A (RE) CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ATRAVÉS DA AVALIAÇÃO FORMATIVA

Carmem Lidia Pires Martinez
mestranda UNESP BAURU

Lizete Maria Orquiza de Carvalho



Resumo

A proposta deste projeto representa uma possibilidade de aprender mais sobre como ajudar professores em serviço a atuarem, no sentido de elevarem seus padrões de trabalho em sala de aula. A avaliação formativa foi usada como um tema para promover a reflexão dos professores sobre suas práticas pedagógicas com perspectivas na melhoria do ensino e da aprendizagem. Uma reflexão sobre práticas de avaliação realizada por um grupo de professores que atuam no ensino de ciências e biologia poderia promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem disseminando-se posteriormente para a comunidade escolar, contribuindo desta maneira com a construção do projeto pedagógico da própria escola.

Abstract

The proposal of this project represents a possibility to learn more how to help teachers act in service, in the sense of, they elevate their work patterns in classroom. The formative evaluation was used as a theme to promote the teachers' reflection on their pedagogic practices with perspectives in the improvement of the teaching and of the learning. A reflection on evaluation practices accomplished by a group of teachers that they act in the teaching of sciences and biology could promote improvements in the teaching process and learning being disseminated later for the school community, contributing this way with the construction of the pedagogic project of the own school.


Introdução

Pesquisas recentes (Perrenoud, 1993, 1999; Black & Wiliam, 1998) mostram que a discussão sobre as práticas de avaliação como parte integrante dos processos de mudança se faz necessária em todo projeto que envolve formação contínua do educador . As pesquisas indicam que uma avaliação é formativa, no sentido de ajudar a aprender e que deve estar voltada muito mais à regulagem da aprendizagem do que à classificação. A utilização da avaliação formativa como estratégia reflexiva proporciona informações acerca do desenvolvimento de um processo de ensino e aprendizagem, com a finalidade de ajustar esse processo às necessidades das pessoas a que se dirige. É uma avaliação que contribui para melhorar a aprendizagem pois informa ao professor e o aluno seu desenvolvimento, seus sucessos e fracassos, o seu próprio caminhar. Segundo Black e Wiliam (1998) a avaliação é formativa somente quando os níveis “atual” e de “referência” são comparados pelo aprendiz. Ou seja, o aprendiz consegue enxergar a distância entre o que ele faz e o que ele pretende fazer. Neste projeto, a reflexão sobre a avaliação formativa teve como objetivo principal fazer com que o professor percebesse a distância entre as suas ações e as idéias, sobre avaliação formativa, provindas de pesquisa e que, após construir esta percepção, arquitetasse maneiras de fechar suas lacunas ou gaps. O que está se propondo é a busca para  saber mais sobre como formar professores, como ajudá-los a melhorar seu padrão de ensino, dando-lhes oportunidade de vivenciar o processo da avaliação formativa. Tendo a certeza de que estaremos contribuindo assim,  com a mudança de  atitudes e valores,  com uma melhor atuação em serviço elevando os padrões de trabalho em sala de aula e melhorando a qualidade do ensino praticado. Ao discutir a questão da formação do professor em serviço é importante salientar que “meu olhar” está fortemente influenciado e baseado nas experiências pessoais, que perpassaram a minha prática de professora do ensino fundamental, médio e de coordenadora pedagógica. Por outro lado, minhas aspirações estão também impregnadas pelas opiniões das leituras que realizei como pesquisadora. Sendo assim, esse “meu olhar” é multicelular, onde cada unidade representa o olhar do Outro-professor, do Outro-coordenador e do Outro-pesquisador. Todos esses olhares me ajudaram a entender que um(a) professor(a) constrói e reconstrói seus significados ou visões de mundo, durante toda a sua vida profissional, com a ajuda de muitas pessoas que surgem em seu caminho em algumas de suas etapas ou que caminham com ele ou ela, lado a lado. Esse reconstruir, é um processo formador, de desenvolvimento profissional.

Construindo Referenciais Teóricos

O conceito de ‘desenvolvimento profissional de professores’ foi adotado neste projeto por concordar com Garcia (1994), ao entender que esta definição, para a formação do professor, possui conotação de evolução, de continuidade e contextualidade. Essa definição de desenvolvimento profissional de professores nos parece bem apropriada, em decorrência do papel social que a escola vem assumindo, através do reconhecimento da importância do projeto pedagógico da escola como um espaço de construção coletiva, que acarreta mudanças nos hábitos, crenças e práticas de todos os profissionais envolvidos com a escola. Se o projeto estiver voltado para a pesquisa, para o questionamento e para a busca de soluções de problemas, contribuirá para promover mudanças, não apenas nos professores, mas em toda a comunidade escolar. Desta forma, o desenvolvimento profissional do professor assume um caráter de análise e desenvolvimento intra e interpessoal, com dimensões de construção individual e coletiva. Estas dimensões foram destacadas por Howey (1985, apud Garcia, 1994) como o desenvolvimento pedagógico, desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento teórico. O desenvolvimento pedagógico ocorre através do aperfeiçoamento das competências do professor; do conhecimento e da compreensão de si mesmo, num processo de realização própria e de autoformação. O desenvolvimento cognitivo se refere  à aquisição e aperfeiçoamento de estratégias de processamento de informação. O desenvolvimento teórico se refere às reflexões do professor sobre a sua prática docente; além das dimensões de desenvolvimento profissional e de carreira. Todas essas dimensões devem ser contempladas num projeto que vise o desenvolvimento profissional do professor em serviço.
Vários autores como Schön (1995), Nóvoa (1991) e Kramer (1989) definem objetivos que apontam para a necessidade de uma formação de professores que  ocorra no espaço das  instituições em que trabalham. Tais objetivos são:  o desenvolvimento de profissionais reflexivos, através de uma prática de reflexão contínua sobre os trabalhos docentes, na busca de possíveis soluções para os problemas reais do cotidiano; a articulação entre teoria e prática, que constitui-se como um importante instrumento de atualização dos professores; a socialização de experiências bem sucedidas, que, quando  submetidas ao grupo, facilitam o processo de construção e apropriação dos saberes docentes pelos professores; a construção do projeto pedagógico da escola, fruto da reflexão, do estudo, da discussão sobre a prática docente, que, por se darem coletivamente, possibilitam a construção de um projeto que mobiliza a comunidade escolar (Mendonça, 1991, apud Candau, 1997); o desenvolvimento psicossocial do professor, que propicia a aquisição de níveis cada vez mais elaborados de auto-conhecimento; o desenvolvimento do potencial criativo e expressivo do professor; o surgimento de lideranças, facilitado pelo aprofundamento das relações, pelas discussões, pelo nível de comprometimento teórico ou político de cada elemento dentro do grupo. Assim, esses objetivos estão associados a alguma atividade de formação, que pode ser entendida como  a “função social da escola”. No entanto, nos parece de fundamental importância ressaltar que esta formação, que  ocorre no coletivo, deve ser  entendida também como um processo de desenvolvimento pessoal, de aprendizagem de experiências pelos próprios sujeitos. Esse fator de desenvolvimento deve ser entendido como um trabalho sobre si mesmo, com princípios que se fundem na realidade social do contexto. Neste sentido, o conceito de formação ou desenvolvimento profissional  é enriquecido por   considerações que se baseiam em idéias de Rousseau,  retomadas no contexto do século XX. Segundo estas idéias, a  aprendizagem é considerada como um processo dinâmico de (re)construção contínua do conhecimento, a partir do sujeito. A abordagem subjetiva propõe que os processos de formação em educação devem partir de uma perspectiva interna para uma externa, diferenciando-se, portanto da formação tradicional e tecnicista. Essa abordagem nos conduz aos processos de autoformação, que tem como base teórica de referência o pensamento de Rousseau, sobretudo na teoria dos três mestres: a natureza, os homens e as coisas. (Mogilka, 1999).

O plano de formação proposto por Rousseau é o do homem natural que subordina as lições dos homens e das coisas ao seu próprio desenvolvimento. Portanto, a atenção do sujeito que aprende está voltada para as coisas do seu meio que podem servir à sua própria aprendizagem. Os professores se tornam mais atentos às necessidades de melhoria em sua prática quando se viabilizam para eles e com eles a análise e observação de seu próprio perfil e das características de seu trabalho; e quando aprendem apoiados na delimitação e solução de problemas, por meio da reflexão sobre seus sucessos e fracassos (Fullan & Hargreaves, 1992, apud Giovanni, 1994). Assim, consideramos a formação em serviço como uma busca e transformação do potencial didático e profissional do professor, com aquisição de conhecimentos em todos os seus níveis, uma construção, ou reconstrução, individual e coletiva de todos os aspectos que envolvem a autonomia da prática educativa.
Um segundo aspecto fundamental que queremos focalizar se refere à  avaliação formativa. A avaliação tem sido um dos temas mais discutidos dentro da educação, principalmente no que se refere à sua validade. Segundo Allal (1986, apud Abrecht, 1994; Perrenoud, 1999) para elaborar uma estratégia de avaliação formativa que cumpra realmente sua função de orientação, é preciso definir um quadro teórico, que leve em conta, os múltiplos aspectos (cognitivo, afetivo e social) da aprendizagem e das interações no interior de um sistema educativo. Nessa perspectiva é possível distinguir três formas reguladoras da avaliação formativa, que interagem entre si: a retroativa, a proativa e a interativa. A regulação retroativa implica em revisão ou retorno àqueles objetivos que não se alcançou; a proativa, em ações que levariam o aluno a ultrapassar as dificuldades ou erros detectados; as interativas são aquelas interações que ocorrem entre quem propôs a atividade e quem a realizou, visão de ambos sobre a própria atividade. È a autoavaliação a favor da regulação do processo de ensino e de aprendizagem. Perrenoud (1999) conceitua a regulação como “o conjunto das operações metacognitivas do sujeito e de suas interações como o meio que modificam seus processos de aprendizagem no sentido de um objetivo definido de domínio”. Nesse mesmo sentido, Deci & Ryan (1994) falam de autoregulação, como comportamentos autodirecionados promovidos por ações reguladas por fatores externos e internos ao indivíduo. Se os comportamentos “extrínsecos”  forem internalizados e integrados,  o discurso interior (egocêntrico) sofre progressiva individualização e transforma-se em discurso à serviço da orientação e compreensão mental consciente, que ajuda o indivíduo a vencer dificuldades que exigem consciência e reflexão.  Segundo Piaget (1977)  não se pode determinar, quanto aos comportamentos cognitivos, o que é inato ou o que é adquirido. Leontiev elaborou a teoria da atividade com vários conceitos formulados por Vygotsky (apud Castorina, 1998). A idéia de atividade baseia-se na concepção do ser humano como sendo capaz de agir de forma voluntária sobre o mundo, intencionalmente buscando atingir determinados fins. Esse modo de funcionamento psicológico seria a base dos processos psicológicos superiores tipicamente humanos. Os processos superiores envolvem, necessariamente, relações entre o indivíduo e o mundo, que não são diretas, mas mediadas pela cultura. A interação social é fundamental para o desenvolvimento das formas de atividade de cada grupo cultural; o indivíduo internaliza os elementos de sua cultura, construindo seu universo intrapsicológico a partir do mundo externo.  Voltando à teoria de autodeterminação de Deci  & Ryan (1994), o conceito de intenção é central, significando portanto, que é uma atividade humana mediada culturalmente. Coock (Souza, 1991) diz que a avaliação tem uma função energizante que se faz sentir no momento em que o indivíduo visualiza os meios para atingir os objetivos propostos. Este caráter de ‘finalidade’ no trabalho que está sendo proposto advém de um estudo dos resultados obtidos, por parte dos interessados e seu desempenho é comparado com ele próprio. Seus progressos e dificuldades são vistos a partir de seu próprio padrão de desenvolvimento, necessidades e possibilidades. Luckesi (1995) diz que a avaliação tem de superar a fase de feedback como realimentação da solução técnica  viável, para propor como uma forma  de “ajuizamento” não só dos  meios educacionais mas dos “fins educacionais”. Essa superação também é evidenciada por Black & Wiliam (1997), quando salientam que o processo de ensino e de aprendizagem devem ser fundidos, de modo que o aluno receba um feedback imediato sobre o que foi aprendido e reenvie ao professor uma mensagem sobre a transformação que ele fez com o que recebeu, promovendo o diálogo formativo. Black & Wiliam (1997) visualizam a avaliação como um encorajamento à autoavaliação, tornando-se esta um instrumento muito forte para instigar a consciência de ambos, professor e aluno, no processo de ensino e aprendizagem e também como um procedimento autoregulador do processo de ensino e de aprendizagem. Numa perspectiva mais ampla, a avaliação será contínua, pois requer uma reflexão de todas as ações que são desenvolvidas dentro do contexto escolar e visará uma regulação de todas as relações que se estabelecem socialmente.
A avaliação pode ser entendida como um processo de diagnóstico das necessidades formativas inerentes ao próprio processo do desenvolvimento da escola, enquanto projeto pedagógico e de formação continuada do professor. Dentro desta perspectiva, onde o ensino está mais relacionado com uma atividade prática, que leva em consideração a análise das suas dimensões “ocultas”, tais como os processos de julgamento de valores, pensamentos, ética e tomada de decisões, o desenvolvimento profissional na escola é, então, entendido como o conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão dos professores sobre a sua própria prática, que contribui para que os professores giram conhecimento prático, estratégico e sejam capazes de aprender com a sua experiência. Para isso, os diferentes modelos de análise da prática de ensino, tais como, a biografia, a auto e a heterodescrição, entrevistas, atividades práticas, leitura crítica e debates, apresentam-se como estratégias formativas apropriadas (Fernández Pérez, 1988, apud Garcia, 1994). Os professores inseridos numa pesquisa dentro do seu contexto escolar, considerando a avaliação formativa e praticando uma pesquisa qualitativa, poderiam sentir-se mais envolvidos, mais responsáveis pelos dados, acreditar que eles são reais e relevantes, adquirir atitudes de questionamento, tornando-se um pesquisador e consequentemente promover mudanças que levariam à melhoria no processo de ensino e de aprendizagem tanto em relação aos seus alunos quanto à ele próprio.

Os professores e o Coordenador Pedagógico

As escolas atuais assumem, de modo geral, o modelo sócio-cultural, acompanhando as tendências da sociedade brasileira e promovem a construção de um projeto pedagógico instituindo como sujeitos históricos todos os atores do processo educacional, não só da escola mas também do âmbito familiar. A educação dos alunos torna-se muito mais ampla, no sentido globalizado e pressupõem-se professores muito mais críticos, participativos, informados, atualizados. Neste momento, o coordenador pedagógico assume um papel relevante, como mediador da ação pedagógica, do projeto pedagógico-político e das mudanças na postura prática e na busca do aperfeiçoamento dos seus conhecimentos teóricos. Entretanto, podemos questionar alguns pontos que promovem discussão dentro das escolas estaduais: O coordenador pedagógico está preparado para assumir esse novo papel? Quando assume a sua função ele tem consciência desse papel? Que tipo de relação deve ser estabelecida entre o coordenador pedagógico e o professor?

Desempenhar um papel de mediador do conhecimento do outro, enquanto coordenador, significa se deparar com diferenças e semelhanças, coerências e contradições, crenças e suposições que dificultam, mas estimulam o trabalho com um grupo tão heterogêneo, no qual a observação das individualidades, a sistematização e a socialização devem sempre estar voltadas para a construção do coletivo. Esse mediador segundo Kramer (1989) é “aquele profissional que, atuando na escola, possui uma visão de totalidade do trabalho pedagógico e atua no sentido de favorecer a reflexão e a construção coletiva de equipe” (Kramer,1989). Um novo olhar sobre o papel normativo do coordenador pedagógico no processo pedagógico, que procurei desempenhar, me fez refletir sobre uma questão central em todo esse processo de construção: O coordenador pedagógico deve ser, dentro da escola, o responsável pela formação em serviço dos professores? Se a resposta para essa questão for sim, quais seriam as ações que poderiam melhorar o desempenho desses professores em serviço? O que os professores pensam a respeito do papel do coordenador pedagógico? Que papel ele deve desempenhar no HTPC? Essas questões direcionaram o projeto de pesquisa, realizando um processo de reflexão,  identificando maneiras de melhorar a formação em serviço dos envolvidos e identificar o papel do coordenador pedagógico nesta formação. A explicitação, reformulação e mesmo abandono de questões iniciais foram delineando a pesquisa, aspectos relevantes foram sendo levantados, frutos de leitura da literatura pertinente, das observações realizadas, do contato inicial com a documentação existente e mesmo de especulações baseadas na minha experiência pessoal como parte integrante do contexto.

Uma Proposta de Formação

Os paradigmas de avaliação têm mudado na última década e temos muitas pesquisas neste enfoque, de perspectivas de mudanças na prática  da avaliação (Souza, 1991; Luckesi, 1995). Pesquisas realizadas fora do Brasil, nesta área, também nos trazem uma perspectiva de mudança na prática da avaliação e consequentemente na prática pedagógica, tais como Abrecht (1994), Black & Wiliam (1998) e Perrenoud (1999). As pesquisas indicam uma mudança na visão e postura dos professores, alunos, pais e todos os outros envolvidos neste processo, mas essas mudanças envolvem muitos fatores que necessitam serem refletidos e discutidos dentro da escola.  Os professores precisavam de um tempo de reflexão, análise e discussão sobre toda sua prática pedagógica, principalmente a avaliação, que culminasse em algo prático de mudança real em sala de aula.  A utilização da avaliação formativa para essas discussões, poderia ser um tema fértil, pois uma de suas propostas é a possibilidade de um novo olhar para a relação do professor com o aluno, promovendo a reflexão e mudanças em aspectos importantes dessa interação, tais como, a qualidade do feedback, a autoavaliação, o diálogo entre professor e aluno e a autoestima de ambos. A utilização da avaliação formativa, como estabelecida por Black & Wiliam (1997) exige do professor uma reflexão sobre a relação entre as teorias advindas da literatura e a sua prática pedagógica,  o que consequentemente, poderia promover uma melhoria no processo de ensino e aprendizagem, beneficiando seus alunos e também sua própria formação enquanto professor.

Ao me propor analisar o processo de mediação e transformação de um grupo de professores que estabelecem relações de trabalho em uma escola estadual, que enfrentam e discutem coletivamente as condições de sua prática pedagógica, utilizando como base para reflexão a avaliação de sala de aula, estou me propondo também a questionar meu próprio trabalho como educadora, já que sou parte integrante do contexto escolar em questão. Com essa proposição pretendo investigar a possibilidade de um professor se tornar mediador da construção do conhecimento do outro tornando-o sujeito da sua própria formação. Esta questão inicial ramifica-se dando origem à outras indagações que permeiam todo processo de formação de professores em serviço, principalmente no que diz respeito à responsabilidade do coordenador pedagógico. Será que o papel de educador de outros professores é um papel que cabe somente a um sujeito? Quem é esse sujeito? O coordenador pedagógico? A formação de um coordenador pedagógico deve deferir da formação de qualquer outro professor na escola?  Será que todos os professores esperam ser mediados pelos conhecimentos dos colegas?

A natureza da metodologia e dos dados

O tratamento metodológico deste estudo teve enfoque qualitativo e elegeu o ambiente natural como fonte direta da coleta de dados. Moreira & Axt (1991) fazem implicações sobre a metodologia de pesquisa em educação, realizada pelo professor-pesquisador, argumentando que o professor-pesquisador pode “observar e registrar eventos, converter tais registros em dados e transformá-los de modo a chegar a novos conhecimentos, os quais, por sua vez, são interpretados à luz de teorias, princípios e conceitos” (Moreira & Axt, 1991). Segundo Denzin (1978), a observação participante é “uma estratégia de campo que combina simultaneamente a análise documental, a entrevista de respondentes e informantes, a participação e a observação direta e a introspecção” (apud, Lüdke & André, 1986). Com uma variedade de informações, oriunda de fontes variadas, seria possível o cruzamento de dados, a confirmação ou rejeição de hipóteses, o descobrimento de novos dados e a indagação de novas suposições ou de hipóteses alternativas. O desenvolvimento do estudo apresenta características importantes de uma abordagem etnográfica, tais como, a ênfase no processo, no que está ocorrendo naquele contexto específico e nos resultados finais. Houve uma preocupação constante com a maneira como as pessoas vêem a si mesmas, as suas experiências e o mundo que as cerca. A pesquisa ocorreu durante um período de dois anos para a coleta dos dados. A compreensão da realidade do trabalho docente possibilitou-nos o delineamento de possíveis intervenções, visando a reflexão sobre a prática do professor e a formação continuada, nos possíveis espaços de trabalho diferenciado, tais como os Horários de Trabalho Pedagógico Coletivos, as reuniões pedagógicas e os encontros informais no intervalo das aulas. As reuniões do grupo deveriam acontecer uma vez por semana para promover a reflexão e o desenvolvimento de atividades estabelecidas: leitura de textos, discussões sobre um tema, entrevistas individuais e coletivas, observação da atuação do professor em sala de aula e as produções individuais e/ou coletivas traduzidas como ‘invenções dos professores’. A coleta de dados para análise foi efetuada em quase todos os momentos do processo, utilizando-se para os registros, gravações com camera de vídeo/gravadora, anotações escritas e gravador de áudio. Todos esses registros realizados foram transcritos  para a análise dos dados. Problemas técnicos e operacionais dificultaram o registro de alguns dados e nestes momentos, minhas anotações pessoais se mostraram preciosas.

Os sujeitos da pesquisa

A decisão de trabalhar com um número reduzido de professores foi tomada com base na reflexão sobre a metodologia de pesquisa e sobre os pressupostos teóricos iniciais. Esperávamos que pudéssemos realmente investir em profundidade na formação de alguns sujeitos e que estes poucos iriam aglutinando outros. Acreditávamos que agindo desta forma, após um período de ‘incubação’ para estruturação do grupo, pudéssemos promover uma “disseminação” (Black & Wiliam, 1997) generalizada, contaminando toda a escola. A formação de um grupo pequeno, nos possibilitaria organizar e acompanhar todas as reuniões, assistir as aulas dos professores e constituir um grupo de interesse. Elegi como sujeitos da pesquisa cinco professores ( P1, P2, P3, P4 e P5) que mais participaram e freqüentarem as nossas reuniões e que ministram aulas de ciências e biologia pois constituíam um grupo com interesses em comum. Utilizando a argumentação de que o professor deve ser um pesquisador (Moreira & Axt, 1991) optei por me incluir nos dados da pesquisa, acreditando também que estes só fariam sentido para mim enquanto pesquisadora.

Descrição do processo

No primeiro encontro do grupo, realizei um seminário sobre o tema: Avaliação Formativa e a Prática Pedagógica, utilizando um artigo do Paul Black & Dylan Wiliam (1998) Inside the Black Box: Raising Standars Through Classroom Assessment. O objetivo desse seminário era promover reflexão, interação e interlocuções que seriam discutidas no nosso próximo encontro. Os professores receberam nessa ocasião o texto para leitura crítica e foram convidados a participarem das discussões, compartilhando metas significativas e constituindo um grupo de estudo. O que ficou claro para estes professores, desde o início, era o ponto de partida para as nossas discussões e tarefas, que desenvolveríamos juntos, nos HTPCs: a avaliação e a prática pedagógica em sala de aula. Nas três reuniões seguintes, realizamos reflexões e discussões sobre o texto, de forma coletiva. Cada professor participante fez considerações sobre os aspectos do texto de Black & Wiliam (1997) que foram mais relevantes para si. A questão levantada para o grupo foi:  Como cada professor se identificou com o texto? O objetivo era promover  o reconhecimento de pontos convergentes ou divergentes entre a nossa prática de avaliação e a do texto. Essas reflexões e discussões possibilitariam o encorajamento de mudanças efetivas na prática que realizamos. A explicitação da própria prática de avaliação pelos professores do grupo, aconteceu naturalmente,  como um debate ou uma entrevista coletiva. A descrição da nossa prática de avaliação conduziu à reflexão sobre o regime de Progressão Continuada, gerando a discussão sobre uma questão  que o P4 trouxe para o grupo: O regime de Progressão Continuada exige um novo tratamento para o processo de avaliação e novas formas de registro. Em que sentido esse novo olhar pode contribuir para a atuação do professor na melhoria da qualidade de ensino? Fizemos a leitura crítica da deliberação n.º 9/97 que instituiu o regime. Assim, observamos a necessidade de melhorar a nossa forma de registro do desempenho do aluno, levando em consideração que a avaliação de nossas atividades em sala de aula, deveriam ocorrer de forma contínua e formativa. Salientamos a necessidade de buscar exemplos relevantes de ‘fora’, não somente descritos na literatura, mas em outras escolas. Precisávamos ver exemplos do que significava na prática o ‘fazer melhor’ (Black & Wiliam, 1998) e formas diferentes de registrar o desempenho do aluno. Um dos professores relatou ao grupo a sua experiência vivida, em uma escola estadual, em uma cidade vizinha, com a utilização de um ‘mapão’ no qual os professores anotavam o desempenho dos alunos. Na mesma semana, fui visitar a escola que o professor indicou, em busca de informações sobre o sistema de avaliação que eles aplicavam e a forma de registro que utilizavam. Entrevistei uma professora de biologia, que me explicou como era o ‘mapão’ usado por todos os professores da escola, há oito anos. Na reunião subsequente, retomamos nossas discussões sobre a ficha de registro das atividades desenvolvidas pelo aluno e apresentei, para o grupo, a transcrição da entrevista com a professora da outra escola e discutimos o assunto. Reconhecemos a importância do registro para a visualização e acompanhamento do desempenho do aluno, durante o bimestre. Decidimos pela elaboração de uma ficha própria, que evidenciasse o desempenho do aluno, facilitando a visualização das lacunas de aprendizagem, promovendo o feedback necessário ao aluno e ao professor. Acreditávamos que essa ficha seria importante para  a autopercepção e autoavaliação do processo de ensino e aprendizagem. A decisão de confeccionarmos uma ficha de desempenho do aluno requeria uma revisão do nosso planejamento de ensino, uma revisão do conteúdo programático de ciências para cada uma das séries. Após discutirmos quais conteúdos seriam destacados nesta ficha, decidimos pelo leitura crítica dos parâmetros curriculares de ciências e das matrizes curriculares do sistema nacional de avaliação de educação básica (SAEB).  No mês de maio, em decorrência da greve dos professores, suspendemos as nossas reuniões e retomamos nossas discussões apenas na segunda quinzena de junho. A partir desta data, na reunião do grupo, contamos também com a presença de todos os professores de outras áreas, por determinação da direção, por aproximadamente um mês. Fazíamos leituras de alguns trechos dos parâmetros curriculares nacionais, selecionados pela coordenadora pedagógica. Após o recesso escolar de julho, realizamos uma avaliação do nosso projeto: decisão do grupo foi a de agilizar as leituras dos parâmetros, das matrizes curriculares do SAEB e intensificar a elaboração da ficha. Dividimos o trabalho de elaboração da ficha por séries e trabalharíamos individualmente em outros horários da semana. Nesta mesma reunião, discutimos a possibilidade de gravarmos nossas aulas para análise posterior. Acreditávamos que a visualização de nossa postura em sala de aula serviria de parâmetro para a autoavaliação da prática pedagógica. As reuniões do mês de agosto foram todas utilizadas para reelaboração do planejamento de ensino, reorganização dos conteúdos programáticos com base nos parâmetros curriculares e nos descritores da matriz do SAEB, e para a finalização da ficha de desempenho do aluno. Terminamos a elaboração da ficha no mês de setembro e reavaliamos a sua utilização: decidimos que somente a utilizaríamos no ano seguinte pois a sua introdução, para os alunos nesta época do ano, poderia não promover o efeito que esperávamos, ou seja, a visualização pelo aluno e pelo professor da evolução no processo de ensino e de aprendizagem.
 Três professores do grupo ( P3, P4 e P5) participaram do II Encontro de Ensino de Ciências, Física e Astronomia que ocorreu em setembro, na PUC, em São Paulo, oferecendo a oportunidade de vivenciarmos experimentos em oficinas de trabalho. As atividades desenvolvidas neste encontro foram socializadas informalmente para os outros professores do grupo durante as reuniões pedagógicas que realizamos posteriormente. Em outubro, desenvolvemos uma atividade utilizando a Matriz MAES  de Gallagher e Parker. Nesta matriz, os autores apresentam um caracterização do grau de adesão dos professores ao paradigma construtivista. O objetivo desta atividade era promover a reflexão dos professores sobre seus próprios modos de atuarem em sala de aula e estabelecer a nossa  adesão ao paradigma construtivista. A concepção de professor construtivista experiente, proposto pelos autores da matriz chamou a atenção dos professores. Aproveitando esse interesse, entreguei  um texto de Garnett e Tobin (1989) para leitura crítica e reflexão. Destacamos a importância do compartilhamento  e diálogo entre professores e alunos, e o perfil do professor caracterizado no artigo. Apenas três professores (P1, P3 e P5) se colocaram à disposição para as gravações e análises de suas aulas. A análise das aulas procedeu da seguinte maneira: o professor que ministrou as aulas e eu, assistimos a fita de vídeo e fizemos comentários orais sobre os aspectos que considerávamos mais relevantes, tais como, a postura do professor em sala de aula, a relação professor aluno e a participação dos alunos. Essa ‘releitura’ da nossa prática em sala de aula mostrava-se como atividade importante para gerar mudanças detectadas diante das contradições entre as decisões tomadas em sala de aula e as normas teóricas que temos como referenciais, desencadeando um conflito cognitivo. Nos meses seguintes vários acontecimentos, tanto de ordem pessoal quanto administrativos da escola, dificultaram nossas reuniões. Decidimos pelo encerramento do nosso processo, naquele ano, e elaboramos uma autoavaliação escrita, na qual os professores descreviam sua trajetória no magistério, analisando o seu processo de desenvolvimento profissional.

Resultados Parciais

A necessidade de uma análise do processo, que consideramos como de formação  de professores em serviço, conduziu-nos aos modelos de desenvolvimento profissional descritos por Garcia (1994). O autor descreve o modelo de desenvolvimento profissional  de Oldroyd e Hall (1991) que estabelece dois tipos de desenvolvimento profissional: a Formação e Treino Profissional e o Apoio Profissional, que conduzem o professor a adquirir conhecimentos e competências a partir da sua implicação nas atividades planejadas, desenvolvidas tanto por especialistas quanto por ele próprio. A utilização deste  modelo de desenvolvimento profissional nos parece bem apropriado, particularmente, para a análise do nosso processo. A posição que queremos defender é o papel de mediador desempenhado por um professor dentro da escola, promovendo o desenvolvimento pessoal e dos colegas, mas com o apoio e assessoria de especialistas. Utilizamos várias estratégias de desenvolvimento, pois tínhamos necessidades formativas individuais e coletivas.  As atividades planejadas, em cada etapa de reflexão, deveriam promover a aprendizagem de conhecimentos, conduzindo-nos à uma ação que evidenciasse mudanças reais ocorridas em sala de aula. Exigia-se do grupo cooperação, colaboração, envolvimento nas atividades  e comprometimento num projeto maior que era o projeto pedagógico da escola. Loucks e outros (1987, apud Garcia, 1994) sugerem que existem modalidades de formação dos professores que podem ser desenvolvidas de acordo com as características evidenciadas, propondo estratégias concretas para serem aplicadas em decorrência da avaliação formativa e da situação evidenciada. Quando ocorre a necessidade de desenvolver conhecimentos e métodos de ensino, as atividades propostas podem incluir um programa de inovação; um professor pode ser selecionado para promover um curso ou pode-se entrar em contato com outras escolas com necessidades semelhantes podendo trocar experiências, informações ou parcerias. Se o diagnóstico indica dificuldade ou incapacidade dos professores para se adaptarem às mudanças, as modalidades de formação podem ser muito diversificados, requerendo apoio de outros colegas num processo de compartilhamento e cooperação; um programa de assessoria de outros profissionais estabelecendo ligações inclusive com a universidade para ampliar a visão dos professores. Quando o professor ou o grupo deles sente que é capaz e apresenta autodeterminação para a melhoria do seu ensino, as modalidades sugeridas são de pesquisa do próprio grupo num processo de investigação-ação, promovendo a autoformação, participando de congressos, encontro de professores, cursos em centros especializados e estabelecendo contatos com outras escolas. Uma das principais estratégias utilizadas na pesquisa foi a reflexão, com o objetivo de proporcionar o desenvolvimento de competências metacognitivas, de um grupo específico de professores, daquele contexto, permitindo-lhes conhecer, analisar, avaliar e questionar a própria prática docente, assim como os seus valores pessoais. As atividades previstas para o desenvolvimento nesta etapa contemplavam momentos de reflexão coletiva realizados uma vez por semana nos HTPCs e reflexão individual realizados em local de livre escolha do professor.

A análise sobre o processo, refere-se às metas estabelecidas pelo grupo, ao envolvimento de cada um dos professores neste processo de formação, à natureza do feedback de cada atividade desenvolvida, ao número de horas dedicadas ao estudo e desenvolvimento da proposta, à qualidade das nossas reflexões e à contribuição de cada professor para o grupo. A indicação desses fatores como limitadores do processo não significa que estou querendo justificar um desenvolvimento deficiente, mas indicar parâmetros relevantes para todo processo formativo. O número de horas dedicadas ao estudo e desenvolvimento da proposta foi de vinte horas  sendo que, quatorze horas foram ocupadas com atividades do grupo todo, três horas foram utilizadas para entrevistas individuais e três horas para análise em duplas das aulas gravadas. A qualidade do processo de socialização foi prejudicado pelas constantes interrupções que tivemos durante o ano, em decorrência da greve, de requisição do horário pela direção para outros fins ou mesmo por falta de uma organização mais apurada da pauta da reunião e direcionamento das discussões do grupo. Entendemos por processo de socialização a reflexão que ocorre sobre a atividade desenvolvida, referindo-se também à natureza do feedback e o estabelecimento de metas pelo grupo. Tínhamos uma meta clara no início que era o estudo da nossa prática de avaliação utilizando como nível de referência a avaliação formativa descrita por Black e Wiliam (1997). Apenas três HTPCs foram utilizados para o esclarecimento e fortalecimento desta meta.  Um estudo mais detalhado sobre o tema se fazia necessário para estabelecermos uma definição mais compartilhada dos termos e suas diferentes acepções, tais como autoavaliação, feedback, avaliação formativa e avaliação diagnóstica. Os textos estudados de Black & Wiliam (1997), de Garnett e Tobin (1989), os Parâmetros Curriculares Nacionais, os descritores do SAEB são textos complexos que requerem muita discussão mas, isso não ocorreu. Dedicamos apenas sete HTPCs para a reflexão em grupo de todos esses textos. Todos esses problemas detectados no nosso processo de formação são reforçados pela nossa falta de hábitos de reflexão e fundamentação teórica, o que impediu um aprofundamento desses temas mais complexos. Essas considerações nos remetem à Fernstermacher e Berliner (1985, apud Garcia, 1994) quando destacam a importância de se alterar a dinâmica organizacional da escola para promover o desenvolvimento profissional dentro desta organização. Não basta que se proponham espaços como os HTPCs, é preciso garantir a sua efetividade. A análise global do processo desenvolvido evidencia a possibilidade de efetivação desses espaços desde que ocorra articulação das práticas reflexivas com as formas de organização escolar viabilizando não apenas a existência de um processo de desenvolvimento profissional dos professores, mas a qualidade desse processo através da intervenção de um elemento mediador. A contribuição dos professores para a discussão do grupo também é um fator que deve ser destacado. Os professores P1, P3 e P5 foram os que mais contribuíram para os debates e reflexões com questionamentos e explicitação da própria prática numa atitude de cooperação, colaboração e assessoria.

 Análise dos dados

Essa etapa da nossa análise diz respeito ao elemento mediador que garantirá a efetividade dos momentos de reflexão dos professores dentro do seu próprio contexto escolar.  A questão norteadora desta nossa investigação era a possibilidade de um professor se tornar mediador da construção do conhecimento do outro tornando-o sujeito da sua própria formação  e identificar as características que podem identificar esse mediador. Para se chegar à esse elemento mediador nosso ponto de partida é a explicitação da própria prática pedagógica em confronto com o papel da avaliação formativa no contexto de uma “pedagogia para a mestria” (Allal, apud Abrecht, 1994). Entrevistas individuais e coletivas com os professores foram utilizadas para promover a reflexão e análise  do desempenho do professor em sala de aula, salientando fatores positivos e  negativos, conflitos e contradições, crenças e atitudes,  com possibilidades de mudanças efetivas tanto na prática de avaliação quanto na pedagógica (Villani e Pacca, 1997). Essas entrevistas foram as atividades mais efetivas do processo. O fato delas terem ocorrido logo no início do processo, antes da greve, aliado à necessidade que o professor tem de expor suas angústias, seus problemas de sala de aula, debater os entraves que encontra para exercer sua profissao, são alguns dos fatores que mais constribuíram para a o sucesso desta etapa do desenvolvimento, que seria o  confronto das teorias explícitas descritas na literatura com as teorias implícitas que o professor utiliza na sua prática pedagógica. Esperava-se que durante o processo o professor realizasse uma narrativa escrita individual, “autobiográfica”, relatando o ponto de vista do próprio processo de formação, com a finalidade de promover oportunidade formativa. Um dos elementos essenciais da avaliação formativa é a autoavaliação. Elegemos esse aspecto para destacar nossas categorias, considerando-o como elemento fundamental no processo regulador ou autoregulador do desenvolvimento pessoal e profissional dos professores. Autoavaliação trabalha com a questão da conscientização, do professor e do aluno, como uma forma de se “construir a autonomia” do indivíduo para que ele consiga se colocar e se sentir no processo de aprendizagem, de reflexão sobre a própria pessoa (Black e Wiliam, 1997; Perrenoud, 1999). O exercício de autoavaliação desenvolve a capacidade de reconhecer e avaliar quaisquer lacunas e promove a responsabilidade que o indivíduo tem de planejar e realizar uma ação corretiva. A autoavaliação a partir deste ponto de vista torna-se a chave necessária para promover o desenvolvimento pessoal e profissional do professor.
Quando o professor se depara com um conhecimento que gostaria de ter e portanto sente falta, sente-se insatisfeito, caracterizando uma lacuna no seu desenvolvimento. O reconhecimento e avaliação desta lacuna, diante de um conflito externo, que pode ser disparado por um texto, ou pela descrição da prática de outro professor, faz com que ele se posicione diante deste conflito (Villani & Orquiza, 1995) podendo tomar consciência que, a diminuição desta lacuna depende somente dele, exige seu envolvimento e promove um processo de aprendizagem efetivo, de autoformação. O que pretendemos identificar com esta análise dos dados são os conflitos que foram transformados em lacunas ou gaps. Os conflitos externos somente são reconhecidos pelo professor como gaps quando ele se vê diante de uma meta. Essa meta possui padrões de referência estabelecidos pelo próprio professor, baseados num acontecimento, num objeto ou em uma pessoa. Os conflitos externos irão criar lacunas maiores ou menores dependendo dos níveis de referência adotados pelo professor. O que se pretende estudar é o posicionamento e a consciência do professor diante deste gap, o movimento que ele faz em direção à uma referencial estabelecido como meta. O professor pode promover ações pessoais diante dos níveis de referência que estabeleceu. Se ele enxergar a sua referência muito distante, pode não se mover e nesse caso, o papel do mediador é fundamental.   Admitir a existência de um gap e se posicionar diante dele nos parece uma regulação proativa no sentido que levaria o professor a ultrapassar as dificuldades que foram detectadas, a promover ações alternativas para solucionar os seus problemas, para responder à meta que determinou, mostrando-se seguro e autodeterminado. Essas características identificam o mediador como aquele indivíduo que tem metas claras, convicção e compromisso em alcançar níveis de referência que o impulsiona. Somente nesta condição ele pode mediar o conhecimento do outro, passando a investir na própria comunidade escolar, contribuindo com o projeto pedagógico da escola num processo de desenvolvimento individual e coletivo.

Considerações finais

 Finalizar este projeto de pesquisa significa o ‘olhar’ da pesquisadora sobre a professora que nunca deixei de ser, sobre a coordenadora pedagógica que ainda está impregnada em mim, sobre os outros professores ao meu redor e sobre os dados coletados numa pesquisa organizada e desenvolvida por uma pesquisadora em formação. Esse ‘olhar’ promove uma interpretação crítica, direcionado não apenas para os resultados finais mas, para um processo que considero evolutivo: o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores.
 O que pretendíamos e o que conseguimos: A intenção inicial desde projeto foi a de uma intervenção dentro de uma comunidade escolar específica. Indicava uma clara pretensão da minha parte de aprender para ensinar os professores a ensinarem em suas salas de aula. Essa pretensão era da coordenadora pedagógica. A formação dos professores em serviço deve ocorrer dentro do seu contexto mas também deve ocorrer fora dele. As duas visões são importantes para o professor. Entretanto, uma coisa é certa: não se pode esperar ensinar os professores a ensinarem em suas salas de aula. Promover conflitos, colocar em ‘xeque’ as suas crenças e convicções é bastante delicado e requer tempo. Não tivemos esse tempo no nosso processo de desenvolvimento profissional mas acredito que mostramos que isso seja possível. A pretensão agora é aprender para compartilhar.
 
O confronto das teorias explícitas e das teorias implícitas: Não procuramos mostrar nos resultados finais o confronto dessas teorias pois a palavra confronto tem um sentido muito pontual, significando que elas se encontraram, chocaram-se e deforma. Não é isso que queremos defender mas, que elas devem andar juntas até o momento em que o professor sentir que já não existe mais limites entre o que ele pensa e o que está escrito na literatura, ou ainda, que ele tem argumentos suficientes para concordar ou discordar daquela teoria A incorporação dessas teorias com certeza não foi igual para todos os sujeitos da pesquisa, entretanto, estão impregnadas em mim de tal maneira que as vezes acho que perdi a minha identidade original. O que estou querendo dizer é que cada um de nós se constrói com a ajuda do Outro de tal maneira que podemos nos enxergar nele quando o nosso pensamento e as nossas ações se sintonizam. Esse é o sentido que quero dar para o meu diálogo com o Outro. Para os outros professores do grupo, as teorias explícitas muitas vezes chocaram-se com as teorias implícitas pois os termos formativa, diagnóstica, feedback, autoavaliação, autoestima, só para citar alguns, ou eram completamente desconhecidos para eles ou tinham significados tão diferentes que não foi possível estabelecer um diálogo entre as teorias. O quanto dessas teorias foi incorporado pelos professores não pode ser estabelecido, no período limitado desse processo.
 Formativa  &  Formação: Unir a avaliação formativa com a formação, tanto do aluno quanto do professor, mostra-se como um processo de enorme potencial de construção dialética. A avaliação formativa quando efetiva, impulsiona, encoraja o diálogo, promove a autodeterminação, que são fatores essenciais num processo de formação pessoal e profissional. Contudo, não se pode esperar que enxergar essa possibilidade de união acontecerá de maneira rápida, efetiva e com todos do seu entorno social. A semente foi apenas lançada e cultivá-la requer carinho e dedicação. Talvez esse seja o ponto principal de todo projeto de formação continuada: não cultivar o que se plantou. Lançar novas idéias significa também sustentá-las até que estejam incorporadas e possam se reproduzir disseminando a idéia para outros. Mas, somente isso também não basta, é preciso estimular os professores a saírem de dentro de suas salas de aula, de dentro de suas escolas e ampliar suas visões fornecendo-lhes oportunidade de criação própria. Os cursos fora da escola ou mesmo seminários de pesquisadores fornecem aos professores a carga energética que pode promover estímulos e impulsos em direção à novas criações.
 Os estágios sugeridos: A reflexão que realizamos sobre avaliação formativa nos colocou diante de uma questão fundamental que foi o posicionamento do professor frente às suas próprias lacunas. Consideramos importante salientar o que o professor faz ao enxergar suas próprias lacunas, quais as suas ações que o movimentarão em direção ao nível de referência estabelecido por ele próprio. Procuramos sugerir estágios que podem estar refletindo os processos de desenvolvimento profissional e pessoal: Estágio 1: o professor somente fornece respostas retroativas e trabalha com seus alunos em sala de aula retroativamente, respostas proativas são proibidas. Neste estágio ele somente “sofre” o social e atribui a responsabilidade aos outros. A sua posição diante das lacunas não indica movimento para frente, ações autodeterminadas; Estágio 2: o professor descobre que pode ser proativo e passa a promover algumas ações na tentativa de alcançar as metas desejadas. Apresenta ainda respostas retroativas mas mostra-se menos sofredor com a sua condição; Estágio 3: o professor se descobre como mediador do conhecimento dos colegas e percebe que os colegas podem mediar o seu próprio processo de desenvolvimento. É o diálogo verdadeiro que se estabelece entre dois indivíduos que compartilham juntos muito mais do que apenas alunos, mas o compromisso com uma comunidade no qual ele se sente responsável e promove ações com alta convicção de seus propósitos. Neste estágio ele entende que tem de ser proativo diante da literatura, da universidade, de seus alunos e de seus colegas.
 
A identidade do mediador: O nosso ponto de chegada é o mesmo ponto de partida. O professor se descobre mediador do conhecimento do outro quando desenvolve características pessoais e profissionais proativas, principalmente. Ele constrói e reconstrói essas características unindo a prática pedagógica com as teorias implícitas e explícitas, sempre num processo de avaliação com propósitos formativos. Esse mediador pode ser um professor coordenador ou apenas um professor desde que ele tenha desenvolvido todos os estágios determinados: retroativo, interativo e proativo. Não estamos sugerindo que estes estágios sejam como patamares a serem alcançados mas ações que o sujeito promove para a (re)construção do seu conhecimento em todos os seus contextos: psicológico, ecológico e social.
 
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