ambiente e cultura escolar. Daí que a formação permanente de professores, além de ser uma heurística da prática, é também um grande problema teórico: ela constitui uma unidade de estudo que integra dinamicamente, dialeticamente o professor e o ambiente escolar.

    O foco deve caminhar do indivíduo como tal para o indivíduo na atividade social. O foco está no sistema social no qual esperamos que os professores aprendam e ensinem, com o entendimento de que este sistema é mútua e ativamente criado por eles e por nós (formadores) e por eles e seus alunos.

    O projeto de pesquisa tem três componentes centrais, interligados e com interferências múltiplas entre os mesmos, que são os seguintes:

  1. – investigação da formação continuada de professores em exercício;
  2. – formação continuada de professores em exercício;
  3. – docência desses professores em suas respectivas escolas.
    O caráter da formação continuada e a concepção de professor que pretendemos formar vão constituir e configurar a maior ou menor interpenetração dos componentes anteriores. Pela nossa opção, como formadores de professores, tínhamos que buscar modos adequados de formação continuada que levassem em conta a necessidade de discutir posturas, atitudes, habilidades para ensinar e posturas, atitudes, habilidades de pesquisa para analisar as práticas escolares dos professores com os alunos e na escola.

    Do ponto de vista da investigação da formação continuada, como buscávamos elaborar uma espécie de ‘proposta curricular’ que implicasse um processo de formação do professorado em exercício, através da investigação que o próprio professor faz de seus pressupostos pedagógicos, de sua atuação e conseqüências, e também pretendíamos construir uma concepção de formação para a investigação e/ou formação pela investigação, sabíamos que poderíamos ter mais dados de pesquisa se conseguíssemos tratar de modo mais integrado a formação dos professores e a sua própria sala de aula. A nossa idéia era experimentar o aprender a ensinar ensinado.

    O trabalho com unidades didáticas (UDs) e investigações educativas (IEs) forma o corpo de uma metodologia de formação continuada que foi adotada como o cerne da formação dos professores.

    Uma recapitulação das etapas do projeto e exemplos de atividades. No primeiro ano, 1997, na fase exploratória, 1º semestre, iniciamos a elaboração das UDpilotos, levando adiante nosso objetivo 3 que é detectar necessidades reais de formação dos professores. Partimos das escolhas das professoras, de sua prática docente e verificamos muitos problemas, como por exemplo, não sabiam planejar, selecionar e seqüenciar conteúdos, definir objetivos, em suma, não sabiam elaborar uma UD. No final do primeiro semestre de 1997, apresentaram o 1º relatório semestral e verificamos uma profunda dificuldade em redigir, descrever as atividades realizadas. Um distanciamento e um olhar reflexivo sobre a sala de aula, sobre o que elas faziam foi profundamente custoso. Vários passos foram dados para suprir essas deficiências. No segundo semestre de 1997, 1ª etapa, além da continuidade da aplicação das UDs introduzimos as IEs. Elas foram pensadas para auxiliar as professoras em um auto-conhecimento, no conhecimento de seus alunos, da escola e seu entorno. Pensadas para introduzir esse distanciamento, esse olhar para si e para a sala de aula, em outras palavras, uma atitude mais reflexiva. Pensadas como metodologia de formação continuada do aprender a ensinar ensinando. Pensadas como possibilidade para formar o professor que pesquise o seu ensino.

    A seguir, exemplos de UDs e IEs realizadas na 1ª etapa no ano de 1997 (Ver Compiani et al, 1998 e 2001):
 

Disciplina e turmas Unidade didática Investigação educativa
Geografia - 7ª séries F e G

Matemática - 5ª série J 

Ciências - 5ª série

Setores da economia 

Confecção de mapas do ambiente escolar a partir de figuras geométricas e noções de espaço

O Sistema Solar - formação e características

A localidade como elemento facilitador, motriz no ensino de Geografia

Testar a contribuição da Matemática em Geociências e vice-versa e trabalhar a Matemática a partir da realidade dos alunos

Idéias prévias e representação visual ligadas ao tema Sistema Solar de uma 5ª série problemática

    Em todas essas três disciplinas, qual era o desafio? Ensinar de modo mais contextualizado, levando em conta a realidade do aluno, elaborando UDs próprias e com reformulações aos programas e livros adotados. Em Geografia, a partir da localidade, no entorno da escola, foram feitos sociogramas para identificar vários aspectos dos setores da economia. Esses dados foram utilizados no e para o ensino. A professora orientava a coleta e o trabalho de interpretação e posteriores interrelações entre o local e global e os conteúdos geográficos pertinentes (ou seja, ensinava os setores da economia), ao mesmo tempo que investigava as potencialidades das opções adotadas da localidade como motriz do ensino. Investigava se o desafio a que se tinha proposto, estava sendo enfrentado. Nas disciplinas de Matemática e Ciências, o mesmo modo de ensinar e pesquisar foi experimentado.

    No ano de 1998 e primeiro semestre de 1999 foi um exercício dessa prática que do nosso ponto de vista é um fio condutor da formação permanente de professores em exercício: aprender a ensinar ensinando conjuntamente com o investigar o ensinar ensinando. Destaque deve ser dado à fase final do projeto, no qual os professores da rede pública de ensino, após a participação com sucesso no Seminário "Universidade e Escola: pesquisa colaborativa para a melhoria do ensino público" promovido pela FAPESP em agosto de 1999, constituíram a rede virtual da equipe, dividiram-se em equipes e elegeram temas relevantes para reflexão e análise com o objetivo de aprofundar, sob a própria ótica, as experiências realizadas durante o projeto. A partir desse momento, a orientação/supervisão passou a ser a chamada tutoria virtual, a qual interferiu de modo decisivo no processo de elaboração e autoria dos trabalhos individuais (experiência de destaque) e coletivos (temas elegidos) por meio de comentários e revisões via redator de texto e e-mail, e, no caso das experiências de destaque, houve algumas reuniões presenciais com os professores.

    Na etapa final, segundo semestre de 1999 e ano 2000, foram elaborados dois tipos de estudos de caso com pelo menos dois enfoques que se entrecruzaram e se ajudaram reciprocamente para a realização a bom termo do projeto como um todo: os temáticos e reflexivos da prática pedagógica realizados pelas professoras e aqueles envolvendo avaliação e perspectivas da formação continuada em Geociências realizados principalmente pelos coordenadores da universidade. Assim as UDs e as IEs elaboradas e aplicadas são ao mesmo tempo produtos do projeto e o que, talvez, seja o resultado mais relevante: constituíram-se em uma estratégia principal da metodologia de formação continuada.


Pesquisa da formação continuada

    Esta pesquisa, que foi um estudo de caso, passou pelas três fases clássicas de pesquisas com essa configuração, quais sejam: fase aberta e exploratória; fase mais sistemática em termos de coleta de dados e já com análise desses dados; e a terceira fase que consistiu na análise e interpretação sistemática dos dados e na elaboração do Relatório Final (Compiani et al, 2001).

    Passo primeiro para todo o processo sistemático e metódico de coleta e análise de dados foi a delimitação do estudo de caso com os elementos-chave e os contornos aproximados do problema, que estão, sinteticamente, relatados no item anterior. Outro passo foi a determinação de que tipo e grau de observação serão adotados. Em nosso caso, adotamos a observação participante para toda a equipe, pois a identidade dos pesquisadores e os objetivos do estudo contaram com a participação de todos desde a preparação do projeto. Todos tiveram acesso à gama variada de informações. E, desde o início, os papéis e interesses na pesquisa foram diferentes. Cada um desses lados pretendeu, de modo colaborativo, levar adiante a pesquisa: os pesquisadores professores da universidade investigam os professores pesquisadores da rede pública, os quais são sujeitos pesquisados e pesquisadores de suas aulas a um só tempo. A relação instituída entre esses professores pesquisadores e seus alunos foi também a de observadores participantes.

    O processo sistemático e metódico foi de fundamental importância em nosso estudo de caso para que, ao longo do desenrolar do projeto, fôssemos configurando pilares prático-conceituais, que apontam para um certo modelo de formação continuada, o qual discutiremos no item resultados. Adotamos a elaboração de relatórios semestrais e anuais tanto para a equipe coordenadora como para as professoras individualmente. Também de grande importância foram os seminários de encerramento de cada fase ou ano de atividades. Para a elaboração do relatório final, criamos coletivos de professoras que se decidiram por temáticas, olhares sobre a prática delas mesmas. Escolheram temas que se concretizaram em textos de suas autorias. Para a realização desses trabalhos coletivos e continuidade da equipe unida, pois no ano de 2000 já não havia mais as bolsas de aperfeiçoamento pedagógico da FAPESP, de fundamental importância foi a rede virtual constituída: "projeto_geociencias@ egroups.com".

    Especificamente quanto à coleta de dados, exploramos uma grande variedade de fontes de informações: observações, orientação/supervisão, entrevistas não estruturadas individuais e por grupo de professoras, questionários escritos e por e-mail, acontecimentos no espaço de debate e reflexão, trocas no grupo virtual, troca sistemática de comentários em redator de texto, relatos e análise das experiências de sala de aula, observações de sala de aula pelos bolsistas de IC, relatórios, relatório coletivo, apresentações nos seminários internos da equipe e trabalhos apresentados em eventos pelas professoras, além de outras possíveis fontes das quais a equipe ainda não se deu conta devidamente. Essas fontes tiveram peso e qualidades diferentes para o desenrolar do projeto.

    Na verdade, a grande variedade de fontes de informações é decorrente da complexidade da pesquisa proposta. Muitas vezes, isso não é percebido de imediato num projeto com as características do nosso, pois se está envolvido com a ação. Porém, a delimitação progressiva do foco de estudo ou análise dos componentes principais é básica quando na pesquisa há uma grande quantidade de variáveis e se prevê uma grande complexidade em sua dinâmica e interrelações (investigação da formação continuada, ação da formação continuada e ação docente nas escolas). Quais variáveis podem ser consideradas como principais ou quais necessitam ser destacadas para aprofundamento e melhor acompanhamento sistemático e metódico? A seguir, alguns exemplos de como essa delimitação progressiva ocorreu.

    Partimos de um objetivo amplo, mas fundamental durante toda a pesquisa, pois para a formação permanente desses professores tínhamos que saber, ou tentar saber: quais são os referenciais práticos desses professores da rede pública, que, minimamente compreendidos, possam nos dar condições de buscar as teorizações possíveis para alavancá-los em direção a práticas escolares mais fundamentadas? Os passos seguintes foram caminhando para a formulação de questões analíticas no transcorrer do projeto.

    Uma questão analítica foi: como tornar essas professoras mais autônomas em relação ao livro didático? Isso acarretou um trabalho inovador e intenso com os trabalhos de campo e estudos do meio, pois apostávamos no seu papel de realce do contexto, da teoria social de lugar, do trabalho com as categorias geográficas, da possibilidade de investigações das representações e abstrações elaboradas a partir da observação em campo, tão importantes para o ensino de Ciências, da proximidade com o cotidiano dos alunos e da possibilidade de integrar vários olhares disciplinares para a construção de uma cultura mais interdisciplinar na escola.

    Outra questão foi testar as possibilidades das abordagens construtivistas nas práticas de ensino. O trabalho com as idéias prévias mostrou-nos os avanços da equipe em escutar os alunos, os avanços em caminhar de aulas mais tradicionais para aulas mais dialogadas, em estar mais atenta à outras culturas etc.

    Na etapa final, para uma análise individualizada de cada professora participante que concluiu o projeto, de modo a caracterizá-las e verificar avanços, estagnações ou retrocessos em seu desenvolvimento profissional, essa análise foi orientada por quatro questões centrais, que resultam de nossos objetivos e referenciais teórico-metodológicos, a saber: 1) como a professora consegue fazer a integração de sua disciplina com Geociências? 2) O que a professora entendeu sobre o papel do professor como mediador e a construção de conhecimentos científicos? Como trabalhou as idéias prévias dos alunos e a mediação entre conceitos cotidianos e conceitos científicos? Ou mesmo entre seus próprios conceitos e os dos alunos? 3) A professora conseguiu trabalhar com certa autonomia em relação aos livros didáticos? 4) A professora conseguiu formular um problema de pesquisa? Como o desenvolveu?

    A delimitação progressiva é bastante comum nos estudos de caso, principalmente nos do nosso tipo, que partiu de uma confluência simultânea de diferentes objetivos em uma mesma investigação, pois buscamos informações variadas: procedimentos e produtos da dinâmica do projeto e da interpretação que os protagonistas fazem dessa dinâmica, etc. Outro exemplo disso é que começamos a fase exploratória a partir das práticas das professoras e isso gerou uma grande quantidade de temas tratados nas UDs e IEs. Já no ano seguinte, decidimos por dois grandes temas das IEs e por rearranjos nos grupos, concentrando professoras de Geografia (em dois grupos) e de Ciências (em um grupo).

    Outro aspecto importante de pesquisas como a nossa é a triangulação, entendida como a combinação de múltiplas fontes de dados de investigação por meio de diversos procedimentos (por exemplo, observação, entrevistas e relatórios). As triangulações são variáveis de acordo com as interfaces da pesquisa. Na investigação da proposta de formação permanente, elaborada principalmente pela equipe da universidade, as fontes combinadas foram principalmente observação participante da orientação/supervisão, entrevistas não estruturadas, análise de discursos no espaço de debate e reflexão, análise documental dos relatórios escritos, análise de conteúdo das trocas da rede virtual e questionários escritos e por e-mail. Na investigação do ensinar a pesquisar a sala de aula, também realizada principalmente pelos pesquisadores da universidade, as fontes combinadas foram: observação participante da orientação/supervisão, análise documental dos relatórios escritos, análise de conteúdo das trocas da rede virtual, relatos e análise das experiências de sala de aula, observação da sala de aula pelos bolsistas de IC, seminários internos da equipe. Aqui, destaque deve ser dado à análise, principalmente, dos trabalhos coletivos do Relatório Final, ao desenvolvimento da autoria pelos professores. Também, em relação à elaboração de todos os relatórios individuais de cada professora, há que se notar o papel das revisões feitas pelos coordenadores e, por fim, na reta final do projeto, ainda não integralmente compreendida, há a tutoria virtual influenciando e atuando nas revisões e estimulando a autoria dos professores. Na investigação, pelos professores, de seu ensino, as formas combinadas foram: observação participante do professor com seus alunos, dados da orientação/supervisão dos coordenadores, gravações das aulas, diários de classe, produtos variados dos alunos, análise dos discursos em sala de aula, triangulação com a observação participante dos bolsistas de IC, tutoria virtual, seminários internos da equipe.

    Sobre o conteúdo das observações há uma parte mais descritiva, em que a grande ênfase foi dada na descrição das atividades realizadas de acordo com os objetivos estabelecidos e nas observações da orientação/supervisão. Nessa parte mais descritiva, deu-se ênfase para que os professores, ao elaborarem seus relatórios individuais, o fizessem descrevendo a escola, as classes, as atividades realizadas e suas observações do comportamento da classe. Na parte mas analítica, como já explicitamos antes, sempre preocupados com a delimitação dos estudos, fomos formulando questões que direcionavam a pesquisa. Também estivemos atentos às reflexões metodológicas sobre se os procedimentos e estratégias metodológicas em uso davam conta das metas e problemas da pesquisa. Essa constante preocupação foi fundamental para o delineamento das estratégias infra-estruturais e prático-conceituais da pesquisa. Nessa parte mais reflexivo-analítica, houve grande ênfase para que os professores, em sua prática de sala de aula, formulassem problemas de pesquisa educativa, definissem premissas e coletassem dados para elaborar argumentos para a pesquisa decidida.

    Na coleta e sistematização dos dados, dois instrumentos foram os mais usados: a observação participante dos coordenadores e dos professores em suas classes e a análise documental dos relatórios de cada professora. A observação dos professores gerou seus respectivos relatórios semestrais, o final coletivo e as experiências de destaque em sala de aula. A observação dos coordenadores e a análise documental geraram extensas análises de cada professor nos dois Relatórios Parciais (Compiani et al, 1998 e 1999) e Relatório Final (Compiani et al, 2001).

    A análise documental dos relatórios das professoras foi apropriada por que tínhamos o interesse de estudar o problema a partir da própria expressão das professoras, ou seja, quando a linguagem e os raciocínios expostos são cruciais para a investigação. São fontes ‘naturais’ de informações que foram elaborados em um determinado contexto e fornecem informações valiosas sobre esse mesmo contexto. Também foi importante como triangulação de dados, pois após a observação da orientação/supervisão, apresentação nos seminários das atividades realizadas, era importante esse estudo mais detalhado dos relatórios, que deveriam materializar a fase de atividades do projeto. A análise documental era um momento muito importante de avaliação do projeto pelos coordenadores. Esse é um aspecto crucial: a análise documental foi qualitativa e bastante dirigida com o sentido de avaliação do projeto, pois os coordenadores de cada subgrupo de professoras analisavam o desenvolvimento dessas mesmas professoras por meio de seus relatórios semestrais e anuais. A forma de conhecimento utilizada foi subjetiva e interpretativa. Os conhecimentos experienciais, tais como sensações, percepções, impressões e intuições, entram em jogo nesse tipo de interpretação em que ambas as partes estiveram intensamente envolvidas no processo que culminou na produção do relatório final.


Resultados e reflexões

    Resultados e reflexões são de diversas ordens e vamos tratar, primeiro, daquelas que possam influenciar na implementação de políticas públicas, segundo, daquelas que possam ter algum impacto na escola e, terceiro, algum impacto no mundo mais acadêmico:

- subsídios para formação inicial e permanente:

    Aceitar que o currículo pode ser desenvolvido localmente, supõe um explícito reconhecimento do papel de mediação que tem as escolas e os professores em sua implementação e desenvolvimento. Para isso, devem ocorrer mudanças efetivas na prática escolar, na concepção de professor e no seu ensino. Antes, pensava-se de um modo bastante causal e linear: a mudança e substituição da prática do professor por outra mais adequada e melhor, transformaria o ensino e a escola. Hoje, sabemos que é um processo mais contínuo, orgânico e complexo de desenvolvimento do profissionalismo do professor e da gestão democrática das escolas. Antes, tratava-se de introduzir produtos acabados (materiais didáticos, técnica docente, projeto curricular) para aplicação pelos professores em suas escolas. Nesse caso, o processo de formação é o treinamento desses professores. Agora, pretende-se a introdução de estratégias e processos (formação em centros, desenvolvimento profissional como parte central da formação dos professores, parcerias colaborativas entre rede pública, ong’s e universidades, reflexão sobre a prática etc) que levem os professores e suas escolas a elaborarem seus produtos, a implementação e a gestação de um currículo nacional com uma realidade concreta social/histórica. Neste caso, o processo de formação se dá de forma contínua e permanente e no exercício da própria profissão de educador. Novas pautas são colocadas e o nosso projeto traz vários resultados e reflexões sobre essas pautas que são: formas de trabalho em equipe, procedimentos para elaboração e desenvolvimento de projetos educativos, maneiras de envolver os professores neste tipo de tarefas, criação de uma cultura de reflexão crítica sobre a prática escolar, criação de uma cultura de integração entre disciplinas etc.

- modelos de intervenção para a formação continuada:

    Nossa meta era a partir de uma concepção de formação para e pela investigação ir construindo um conhecimento coletivo - e um processo dessa construção - de Geociências para o Ensino Fundamental partilhado com a Universidade.

    O processo dessa construção é o que estamos denominando metodologia da formação continuada:

  1. - partir das práticas de sala de aula e do contexto de cada escola;
  2. - construir práticas de ensino com temas geocientíficos e introduzir investigações educativas como cerne da formação desses professores; e
  3. - criar espaços coletivos de reflexão e registro das práticas didáticas e investigações desenvolvidas.
    O grau de generalização dessa metodologia extrapola o campo do ensino de Geociências. Esse processo pode ser melhor compreendido assinalando que em nosso projeto, uma das maneiras encontradas para integrar a prática de ensino levada pelas professoras com a orientação e prática de formação continuada levada pelos professores da universidade foi adotar a implementação de UDs, pelas professoras da rede, conjuntamente com IEs sobre essa implementação. A idéia foi criar contextos para mediações sociais tais como as práticas de orientação por meio da elaboração de UDs e IEs, com as quais ia se constituindo um ambiente de sistematização, registro e certo controle de uma prática de crítica e reflexão.

- conhecimento mútuo universidade/escola pública:

    Essa discussão passa pela composição de um novo paradigma de relação e parceria colaborativa entre universidade e demais graus de ensino chegando até a uma questão ético-política: Pesquisas no interior da escola em colaboração com a universidade pertencem a quem? Quem deve ser o responsável pela sua avaliação? Quais são os critérios para sua validação como pesquisa educacional?

    Em nosso projeto, tanto as professoras quanto nós, da Universidade, estávamos no ‘mesmo barco’ em relação ao engajar-se no processo de pensar a própria prática, problematizar o sentido das ações docentes, partilhar e trocar, sistematizar as experiências de pesquisa e de formação por meio de registros e relatórios, transformar o trabalho individual em público através da apresentação em nossos seminários e eventos científicos. Elas deveriam problematizar sua formação e sua docência e, nós, a nossa prática de formação de professores. Por isso fomos consolidando um modo de trabalhar.

    Este nosso modo de trabalhar poderá trazer pistas para ‘modus operandi’ de parcerias entre a universidade e a rede pública para a formação permanente dos professores em exercício. Constituíram-se como pilares importantes, mais ligados aos aspectos infra-estruturais: infra-estrutura computacional e os cursos e oficinas pedagógicas. Os pilares de caráter mais prático-conceitual foram: o Espaço de Debate e Reflexão; a Rede Virtual – espaço de trabalho coletivo; os Relatórios de Pesquisa – espaço do registro; os Seminários de Avaliação e Participação em Eventos. Há os pilares de caráter mais estratégico-metodológico, que foram: as Práticas de Orientação, as Abordagens Construtivistas e as Práticas de Campo. Esses últimos pilares, no nosso modo de ver, por terem sido os constituintes da construção de práticas de ensino e investigações educativas, transformaram-se em grandes avanços metodológicos do projeto, que trataremos, no terceiro momento, nos avanços mais acadêmicos.

Impacto nas escolas e na qualidade profissional dos professores:

    As professoras desenvolveram uma maior consciência em relação a seu trabalho, seus limites e seu papel como educador; maior participação na vida da escola; maior respeito por parte de colegas; assumem a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional; atenção para o contexto institucional e cultural no qual ensinam.

    Pretendíamos e conseguimos, a partir da formação continuada, que o professor fosse o agente das pretendidas mudanças de aprendizagem dos alunos, tendo a preocupação de articular os conteúdos com a realidade histórica do educando, e de tornar o plano de ensino contextualizado, permitindo que o aluno analisasse e vislumbrasse possibilidades de algum tipo de interferência ou transformação da realidade. Para isso, um ponto crucial foi criar, entre os professores, a atenção para um ambiente cultural escolar de aprender a observar e de aprender com os alunos, incorporando os recursos culturais que os alunos trazem para a escola. Isso não foi nada fácil. Foi necessário, da parte do professor, uma grande capacidade de sentir e ouvir as elaborações conceituais de seus alunos. Postura que, como esperávamos, foi diferencialmente desenvolvida por cada professor.

    Os limites desse aprender a ensinar ensinando esbarra na atual configuração política da escola pública e na formação dos professores. Desde a formação inicial até a prática profissional na atual e persistente cultura escolar não há formação para a reflexão, para atuação crítica e autônoma. Não há qualquer cultura de trabalho mais integrado e coletivo entre as professoras. A escola atual não é minimamente preparada para uma estrutura pedagógica que trate o ensino com o fundamento de que a tarefa do docente deve ser entendida como um trabalho coletivo, em equipes que se envolvem para a preparação de materiais didáticos, para o intercâmbio de experiências e para a produção de conhecimentos sobre ensino-aprendizagem. A concepção de conhecimento escolar é reducionista, simplista, visto como acabado e descontextualizado, de modo que predomina um conhecimento disciplinar fragmentado e isolado. O projeto mostra que pela formação continuada é possível transformar esse quadro. A equipe da rede sob orientação realizou grandes avanços que culminaram em práticas menos fragmentadas, buscando integrações entre disciplinas, realização de muitos trabalhos de campo, justamente, para romper com esse ensino enciclopédico e descontextualizo, procurando atividades de ensino-aprendizagem que levem em conta a cultura dos alunos e que construa conceitos a partir e com essa cultura. Porém, no atual quadro isso foi possível devido a grande e intensa atividade de orientação/supervisão pela universidade, que foi configurando uma estrutura infra-estrutural e prático conceitual para a formação permanente.

    Os resultados mais paupáveis dessa `proposta curricular` em constante construção podem ser vistos da ótica da coordenação de modo sintético no capítulo de livro no prelo (Compiani & Figueirôa, s/d) e de modo não sintético no Relatório Final (Compiani, et al, 2001). Sob a ótica da equipe da rede pública há três partes no relatório final que constam visões de autoria coletiva por grupos de professores, que são: "Metodologias em Ensino de Geociências no Ensino Fundamental’’, "Atividades Interdisciplinares no Ensino Fundamental", "Construtvismo no Projeto - Práticas de Levantamento de Idéias Prévias" e "A Contribuição dos Professores da Rede Pública de Ensino Participantes do Projeto "Geociências" para as Políticas Públicas". Há o site do projeto onde os subprojetos desenvolvidos pelas professoras estão mais completos. Acesso: http://www.ige.unicamp.br/laboratorios/lrdg/index.html. Também, essas práticas podem ser lidas nos artigos que as professoras apresentaram no Congresso de Leitura (COLE): Souza & Compiani, 1999; Sugahara & Compiani, 1999 e Teixeira & Compiani, 1999.

    Houve melhoria no nível de aprendizagem dos alunos; melhoria do interesse/compromisso dos alunos com a escola; maior cobrança dos alunos, junto a outros professores, de melhorias de suas aulas. As professoras passam a tomar parte do desenvolvimento curricular e se envolvem efetivamente para a sua mudança. Algumas professoras assumem lideranças entre outras: coordenação pedagógica nas escolas.

Avanços teórico-metodológicos:

    Os avanços foram de diversas ordens. Cabe destacar os relativos ao ensino e metodologia de Geociências no Ensino Fundamental e as práticas de orientação.

- Conhecimentos e metodologias de ensino de Geociências no Ensino Fundamental:

    Houve duas práticas pedagógicas bastante trabalhadas ao longo do projeto que foram as práticas de campo e as descrições/narrativas de objetos ou eventos geocientíficos. Estas desenvolvidas mais pelas professoras de Português e História e aquelas por todas as professoras, com destaque para professoras de Geografia, Ciências e Matemática. Os trabalhos de campo são um dos resultados metodológicos mais importantes do projeto. Ele foi um dos ‘instrumentais’ mais poderoso para contextualizar o ensino, levando em conta o entorno da escola de modo amplo: sócio-ambientalmente.

    Há avanços no campo da metodologia do ensino em Geociências na escola fundamental como: desenvolvimento de práticas inovadoras, por exemplo: - cognições e gêneros lingüísticos no estudo de paisagens geocientíficas na disciplina de Português, atividades que integram narrativas individuais e sociais com discursos narrativos geográficos e históricos; - Matemática e as observações, as formas geométricas e os raciocínios espaciais; - práticas de campo e estudos do meio, tais como: articulação de observação-leitura com elaboração de textos/narrativas, observação/leitura/representação e os conceitos de lugar, paisagem e território; - integração com outros conhecimentos, apreciação estética da Terra, valores ético ambientais, religiosos, cotidianos; - práticas mais interdisciplinares que foram ensaios entre Geociências e as disciplinas; - práticas com conceitos estruturantes, por exemplo, atividades com o conceito de tempo e com o tema água.

    Outros avanços foram:

- os temas de Geociências foram tratados de integrados a outros conhecimentos (bastante diversificados), muitas vezes constituindo o próprio elemento gerador ou facilitador da integração por intermédio da adoção de conceitos estruturantes geocientíficos (como "escalas", "ciclos naturais", "tempo", "integração entre esferas terrestres", p. ex.); especial atenção foi dada a temas que trabalhassem com uma variedade de processos em diferentes escalas de espaço e tempo, bem como com uma diversidade de relações de causa e efeito, desde a linear até explicações causais múltiplas; também incentivou-se a adoção de temas que trabalhassem com analogias, padrões espaço-temporais, modelos, narrativas sucessivo-causais e o argumentar histórico; em praticamente todos os casos, foi necessário, e possível, que as professoras superassem suas deficiências de conteúdo em Geociências (e até mesmo em suas próprias áreas de formação), mediante estudos de aprofundamento, aos quais se seguiram pesquisa e utilização/elaboração (ainda que restrita) de novos materiais didáticos, e maior independência em relação ao livro didático (que, nos primeiros momentos do projeto, era adotado quase como uma "bíblia");

- os temas escolhidos envolveram a realidade próxima e cotidiana dos estudantes, propiciando maior aproximação e envolvimento das classes, e melhorias de aprendizagem; uma característica quase unanimemente adquirida, e de extrema relevância, foi a capacidade que as professoras demonstraram de começar a ouvir seus alunos, efetivamente, como exemplifica a análise dos relatórios de uma delas (professora de Português) - "Os relatórios, do primeiro para o último, revelam uma crescente atenção para os alunos e como eles desenvolvem seu pensamento de leitura e escrita. Esse cuidado sugere uma mudança de atitude profissional no âmbito da sala de aula. Trata-se de um rigor maior consigo mesma e um aumento de respeito pelos estudantes"; embora ainda longe de poderem ser classificadas como plenamente construtivistas, as professoras desse primeiro subgrupo deram passos importantes e decisivos na direção de uma metodologia de ensino construtivista, ao realizarem levantamentos sócio-econômicos e de idéias prévias de seus alunos para integrá-los ao desenvolvimento programático;

- os dois itens anteriores constituíram-se em alicerces para que as professoras arriscassem e procurassem avançar na direção de trabalhos interdisciplinares; e o que é mais importante, respaldadas ou não por colegas da mesma escola, pois muitas delas fizeram seus trabalhos sozinhas, sem que seu isolamento na unidade escolar servisse de pretexto à imobilidade; esse ponto indica, a nosso ver, conquistas profissionais concretas, que permitiram (e se exprimem através desses pontos): melhorias na redação de seus relatórios semestrais e anuais, ao aprimorarem a reflexão sobre e a análise de suas próprias práticas, culminando na produção de textos próprios sobre "Trabalhos de Campo", "Interdisciplinaridade", "Idéias Prévias" e "Políticas Públicas"; melhorias na estruturação do planejamento anual, na avaliação e na interlocução com seus alunos e colegas de unidade escolar (professores, coordenadores pedagógicos e diretores);

- os trabalhos de campo, espinha dorsal das Geociências strictu senso, foram peças-chave da metodologia educacional em Geociências praticada nesse projeto; esses estudos da natureza estão intrinsecamente ligados e dão fundamento ao trabalho com as categorias geográficas de lugar, paisagem, território, bem como à formulação de analogias e modelos dos processos naturais a partir de observações e atividades de campo, tão importantes no ensino de Ciências e de Geografia; a importância desse ingrediente metodológico no trabalho orientado pelo projeto pode ser melhor aquilatada pelo rico e informativo texto produzido pelas professoras, e que se encontra no item `Metodologia do Ensino em Geociências` do Relatório Final, em que os relatos analíticos das experiências ressalta que esses estudos do meio: a) permitiram contato direto com a natureza e seus processos; b) foram o locus privilegiado para a integração de saberes prévios, informações adquiridas em sala e observações/dados obtidos no campo; c) remeteram à localidade e ao cotidiano dos alunos; d) despertaram nos estudantes novo entusiasmo pelo aprender.

    No CD-ROM do projeto e site há as experiências de destaque e os textos coletivos elaborados para o relatório final que são produtos mais refinados de autoria das professoras sobre suas práticas de ensino, suas pesquisas e suas reflexões.

- Práticas de orientação

    As práticas de orientação foram concretizadas sob múltiplos enfoques, que se configuraram em, pelo menos, cinco modos básicos nos quais o princípio geral é o ajuste da ajuda para a formação. A idéia é de uma performance assistida, o orientador ajuda o professor em sua atividade prática com certa percepção do objetivo e dos resultados a serem atingidos, avaliando a independência, iniciativa do desempenho, tendo como meta uma maior reflexão e crítica e a autonomia do professor. Em cada situação o orientador deve optar pelo ajuste da ajuda metodológica, que pode se concretizar em: siga-me, quando percebe a necessidade de informação organizada e estruturada e faz isso oferecendo modelos de ação a imitar ou quando formula indicações e opções mais ou menos detalhadas para resolver alguma tarefa; experimentação direcionada, quando um problema, que surge da prática ou é colocado pelo orientador ou professor, é direcionado para soluções possíveis sob orientação do coordenador, mas voltado para a compreensão do problema e busca de meios apropriados para superá-lo, meios estes que vão sendo testados, demonstrados, sistematizados e descritos ao longo da experimentação. A orientação aqui pode ser chamada de ‘assistência pela demonstração’, que é a condução de um questionamento e apresentação dos elementos iniciais indicadores da solução da tarefa, e isso gera escolhas e caminhos a tomar que, por sua vez, geram práticas com soluções parciais e novos questionamentos; orientação não diretiva, quando, a partir de um certo diagnóstico, intuição das práticas e conhecimentos dos professores, formulavam-se mais perguntas e idéias apostando na iniciativa dos primeiros passos, de modo próprio, pelos professores – e, mesmo diante de um primeiro passo quase nulo, hesitava-se em passar para uma orientação mais diretiva; sala de espelhos, quando se pretendeu criar um espaço de tratamento das práticas e questões teóricas da formação continuada por meio de um processo de interação entre o orientador e professores, calcado em auto-avaliações e paralelismos e assimetrias entre orientação e docência, buscando criar esse espaço de negociações de significados em que as assimetrias de conhecimento, papéis sociais diferentes, fossem tratados o mais crítica e autonomamente possível entre os envolvidos. Na sala de espelhos podem surgir momentos em que todas as três orientações anteriores podem ser praticadas de algum modo; e, por último, tutoria virtual, que surgiu a partir da criação da rede virtual da equipe no último semestre do projeto e, do ponto de vista do tempo de duração do projeto, pode-se dizer que sua prática foi bastante incipiente, e nesse momento estamos começando a compreendê-la. Diferentemente de todas as outras orientações que se configuraram no ambiente coletivo do subgrupo ou do grupão, em que várias vozes estão em interlocução no mesmo momento, essa orientação é típica de uma relação de interlocução mais individualizada, em que os comentários do tutor podem ser lidos por cada professor e cada professor pode respondê-lo individualmente. Às vezes, houve a possibilidade de respostas em grupo, mas mesmo nessa situação, todos haviam recebido antes, individualmente, os comentários. Houve uma relação bastante "microscópica" entre tutor e cada uma das professoras. Outro ponto importante de distinção é que nas outras orientações o meio utilizado para mediação é, por excelência, a oralidade, e as leituras e escrita começam a brotar nos momentos de redação de algum produto, como relatórios, p. ex.. Na tutoria virtual, são essencialmente a leitura e escrita os meios pelos quais se dá a mediação. Idêntica à sala de espelhos, a tutoria virtual pode praticar todas as orientações anteriores, inclusive a própria sala de espelhos, e faz isso por meio da escrita e da leitura.



Referências 


CACHAPUZ, A. F. Investigação em didáctica das Ciências em Portugal: um balanço crítico. In: PIMENTA, S. G. (Org.) Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997, p. 205-240.

CARR, W. Una teoría para la educación – hacia una investigación educativa crítica. Madrid: Ed. Morata, 1996, 173p.

COMPIANI, M.; FIGUEIRÔA, S.F.M.; GONÇALVES, P.W.; NEWERLA, V.B.; NOGUEIRA, A.; ALTONAMI, A.; FINCO, G.; FERNANDES, R.B.; EQUIPE DA REDE PÚBLICA. Geociências e a formação continuada de professores em exercício do ensino fundamental. Relatório científico parcial, Processo: FAPESP -96/2566-4. Depto de Geociências Aplicadas ao Ensino, IG/UNICAMP, 1998a, 151p. + Relatórios Científicos individuais de cada professora, 456p.

COMPIANI, M.; FIGUEIRÔA, S.F.M.; GONÇALVES, P.W.; NEWERLA, V.B.; NOGUEIRA, A.; ALTONAMI, A.; FINCO, G.; SILVA, F.K.M.; SILVA, R.B. EQUIPE DA REDE PÚBLICA. Geociências e a formação continuada de professores em exercício do ensino fundamental. Relatório científico Final, Processo: FAPESP -96/2566-4. Depto de Geociências Aplicadas ao Ensino, IG/UNICAMP, 2001, 286p. + Relatórios Científicos individuais de cada professora.

ELLIOTT, J. La investigación-acción en educación. Madrid: 2ª ed., Morata, 1994, 334p.

LUDKE, M. & ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986, 99p.
 

[1] Projeto financiado pela FINEP: 63.96.0785.00, pelo CNPq: 524360/96-0 e pela FAPESP: 96/2566-4.
[2] Designamos Geociências aqueles conteúdos de Geologia, Astronomia, Meteorologia, entre outros, que não constam como disciplina no currículo da escola fundamental, mas são abordados em Geografia e Ciências. Também incluímos muitos conteúdos de Geociências que antes eram apenas tratados na Geografia Física e que hoje estão também em Ciências, tais como: Pedologia, Climatologia etc.