O aparente paradoxo do ar quente

Ar quente sobe, certo? Logo é quente nas montanhas e frio no litoral...

 

            Que o ar quando é aquecido se expande, todo mundo sabe. Que ao se expandir ele se torna menos denso, também todo mundo sabe. Que ao se tornar menos denso ele sobe, por causa do empuxo do ar externo, novamente todo mundo sabe: assim que são feitos os balões. Logo, é mais quente nas montanhas – para onde vai o ar aquecido – do que no litoral?

Em situações normais o litoral é mais quente do que as montanhas. E isso, também, todo mundo sabe. Parece, então, que está faltando alguma informação para colocar as coisas em seus devidos lugares, o ar quente nas praias e o ar frio nas montanhas.

Para entender completamente o que acontece, precisaríamos estudar os complexos processos físicos na atmosfera. Entretanto, podemos entender porque é frio nas montanhas e quente no litoral, apesar do ar quente tender a subir, sem precisar grandes estudos de meteorologia. Para tanto, primeiramente iremos relembrar alguns conceitos físicos básicos relacionados à termodinâmica.

 

Esfriando e aquecendo um gás

 

O leitor já deve ter ouvido falar que a temperatura está relacionada à energia interna de um gás. E que esta energia interna, por sua vez, está relacionada à velocidade média das moléculas, ou seja, a energia cinética dessas moléculas: quanto mais quente maior é a energia interna e a velocidade média das moléculas.

            Agora, direcionando nosso estudo para o comportamento dos gases, sabemos que existem pelo menos duas maneiras de alterar a energia cinética das moléculas de um gás, ou seja, sua energia interna e, consequentemente, sua temperatura. A primeira delas, bem trivial e simples de imaginar um exemplo prático, consiste em aquecer ou esfriar o gás, colocando-o em um ambiente a uma temperatura diferente. A segunda forma nos diz que é possível alterar a temperatura de um gás, deixando-o realizar trabalho contra uma força externa ou que uma força externa realize trabalho sobre o gás. Imagine que se um gás faz trabalho contra uma força externa, o sistema sobre o qual o trabalho é feito ganha energia; logo, como deve haver a conservação da energia no sistema, o gás perde energia. Se perder energia, como dissemos acima, ele esfria. Apesar da descrição mais detalhada da segunda forma de alterar a energia interna das moléculas do nosso gás, o leitor talvez possa não estar encontrando um exemplo do cotidiano, mas é simples. Quando enchemos um pneu de bicicleta, pressionamos o ar dentro da bomba, fazendo trabalho sobre ele. Nós perdemos energia (fazendo trabalho sobre a bomba) ao fazer isso, e o gás dentro da bomba ganha energia e se aquece(i). Podemos perceber isso verificando o quão quente fica a bomba após algumas pressionadas. Este é um exemplo mais ou menos trivial de que quando se faz trabalho sobre um sistema ele se aquece.

            O contrário também é verdade. Quando um gás a certa temperatura se expande contra um agente que faça uma força sobre ele, ele se esfria. Por exemplo, quando gás pressurizado em um compartimento, como os de desodorantes do tipo spray, sai desse compartimento, ele faz um trabalho contra o ar atmosférico, se esfriando. Com um pouco de atenção, podemos perceber isso brincando com um tubo de desodorante.

            Resumindo: se um gás se expande contra uma força externa, ele se esfria; se é comprimido por uma força externa, se aquece.

 

 

Expansão e resfriamento

 

           Quando o gás que está pressurizado em um tubo de desodorante (do tipo spray) sai, ele encontra-se inicialmente sob pressão mais alta que a atmosfera. Com isso, se expande, até atingir a pressão atmosférica. Ao se expandir, o gás faz um trabalho contra uma força externa que o comprime, a força feita pelo restante do ar atmosférico. Ao fazer trabalho, sua energia interna diminui e, com isso, sua temperatura também diminui.

           O mesmo efeito ocorre com uma massa de ar que é empurrada de uma região com maior pressão para uma região com menor pressão, por exemplo, ao subir uma montanha. Nesse processo o ar se expande e se esfria. O nome técnico que esse processo recebe é “expansão adiabática”, ou seja, expansão sem troca de energia térmica com o ambiente.        

Conclusão: essa é a razão pela qual o ar é frio no alto das montanhas e quente no litoral.

            Na verdade, não precisa haver montanhas para o ar subir e se esfriar. Em altitudes até cerca de dez quilômetros há sempre movimentos horizontais e verticais do ar, o que faz com que a temperatura decresça com a altitude mesmo que não haja montanhas por perto.

 

 Fazendo as contas

 

            Para fazer as contas de quanto o ar esfria-se, você precisa de duas equações. A equação de estado para um gás ideal é

 

 ,

 

 onde P é a pressão (em N/m2 no sistema internacional), V é o volume (m3 no SI), n é o número de moles daquela amostra de gás, T é a temperatura em K e R = 8,3J/mol.K. Essa equação vale sempre, desde que o gás não esteja muito comprimido. Por exemplo, a uma atmosfera (P = 1,01.105N/m2), a 00C, que equivale a 273 K, um mol de gás (n = 1) ocupa um volume de

 

,

  

 

ou seja, 22litros.

A outra equação necessária é a que diz o que ocorre com um gás que não troca energia com algum outro sistema por causa de uma diferença de temperatura, ou seja, em linguagem técnica, sofre uma transformação adiabática. Essa equação é

 

   ,

 

onde Po, Vo, P1 e V1 são valores de pressão e volume ocupados pelo gás em duas situações diferentes. O expoente γ depende do tipo de gás e, no caso do ar, quase totalmente formado de N2 e O2 (gases diatômicos) vale 1,4(ii). Por exemplo, considere uma amostra de gás a 1 atm que ocupa um volume de 1,0 litro, e está a uma temperatura inicial (To) de 300K (27ºC). Ao comprimir adiabaticamente (por exemplo, comprimindo rapidamente uma bomba de encher pneu de bicicleta e cuja saída de ar tenha sido fechada) esse gás até que ele passe a ocupar um volume de 0,5 litro, a nova pressão será dada por

 

    .

  

            Para descobrir a nova temperatura (T1) do gás após a expansão, basta usar a equação de estado (1):

 

 

Agora imaginemos, uma situação aplicada a atmosfera e seus movimentos. Para tanto, observe a figura abaixo:

 

A figura nos mostra uma dada massa de ar subindo a montanha, pense que este fato pode ser devido, por exemplo, a um vento ascendente. Como o nosso propósito com o texto era de entender um pouco sobre a dinâmica atmosférica de uma forma simples, é justo propor um cálculo para uma massa de ar qualquer. E para isso necessitaremos de apenas uma equação além das apresentadas anteriormente ((1) e (2)). A nova equação relaciona o decréscimo da pressão com a variação de altitude h a partir de um referencial localizado ao nível do mar. Sua dedução não vem ao caso neste nosso texto. A equação é:

 ou  ,

onde e é o número de Euler (e = 2,718).

 

Assim, para uma montanha de por exemplo 1000 metros de altura em relação ao nível do mar, a 1 atm (1,013.105 Pa) de pressão Po, teremos uma pressão P1:

 

E agora, levando em consideração que a equação (2) pode ser escrita da seguinte maneira:

 

,   podemos igualar (3) e (4)  e achar uma relação semelhante para a variação de volume devido a ascenção da massa de ar

 

.

 

Substituindo os valores, temos:

 

 Assim, obtemos: .

 

E finalmente, aplicando os novos valores de pressão e temperatura podemos, usando a equação de estado (1), para uma temperatura inicial de 300 K qualquer, obteremos uma nova temperatura T1 = 292 K (aprox.).

Agora vc já será capaz de fazer o cálculo para massas de ar. Agora, faça uma conta para a diferença de temperatuda que o litoral tem quando comparado a cidade de São Paulo por exemplo, compare seus cálculos com as médias de temperatudas das duas regiões, tente!

 

 

 

 

 

(i) Você poderia então pensar que se o ar na bomba se aquece, então a pessoa que bombeia o ar se esfriaria! Sabemos que é exatamente o contrário: a pessoa também se aquece e se continuar bombeando pode começar a suar, de tanto que se aqueceu. Mas falta um ingrediente: para fazer trabalho bombeando o ar a pessoa precisa produzir mais energia do que a que está transferindo para o ar da bomba, “queimando comida” dentro de seu corpo. Como a eficiência do corpo humano é da ordem de 20% ou 30%, nosso organismo produz bem mais energia do que a que está sendo transferida para o ar e, assim, se aquece.

(ii)  Para o eventual cálculo de uma transformação adiabática com um gás monoatômico use γ = 1,7.