Uma Torre Surpreendente

 

Será que é possível empilhar blocos semelhantes de tal forma que o bloco superior esteja deslocado horizontalmente em relação ao bloco da base de uma distância maior que seu próprio comprimento, como mostrado na figura abaixo?

 

 

         Sim, desde que tenhamos uma quantidade suficientemente grande de blocos, certa paciência e habilidade, podemos fazer com que o bloco superior esteja tão deslocado do bloco inferior quanto quisermos.

 

         Para fazermos o empilhamento, comecemos assim: primeiro empilhemos dois blocos, o superior o mais deslocado do inferior quanto possível, ou seja, alinhe os blocos e depois os desloque até que o bloco superior esteja na iminência de cair. Esse deslocamento será igual à metade do comprimento dos blocos, neste caso o centro de massa do bloco superior estará exatamente na borda do bloco inferior. Veja a figura a baixo:

 

 

 

         O bloco superior está deslocado em relação ao bloco inferior de uma distância igual à metade de seu comprimento, digamos, L/2 (onde “L” é o comprimento total de cada bloco), e o centro de massa comum dos dois blocos estará em no ponto indicado na figura, a uma distância igual a L/4 do extremo direito do bloco inferior. O próximo passo é colocar esses dois blocos sobre um outro, de tal forma que esse centro de massa comum  das duas peças esteja exatamente na borda do terceiro bloco. Feito isso, o extremo direito do bloco superior estará deslocado em relação ao extremo direito do inferior de uma distância igual a L/2 + L/4, assim como você pode ver na figura abaixo:

 

 

         Agora, o centro de massa conjunto dos três blocos estará a uma distância igual a L/6 do extremo direito do bloco inferior. Próximo passo: colocar esses três blocos sobre um quarto bloco. Feito isso, o extremo direito do bloco superior estará a uma distância de L/2+L/4+L/6=11L/12. Veja:

 

 

Podemos perceber que a partir de agora, mais um bloco colocado e a distância será L/2+L/4+L/6+L/8=25L/24, que já é superior a L e, portanto, o bloco superior já estará deslocado em relação ao bloco inferior de uma distância superior ao seu comprimento.

Você irá perceber que este procedimento pode ser continuado indefinidamente sendo a distância total entre os extremos direitos do bloco superior e do bloco inferior dada por

 

,

onde o número de termos na soma será igual ao número de blocos menos um. Essa soma dentro dos parênteses cresce indefinidamente na medida em que acrescentamos mais um número, ou seja, ela não converge. Assim, podemos conseguir que o bloco superior esteja tão deslocado do bloco inferior quanto quisermos, mas isso é claro, se tivermos paciência e habilidade suficientes para conseguir fazer a pilha de blocos crescer, pelo menos em teoria, indefinidamente.

         Tente fazer essa pilha usando alguns livros iguais – ou pelo menos parecidos.

 

Explorando o infinito um pouco mais a fundo...

 

Há muitos séculos, operações envolvendo quantidades infinitas, tais como as vistas no problema anterior, desafiam a intuição humana. Não é raro sermos surpreendidos quando analisamos certos tipos de problemas, aparentemente simples, usando o devido rigor matemático.

            Vamos ilustrar este fato, propondo um problema um pouco diferente do da “torre”: imagine que você se encontra a uma certa distância de um obstáculo e deseja alcançá-lo. Na prática, sabemos que isso é plenamente concebível e, melhor ainda, a escala de tempo em que isso ocorre é da ordem dos acontecimentos cotidianos. Certo? Agora veja como o fato simples de alcançar um obstáculo pode nos trazer surpreza dependendo de como o problema é abordado.

            Por volta do século V a.C., um filósofo chamado Zenão de Eléia, propôs alguns “paradoxos” envolvendo movimento e tempo. Em seus “paradoxos”, Zenão sugere que o movimento é uma espécie de “ilusão”! Vejamos o porquê de Zenão achar isso. Bem, ele diz que, no caso do alcance do obstáculo, primeiro você deve percorrer a primeira metade da distância total, depois mais metade da distância restante, e então mais metade do que resta, e assim sucessivamente. De forma que esse processo demoraria um tempo infinito, pois se para cada deslocamento há uma demanda de tempo, seria impossível percorrer a distância em um tempo finito. Portanto, o paradoxo surge ao supor intuitivamente que a soma de infinitos intervalos de tempo é infinita, de tal forma que seria necessário passar um tempo infinito para que você pudesse alcançar o obstáculo. Mas, como resolver este aparente dilema? Bom, a resolução deste “paradoxo” envolve o conhecimento da convergência e divergência de séries, que foi devidamente resolvida depois de cerca de 2 milênios depois da proposisão do filósofo. Basicamente, os infinitos intervalos de tempo descritos no paradoxo formam uma progressão geométrica e sua soma converge para um valor finito.

 

 

Pequena formalização do problema da construção da torre...

 

Em nosso problema inicial, a soma sucessiva das distâncias, de modo que o centro de massa das figuras formadas a cada empilhamento coincidam com a extremidade do bloco a ser adicionado, é definido, segundo o “matematiquês” por uma série numérica. Notação:

 

           

No caso da torre temos,

 

 

            Este tipo de série é definida matematicamente por “p-série”. Denotada por:

 

; onde e p = 1.

 

            Pode-se demonstrar que quando p>1, a série converge (ou seja, a soma resulta em um número finito) No entanto, quando p1, a série diverge (a soma, via de regra para nosso interesse, resulta em um número infinito).

 

bom, e em que isso me ajuda?”

 

            Traduzindo agora do “matematiquês” para nosso idioma. Como foi dito anteriormente, não temos um limite de crescimento horizontal para nossa torre. O único limite para a nossa torre seria a falta de habilidade manual, tempo hábil disponível para a construção e uma quantidade grande de blocos.